Quando este humilde auxiliar da Justiça imagina que já viu todas as iniquidades possíveis neste triste país, eis que verifica na sua prática de perito situações inimagináveis de ocorrer em qualquer outra nação minimamente civilizada. No Brasil, em que uma minoria pérfida dita o destino miserável da maioria, a tragédia é regra e não exceção.
Os casos que irei narrar a seguir corroboram a afirmação acima: o atual governo e o anterior conseguiram destruir a segurança jurídica da Seguridade Social no Brasil, instituída pela lei 8.213/91, através da sistemática cessação dos benefícios previdenciários pelo INSS, incluindo aposentadorias por invalidez concedidas há décadas pela própria autarquia. Diga-se de passagem que a elite brasileira nunca aceitou a seguridade social , a legislação trabalhista e a gratuidade do direito à saúde do SUS garantidos pela Constituição Cidadã de 1988. Na impossibilidade de revogá-la, o executivo lesa os direitos dos mais vulneráveis com operações pente fino e reformas que paulatinamente vão destruindo o tecido social do país.
No dia 19/7/22 o articulista dr. Rômulo Saraiva denunciou: Benefícios negados no INSS saltam para cerca de 4,4 milhões por ano no atual governo.
Mas vamos aos casos, para não impacientar o leitor:
Caso 1: João de Deus, segurado e contribuinte do INSS, caminhoneiro autônomo (uma profissão com alto risco para o desenvolvimento de enfermidades cardiovasculares): trabalho em longas jornadas e sobre jornadas com grande estresse, transportando cargas nas péssimas estradas brasileiras, com alto risco de acidentes e roubo de cargas, alimentação precária, falta de atividade física, consequente obesidade e sem assistência médica preventiva; esta categoria morre de doenças como o infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral em idade precoce da vida.
O pobre João de Deus sofreu um infarto do miocárdio, e mesmo atendido em uma das raras Instituições de ensino médico de excelência que ainda sobrevivem no Brasil com escassos recursos, evoluiu com grande extensão da área de necrose do seu coração e em insuficiência cardíaca terminal; encontrava-se à época da perícia que realizei internado aguardando um transplante cardíaco, única opção de tratamento que restou para salvar a sua vida.
O espanto no caso acima é que João de Deus teve o seu benefício por incapacidade laboral e a lógica aposentadoria por invalidez negados pela Perícia Médica do INSS!
Só restou ao segurado acionar a Justiça para requerer o seu devido benefício, que evidentemente teve a sua petição contestada pela sempre zelosa Advocacia Geral da União (AGU)- ; o seu benefício poderá ser percebido após anos (se sobreviver, pois a fila de transplantes ficou mais longa devido à falta de recursos na Saúde), ante os inevitáveis recursos previstos no Código de Processo Civil.
Caso 2: Maria de Fátima, segurada do INSS desde que começou a trabalhar cedo, vítima de uma doença infecciosa e social causada por falta de moradia digna - a Doença de Chagas -, teve as manifestações cardíacas agravadas em 1997, ocasião em que teve o seu pedido de aposentadora por invalidez deferido pela autarquia. Desde então foi submetida a implante de marca-passo, cirurgia cardíaca e internada diversas vezes por insuficiência cardíaca, já na fase terminal da sua terrível doença, e incrivelmente teve o seu benefício cessado em 2019!!! Não restou outra alternativa para a segurada que buscar na Justiça o restabelecimento do seu direito, que jamais deveria ter sido cessado.
Estes dois casos ilustram bem o que aconteceu com a Seguridade Social do nosso lamentável país: mediante um aspecto de falsa legalidade e moralidade de reformas e operações tipo ¨pente fino¨, o poder executivo instituiu a sistemática cessação e negativa de benefícios previdenciários para milhares de brasileiros e brasileiras, injustamente para quem mais necessita: quem está no leito à beira da morte, sem qualquer recurso financeiro , sem esperança , no mais completo desamparo. Os recursos públicos são torpemente direcionados em larga escala para os 4 setores que dominam o Brasil: bancos, boi, bala e bíblia; para o povo restam apenas ninharias!
Já escrevi que a minha geração assistiu à esperança de dias melhores na fase de redemocratização do país, após uma trágica e sangrenta ditadura militar. Mas a Casa Grande se reorganizou e restabeleceu a regra básica do período totalitário: uma minoria reacionária escravagista domina e submete a maioria, econômica e politicamente. Hoje vivemos a total desesperança e sofrimento sem fim do povo brasileiro.
Cabem as perguntas: Um dia esses crimes serão devidamente apurados? O Judiciário vai dar vazão ao número exorbitante de ações previdenciárias?
¨O Brasil é Império, será República e depois será Império novamente.”
Eça de Queirós