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PEC do Equilíbrio entre os Poderes e o claro desequilíbrio entre eles

A “PEC do Equilíbrio entre os Poderes” mostra problemas estruturais de difícil solução.

21/7/2022

O Princípio da Separação dos Poderes – check and balances – nos remete à época aristotélica, tendo sido aprimorado por Montesquieu, em sua honrosa obra “O Espírito das Leis”. Segundo os seus teóricos, tal primado permite um controle mais efetivo dos atos do Poder Público na medida em que as funções estatais são repartidas entre poderes distintos, com funções demarcadas, aptas a serem avaliadas e controladas uns pelos outros.

Ele surgiu em um contexto de luta contra as monarquias absolutistas, praticamente imunes a controles, como forma de garantir os direitos civis e políticos dos cidadãos. No Brasil, desde a independência, o modelo foi adotado, embora, nos anos imperiais, existisse também a figura do Poder Moderador, fruto dos resquícios absolutistas da época.

Na Carta Magna de 1988, a separação de poderes tem papel de relevo, notadamente em seu art. 2º, que expressamente o consagra. Com efeito, ao longo do seu texto, não é difícil perceber os reflexos de tal princípio, a exemplo do julgamento do Presidente da República por parte do Congresso Nacional, em caso de impeachment, assim como do próprio veto presidencial a projetos de lei.

Nessa mesma esteira, o controle de constitucionalidade, em obediência à supremacia e unidade da Constituição, é exercido pelo Supremo Tribunal Federal, que, no ordenamento jurídico brasileiro, exercer papéis concomitantes de órgão máximo do Poder Judiciário e de Tribunal Constitucional. Em outros ordenamentos, como o francês, tal função é acometida a órgão que não integra nenhum dos três poderes, em busca de maior distanciamento de todos eles.

No exercício de tal controle, a Corte Suprema analisa a compatibilidade de leis e atos normativos emanados pelos três poderes em relação à Constituição Federal, desde que carreguem abstração e generalidade. Neste tocante, o controle de constitucionalidade subdivide-se em controle abstrato, no qual o Supremo analisa a constitucionalidade de leis/atos normativos de forma descolada de casos concretos, e em controle concreto, pelo qual todos os magistrados, inclusive os do STF, analisam a constitucionalidade de leis/atos normativos por meio de casos levados aos mesmos por meio de processos subjetivos.

Consideram-se leis, em sentido formal, as leis complementares e as emendas constitucionais, haja vista não advierem do Poder Constituinte Originário, único hábil a produzir normas de forma ilimitada e incondicionada. Nesse sentido, as emendas constitucionais, em que pese sejam integradas ao próprio texto constitucional quando promulgadas, são frutos do Poder Constituinte Derivado Reformador - condicionado e limitado -, de modo que devem obediência aos ditames constitucionais, notadamente às cláusulas pétreas e às demais normas que regulam o seu próprio processo legislativo, vedada a denominada “dupla revisão”.

Nessa toada, são cláusulas pétreas enumeradas ao art. 60, §2ª, incisos I e III, da Carta Magna, a forma federativa de Estado e a separação dos poderes. Sendo assim, qualquer emenda constitucional que se incline a abolir tais institutos é, invariavelmente, inconstitucional.

Vale ressaltar que, dentre as características do federalismo, destaca-se a própria separação de poderes. Dessa forma, as funções atribuídas pela Constituição aos três poderes da nação devem ser precipuamente exercidas e respeitadas, mormente as funções típicas de cada um deles: administrar; legislar; e julgar.

Quanto a esta última, na ordem brasileira, inclui-se abrangido o próprio exercício do controle de constitucionalidade. Isto porque compete a todo juiz realizá-lo, de forma difusa, bem como porque cabe ao Supremo à análise constitucional abstrata, enquanto Corte Constitucional, e, ao fim e ao cabo, a última palavra, em controle difuso, enquanto órgão judiciário máximo.

Com efeito, haja vista a patente inconstitucionalidade, não há como tolerar, sob pena de afronta às cláusulas pétreas da forma federativa de Estado e separação de poderes, a denominada “PEC do Equilíbrio entre Poderes” – de iminência proposta parlamentar -, que busca a sustação de decisões do Supremo Tribunal Federal, ainda não transitadas em julgado, por parte do Congresso Nacional. Admiti-la seria subverter a organização institucional brasileira o órgão produtor das normas ter o poder de anular o seu próprio controle, ainda que isto seja limitado a processos não transitados em julgado, posto que aniquila o poder geral de cautela e as tutelas provisórias do Supremo.

Ademais, em tempos de discussões sobre ativismos judiciais, já se vislumbra o chamado ativismo congressual, espécie de backlash por parte do Congresso através de promulgações legislativas que vão de encontro às decisões constitucionais. Nessa esteira, a pretendida PEC traz certa “clausula geral de backlash parlamentar”.

De tão grave a violação, uma vez apresentado o projeto, é facultado aos parlamentares federais o manejo de Mandado de Segurança. Isto porque o STF admite o manejo de tal remédio quando constatada violação de cláusulas pétreas por parte de PEC’s, como forma de instrumento de excepcional controle de constitucionalidade preventivo, abstrato e concentrado, a ser apreciado pela própria Corte Suprema.

Salienta-se que não se pretende, aqui, vangloriar um ou outro órgão público, mas sim, realizar uma análise intrinsecamente jurídica acerca da questão. Nesse contexto, em âmbito filosófico, social e político, reconhece-se também a dificuldade de aplicação do primado da separação de poderes no exercício do referido writ perante o Supremo. Isto porque, de certa e mesma forma, também estaria o Supremo a afastar um controle exercido sobre si mesmo.

De todo modo, em uma interpretação mais literal e ontológica, evidente a inconstitucionalidade da referida PEC. E, sendo o Supremo Tribunal Federal a nossa atual e única Corte Constitucional, até ulterior ordem constitucional, cabe a ele a precípua defesa da Carta Magna.

Taís Mota Vaz
Advogada da área cível, administrativa e trabalhista. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade Baiana de Direito e em Direito Público pela Escola Brasileira e Direito - EBRADI.

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