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Abandono afetivo

Filhos: amar é uma possibilidade. O cuidado é uma obrigação civil.

11/7/2022

A lei determina aos pais e responsáveis o dever geral de cuidado, educação e convivência familiar de seus filhos, bem como, preservá-los de negligência, discriminação e violência. Apesar de ser o mais adequado, de acordo com a sociedade, não há como obrigar os pais a amar um filho, mas a legislação brasileira garante o direito ao cuidado. 

Os responsáveis pela manutenção dos filhos que ignoram o dever geral de cuidado podem ser responsabilizados juridicamente por causar danos morais. 

A CF/88 determina que: 

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 

Quando um dos pais, ou mesmo ambos, não presta assistência psicológica, moral e social aos filhos, eles estão negligenciando o dever de cuidado. Abandonar afetivamente significa prejudicar o desenvolvimento, comportamento e o futuro dos filhos. 

É por meio do contato familiar que as crianças desenvolverão fortes laços de afeto e proteção, assim, a estrutura familiar é baseada no amor mútuo, respeito e dedicação. Esses pilares são importantes para o progresso do desenvolvimento de seus filhos e de suas personalidades. 

Atualmente, não existe uma lei específica que proíba o abandono afetivo, mas em 2019 foi aprovado no Senado, na Comissão de Direitos Humanos, um projeto de lei que modifica o Estatuto da Criança e do Adolescente. 

No caso, trata-se do projeto de lei número 3.212/15. Esse projeto permite que as crianças recebam indenização por danos do genitor que não fornece apoio emocional. 

Isso pode significar desde morar junto, até fazer visitas periódicas, mas o projeto de lei ainda não está em vigor, o que pode mudar no futuro, já que tramita com prioridade. Por isso, alguns juízes já estão julgando os pais por abandonarem seus filhos emocionalmente. 

Para provar o abandono afetivo, a ilegalidade do direito civil deve ocorrer na forma de omissão, ou seja, se o genitor abandonar o filho emocionalmente, ele terá que reparar o dano causado a ele pagando uma indenização. Nesse sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente protege a infância na seguinte redação: 

Art. 5º - Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. (Grifo nosso) 

Podemos citar, ainda, o art. 1.634 do CC/02, no qual são elencados os deveres dos pais em relação aos seus filhos: 

Art. 1.634 - Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos:   

I – dirigir-lhes a criação e a educação;   

II – exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584;  

(…) 

VII – representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;   

VIII – reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;  (…) 

Note-se que, nessa lista, há a responsabilidade civil extensa para defender os interesses e guiar a infância em um caminho que forme um adulto saudável, não apenas fisicamente, mas que seja capaz dos atos da vida civil. 

Então, fica claro que a negligência e omissão do genitor, ou responsável legal, na presteza de suprir as necessidades afetivas das crianças causam danos profundos na identidade do indivíduo que está sendo formado. 

Evitar o abandono afetivo não significa mimar ou “estragar” a criança, pelo contrário: na infância, tudo o que é visto e ouvido será recolhido e armazenado. A criança não tem discernimento para distinguir o que é bom ou ruim e, assim, absorve todos os acontecimentos em sua memória, sem avaliá-los. 

Na psicologia, essas construções mentais são chamadas de crenças negativas e limitantes, que só se manifestam na idade adulta e trazem consigo danos psicológicos: medos, ansiedade, insegurança e até transtornos mentais são algumas das consequências. 

O indivíduo que sofre com traumas, mesmo que adulto, costuma ter dificuldades para conviver em sociedade, se relacionar, apresentando baixa autoestima e agressividade. Na verdade, mesmo se já for paga uma pensão alimentícia, o filho ainda pode estar abandonando emocionalmente, pois, tanto pela sociedade quanto pela lei, as crianças não devem ter que se preocupar com finanças. 

Destaque-se que há diferença entre abandono material e abandono afetivo. Pois quando o responsável deixa de prover, sem justa causa, a subsistência do filho menor de 18 anos, acontece o abandono material, mas se há a indiferença afetiva, ou desprezo, de um genitor em relação a seus filhos, caracteriza-se o abandono afetivo. Ainda fala-se sobre abandono intelectual, que é quando o responsável deixa de garantir a educação primária de seu filho, sem justa causa. 

Adicionalmente, alguns juízes até mesmo interpretam que pode caber a aplicação do art. 133 do CP, sobre o abandono de incapaz, quando for cabível, que diz: “Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono: Pena – detenção, de seis meses a três anos”. 

Dado o exposto percebe-se a relevância da matéria, e indaga-se até que ponto o judiciário está pronto para agir, despertando interesse nas decisões que se seguirão a partir daqui.

Bruna Brito do Nascimento
Advogada especialista em direito de família. CEO do escritório Brito Nascimento Advocacia e Assessoria Jurídica, escritório referência na solução de problemas familiares em todo o Brasil!

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