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O funil mais estreito para o recurso especial

A nosso ver, todas as questões de ordem federal do recurso especial devem ser relevantes, para que o recurso seja admitido, respeitando-se, evidentemente, os capítulos do acórdão impugnado. Esse entendimento está alinhado com a súmula 182/STJ.

19/7/2022

A partir de 15/7/22, temos, no direito brasileiro, a relevância da questão de direito federal, como requisito de admissibilidade dos recursos especiais.

A mudança, introduzida na CF pela emenda constitucional  125,  deve ser vista, a nosso ver, com bons olhos. Afinal, a avaliação quanto à determinada novidade ser boa ou ruim deve acontecer tendo como cenário a realidade e não um mundo ideal: temos um Superior Tribunal de Justiça que tem uma carga desumana de recursos para decidir. 

A partir de 15/7/22  a CF  passa a exigir, com a alteração do art. 105, mediante a inclusão dos §§2º e 3º, que o recorrente demonstre a relevância das questões de direito federal suscitadas em seu recurso, cuja ‘inexistência apenas pode ser afirmada por manifestação de 2/3 (dois terços) dos membros do órgão competente para o julgamento’.1

O texto é praticamente idêntico ao §3º do art. 102 da Constituição Federal, o que nos permite, pelo menos em um primeiro momento, tratar do tema imaginando haver certa dose de simetria entre ambos os institutos: a repercussão geral e esta nova relevância. Mas apenas certa dose. Há, porém, relevante diferença: o art. 7º da Emenda Constitucional 45, estabeleceu que o Congresso Nacional deveria, em cento e oitenta dias, elaborar os projetos de lei necessários à regulamentação da matéria nela tratada, bem como promover alterações na legislação federal. Na Emenda Constitucional 125, não há prazo imposto para a regulamentação da matéria.

Há um aparente desencontro entre as regras do §2º do art. 105 da CF, com a redação que lhe foi dada pela EC 125 e os arts. 2º e 3º da citada EC.  Isso porque, enquanto aquele prevê que o requisito da relevância será exigido, nos termos da lei, os outros dois últimos dispositivos estabelecem que a relevância será exigida, nos recursos interpostos, após a entrada em vigor da EC e que esta entra em vigor, imediatamente. Trata-se, no entanto, de uma antinomia apenas aparente.

As Emendas à Constituição têm, como regra, eficácia imediata, de modo que não seria possível atribuir-lhes um período de vacatio. Tanto assim é, que o texto referente à repercussão geral tem o mesmo teor. Ambos os dispositivos exigem o requisito “nos termos da lei”. Ou seja, a garantia à segurança jurídica se dá a partir da expressa necessidade de regulamentação infraconstitucional da matéria. A futura lei, essa sim, terá (poderá ter) período de vacatio legis pré-estabelecido.

A lei, para a repercussão geral, foi a de nº 11.418/06, publicada em 20/12/06 e que entrou em vigor 60 dias após, ou seja, em março de 2007. Já o regimento interno do STF foi alterado em abril de 2007, por meio da Emenda Regimental 21/07.

No caso da repercussão geral, estabeleceu-se que a preliminar seria exigida apenas nos recursos interpostos contra acórdãos publicados posteriormente à edição da Emenda Regimental (QO-AI 664.567, Min. Sepúlveda Pertence).2

No caso, o STF tratou, especificamente, do requisito da preliminar da repercussão geral (e, não, da repercussão geral, como requisito intrínseco de admissibilidade recursal). O mesmo regime jurídico  deve ser aplicado para a arguição de relevância.  A preliminar de relevância,  só será exigível após a regulamentação pela lei e, muito provavelmente, pelo regimento interno do STJ.

Já quanto à existência de repercussão geral em si mesma, o STF se manifestou, nas questões de ordem ns. AI 715.423, Min. Ellen Gracie e RE 540.410, Min. Cezar Peluso, decidindo que, ainda que não seja o caso de exigir a preliminar de repercussão geral, aplica-se o regime jurídico, mesmo para os recursos anteriores à lei:

4. Reconhecida, pelo Supremo Tribunal Federal, a relevância de determinada controvérsia constitucional, aplicam-se igualmente aos recursos extraordinários anteriores à adoção da sistemática da repercussão geral os mecanismos previstos nos parágrafos 1º e 3º do art. 543-B, do CPC. Expressa ressalva, nessa hipótese, quanto à inaplicabilidade do teor do parágrafo 2º desse mesmo artigo (previsão legal da automática inadmissão de recursos), por não ser possível exigir a presença de requisitos de admissibilidade implantados em momento posterior à interposição do recurso. 5. Segunda questão de ordem resolvida no sentido de autorizar os tribunais, turmas recursais e turmas de uniformização a adotarem, quanto aos recursos extraordinários interpostos contra acórdãos publicados anteriormente a 03.05.2007 (e aos seus respectivos agravos de instrumento), os mecanismos de sobrestamento, retratação e declaração de prejudicialidade previstos no art. 543-B, do Código de Processo Civil.

O recurso anterior poderia, portanto, ser sobrestado, inclusive, na origem, de modo a aguardar decisão sobre tema cuja análise da repercussão geral tinha sido proposta pelo STF e estivesse pendente de julgamento.

Entendimento semelhante, dev, a nosso ver, ser aplicado pelo STJ. Em outras palavras, nenhum recurso será inadmitido pela ausência da respectiva preliminar, até que a matéria seja regulamentada por lei e, muito possivelmente, pelo regimento. De todo modo, todos os recursos interpostos, a partir da publicação da Emenda à Constituição, poderão ser submetidos a referido regime.

Por isso, ainda que, no momento, não se trate especificamente de um ônus, é importante que os recorrentes, desde logo, demonstrem, de forma clara, o preenchimento dos requisitos, em seus recursos especiais. Afinal, há grande risco de que tais recursos sejam submetidos ao regime da relevância, independentemente de qualquer discussão acerca de seus aspectos formais.

Outro ponto importante, que, desde logo, podemos sustentar é que os §§ 2º e 3º não são cumulativos. Ou seja, é possível que seja reconhecida a relevância da discussão, mesmo que o recurso especial não se encarte em qualquer das hipóteses de presunção de relevância previstas no §3º.

Assim, a parte poderá demonstrar os motivos pelos quais o tema do seu recurso é relevante do ponto de vista das funções do STJ, especialmente, enquanto Corte de uniformização.

Da mesma forma, não parece haver espaço para que, nas situações elencadas no §3º, possa o STJ deixar de reconhecer a relevância. O critério, para essas hipóteses, é o de relevância expressamente prevista na Constituição Federal, que não depende de análise especifica do caso concreto, pelo Tribunal.

 Isto não significa, porém, frise-se, que outras situações não listadas nesse “rol” estejam excluídas da apreciação do STJ, até mesmo porque, seria absolutamente impossível esgotar, em apenas cinco incisos, todas as possíveis questões de direito federal infraconstitucional revestidas de relevância.

Por fim, um terceiro e último aspecto, especialmente relevante para a advocacia, está na seguinte questão: a parte deverá demonstrar a relevância de todas as questões suscitadas em seu recurso ou basta que demonstre a relevância de, apenas, uma das questões?

A nosso ver, todas as questões de ordem federal do recurso especial devem ser relevantes, para que o recurso seja admitido, respeitando-se, evidentemente, os capítulos do acórdão impugnado. Esse entendimento está alinhado com a súmula 182/STJ.

Estas são, como dissemos no início, algumas reflexões preliminares a respeito da Emenda Constitucional 125. Certamente, surgirão muitas outras considerações a fazer, muitas dúvidas a serem resolvidas, especialmente após a projeção de seus efeitos no mundo empírico. Mas, parece ser importantíssimo que, diante da inegável relevância dessa Emenda Constitucional, tenha-se cautela neste momento inicial, preservando-se, em última análise, as garantias fundamentais dos jurisdicionados ao acesso à justiça, o devido processo e a ampla defesa, o que implica respeito ao postulado de que “as regras do jogo não podem ser alteradas no meio da partida”.    

_____________

1 § 2º No recurso especial, o recorrente deve demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que a admissão do recurso seja examinada pelo Tribunal, o qual somente pode dele não conhecer com base nesse motivo pela manifestação de 2/3 (dois terços) dos membros do órgão competente para o julgamento.  

2 II. Recurso extraordinário: repercussão geral: juízo de admissibilidade: competência. 1. Inclui-se no âmbito do juízo de admissibilidade - seja na origem, seja no Supremo Tribunal - verificar se o recorrente, em preliminar do recurso extraordinário, desenvolveu fundamentação especificamente voltada para a demonstração, no caso concreto, da existência de repercussão geral (C.Pr.Civil, art. 543-A, § 2º; RISTF, art. 327). 2. Cuida-se de requisito formal, ônus do recorrente, que, se dele não se desincumbir, impede a análise da efetiva existência da repercussão geral, esta sim sujeita "à apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal" (Art. 543-A, § 2º). III. Recurso extraordinário: exigência de demonstração, na petição do RE, da repercussão geral da questão constitucional: termo inicial. 1. A determinação expressa de aplicação da L. 11.418/06 (art. 4º) aos recursos interpostos a partir do primeiro dia de sua vigência não significa a sua plena eficácia. Tanto que ficou a cargo do Supremo Tribunal Federal a tarefa de estabelecer, em seu Regimento Interno, as normas necessárias à execução da mesma lei (art. 3º). 2. As alterações regimentais, imprescindíveis à execução da L. 11.418/06, somente entraram em vigor no dia 03.05.07 - data da publicação da Emenda Regimental nº 21, de 30.04.2007. 3. No artigo 327 do RISTF foi inserida norma específica tratando da necessidade da preliminar sobre a repercussão geral, ficando estabelecida a possibilidade de, no Supremo Tribunal, a Presidência ou o Relator sorteado negarem seguimento aos recursos que não apresentem aquela preliminar, que deve ser "formal e fundamentada". 4. Assim sendo, a exigência da demonstração formal e fundamentada, no recurso extraordinário, da repercussão geral das questões constitucionais discutidas só incide quando a intimação do acórdão recorrido tenha ocorrido a partir de 03 de maio de 2007, data da publicação da Emenda Regimental n. 21, de 30 de abril de 2007.

Teresa Arruda Alvim
Sócia do escritório Arruda Alvim, Aragão, Lins & Sato Advogados. Livre-docente, doutora e mestre em Direito pela PUC/SP.

Carolina Uzeda
Doutoranda pela Universidade Federal do Paraná. Mestre em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Estácio de Sá/RJ. Professora de Direito Processual Civil em cursos de Especialização em Direito Processual Civil da PUC-Rio. Membro efetivo do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Carioca de Processo Civil.

Ernani Meyer
Graduado em Direito na FAE. Pós-graduado em Direito Processual Civil no Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar. Advogado.

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