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STF e o vínculo de emprego

A polêmica da decisão do ministro Dias Toffoli que, em cautelar de reclamação constitucional, afastou decisão da Justiça do Trabalho que reconhecera vínculo de emprego entre advogada e escritório de advocacia.

13/7/2022

Mesmo quem tem conhecimento superficial sobre o direito do trabalho sabe que a pedra de toque desse ramo especial do direito é a subordinação jurídica. Ela é o que justifica o direito laboral e, também, congregado a outras, é condição imprescindível para discernir a relação de emprego de outras relações jurídicas de trabalho. 

Com efeito, o legislador estipulou que a relação de emprego exsurge da presença, numa relação fática, de um prestador de serviços que, de maneira onerosa, não eventual, personalíssima e subordinada, preste serviços a um tomador. 

Desse aspecto jurídico deriva outro de elevada importância: para o direito do trabalho, pouco importa a veste jurídica pela qual se traveste a efetiva relação de emprego, vale dizer, existentes seus elementos caracterizadores, prevalece a realidade do emprego sobre a forma jurídica simulada! 

A subordinação, ademais, não traz só vantagens ao empregado, ao contrário, posto que seu anverso é o poder diretivo do empregador, capaz de impor penalidades jurídicas severas, como a dispensa por justa causa. 

Que é, então, “pejotização”? 

Não é outra coisa senão a simulação levada a cabo por empregadores e empregados, no mais das vezes, destinada a subtrair direitos trabalhistas, como décimo terceiro salário, férias, FGTS entre outros, em que um trabalhador (na verdade empregado) é levado a criar pessoa jurídica em seu nome para prestar serviços sem qualquer autonomia. 

Ora, não é preciso muita reflexão para se perceber que a verificação da existência ou não de relação de emprego tem natureza eminentemente infraconstitucional. Se a Constituição consagra diversas garantias e liberdades no art. 5º, além dos direitos sociais-trabalhistas a partir do art. 7º, a definição do que constitui relação de emprego, delegou à legislação infraconstitucional. 

Mas qual o papel do STF na interpretação do tema? 

Em questões trabalhistas, talvez a decisão que teve maior repercussão foi a sedimentada pela tese firmada no tema 725 da sistemática da repercussão geral, em que o STF afastou os efeitos da súmula 331 do TST, considerando lícita a terceirização ou qualquer divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante. 

Vê-se, pois, que o STF considerou lícita a terceirização em si, além de qualquer divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, sob o fundamento do princípio da legalidade, eis que, de fato, não existia no ordenamento jurídico norma que proibisse tal prática. 

Superveniência legislativa e “pejotização” 

Ora, após a decisão do STF, a terceirização foi disciplinada legalmente pelas modificações que as leis 13.429 e 13.467, ambas de 2017, produziram na lei 6.019/74. 

No art. 4º da referida lei, a terceirização consiste na transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica e compatível com a sua execução, constando ainda no parágrafo único que A empresa prestadora de serviços contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus trabalhadores, ou subcontrata outras empresas para realização desses serviços”. 

Portanto, a própria decisão do STF foi ultrapassada pela lei, que, doravante, regulamenta os requisitos da terceirização lícita, quais sejam: em primeiro, transfere-se uma atividade da contratante a outra, necessariamente pessoa jurídica, a qual deve ter capacidade econômica e deter o efetivo poder diretivo sobre seus empregados. 

Nada disso ocorre com a “pejotização”, posto que não há a concessão de uma atividade a uma empresa especializada que fornece o serviço, mas há a efetiva intermediação de mão de obra por uma simulação, posto que o trabalho continua personalíssimo e subordinado ao efetivo tomador de serviços, situação ilícita à luz da própria lei de terceirização. 

Decisão recente sobre contrato de associação com escritório de advocacia 

Diante da modificação legislativa, se não caberia mais a intervenção do STF para analisar a licitude de terceirização e da “pejotização” – salvo alegação de inconstitucionalidade da lei regulamentadora – menos razão há ainda para que a Corte Suprema se debruce sobre a licitude de contrato de associação de advocacia, em face de eventual presença de elementos caracterizadores da relação de emprego, eis que questão regulada pela lei 8.906/94, o Estatuto da Advocacia. 

Aliás, o art. 15, § 11 do Estatuto da Advocacia é inquestionável no sentido de vedar a averbação do contrato de associação que contenha, em conjunto, os elementos caracterizadores de relação de emprego previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943”. 

Mais uma vez, questão de índole flagrantemente infraconstitucional, já disciplinada por lei, em sentido diametralmente oposto à decisão monocrática proferida pelo ministro Dias Toffoli na medida cautelar na reclamação 53.899, em que afastou os efeitos das decisões proferidas em primeiro e segundo graus, sem conhecimento de recurso pelo TST – por óbice de revolvimento probatório em fase de recurso de natureza extraordinária, em ação que advogada ajuizou contra escritório em que trabalhou como associada. 

Nos autos da ação trabalhista, havia menção à existência de elementos caracterizadores de vínculo de emprego, o que não se poderia desconstituir por decisão do STF, muito menos em decisão monocrática por arrasto da suposta licitude ampla e irrestrita da terceirização. 

Conclusão 

Uma vez disciplinada por lei, a verificabilidade pela Justiça do Trabalho dos requisitos legais para a configuração do vínculo de emprego não pode ser revista pelo STF em recurso extraordinário, haja vista que a questão tem contornos flagrantemente infraconstitucionais, salvo expressa consideração de que as disposições legislativas afrontam a CF/88. 

Há esperança de que eventual recurso demova a Corte de insistir em tal desatino. O Estado de Direito pressupõe que os órgãos se contenham em sua esfera de competência, fundamentando suas decisões conforme os parâmetros legais. Não cabe ao STF julgar questões de natureza infraconstitucional, aleijando outros órgãos legitimados da competência que a própria Constituição lhes atribuiu.

Nicolas Basilio
Bacharel em direito no Largo de São Francisco-USP. Especialista em direito material e processual do trabalho na COGEAE-PUC/SP. Advogado trabalhista, sócio da Nicolas Basilio Advocacia.

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