Olhando os negócios a partir de mais de 40 anos de permanência (sobrevivência?) no mercado – o que permitiu galgar os muitos degraus formados pelos erros cometidos – acabei por compreender quais os enganos mais comuns que se fazem na pesquisa, contratação e operação de serviços desse tipo, que apresento para avaliação do prezado leitor, meu colega de advocacia:
A natureza dos serviços: é muito importante, fundamental, que quem procura, precisa, compreende a importância fundamental da comunicação hoje em dia leve em conta que tais serviços – como os de advocacia, arquitetura, medicina, por exemplo – não são exatamente commodities, mas serviços de caráter ‘pessoal’, por assim dizer, onde a empatia, a simpatia, a intuição, a facilidade de interação entre pessoas e equipes exigem um approach diferente do que o estabelecimento de um processo de compra e venda comum. Pois não se trata disto, se trata, para que tudo funcione da melhor forma possível de um acordo de pessoas, de profissionais que se entendem e respeitam, longe de uma relação comercial comum, de vendedor, comerciante, cliente.
Assim, qualquer lista de serviços exarando tarefas relativas aos serviços produzidas pelo suspect demonstra que este item tão importante não está sendo considerado. Você não pode simplesmente chegar ao seu advogado e lhe dizer o que fazer, ou ao seu arquiteto, mesmo ao seu médico. Você os está procurando para que eles lhe digam o que fazer após ouví-lo. E o que é fundamental? Que sua intuição, sua sensibilidade, sua pesquisa, seus contatos com seus assessores seja plenamente satisfatórios. O que, quando, como vai ser feito não é importante, e de certa forma é até inadequado você – que não é profissional desta área, procure determinar, de antemão, o que deve ser feito, quando e como ! Mas é o que vejo acontecer recorrentemente. Vejam esta listinha de tarefas, prazos e ações que um suspect nos remeteu há pouco tempo.
Nada menos... olhando bem, a empresa já sabe tudo o que quer, precisa apenas – em seu olhar – de uma operadora competente, não um profissional qualificado que lhe apresente as soluções de acordo com sua competência, experiência. Há aqui, evidentemente, algum descrédito, digamos, preliminar, como quem diz, já sabemos o que queremos da comunicação, nos diga se vocês fazem o que queremos e quanto custa. Certamente quem redigiu (e quem aprovou...) este documento não tem a menor idéia de como este é de certa forma inadequado, uma vez que descredencia, digamos assim, não considera a expertise que pretende contratar em comunicação. Ou seja, não se deve chegar a um advogado e simplesmente apresentar a lista de suas demandas e como as quer encaminhadas. Não funciona assim.
Mas imagino o susto quando o custo destes serviços significar um investimento anual de milhões de reais, ou seja honorários, serviços, compras de espaços, produção de materiais, almoços, transportes... é o que avalio olhando a miríade de detalhes deste briefing... lembra-me o poeta bahiano: ‘”quem lê tanta notícia?”.
Ou em outras palavras, deixa que seu comunicador faça o que sabe que pode ser feito, por um preço razoável, realista, sabendo o que se sabe que é possível conseguir com um trabalho saudável, onde o encontro entre as pessoas seja um prazer constante, os desafios estimulantes e a confiança mutua impecável. É assim que tem que ser, pois comunicação não é produto, é um serviço altamente sofisticado, hoje potencializado de uma forma estupenda pela comunicação fácil, barata, instantânea à disposição de cada um, a qualquer momento. Afirmo que um bom projeto de comunicação começa – e termina, é medido, se revela profícuo – exatamente na medida do relacionamento que as partes consigam estabelecer. Quanto mais intuição, empatia, percepção do outro, melhor. Quanto mais burocratês, pior, quanto mais forem usadas expressões como ‘escopo’ e que tais, mais nos afastamos das pessoas, do seu valor interno, de sua vontade, da importância de se criar e manter um relacionamento pessoal , primário, que dê aos serviços um caráter de realização e não de ‘atingimento de metas’ previamente estabelecidas – como se isso fosse possível (ou necessário) em comunicação, exatamente !
Houve uma época – laudas, papel carbono, máquina de datilografar, telex etc em que a comunicação foi conduzida, determinada, validada por quem detinha os meios de comunicação – os donos de jornais, rádios, tevês etc. O Broadcast. Hoje, cada um de nós tem um estúdio de tevê na palma das mãos, uma filmadora, editora, uma radio, um jornal, um blog, you name it. Portanto, a importância da comunicação profissional se multiplicou ‘ene’ vezes, os filtros, a repercussão, as cobranças e este fenômeno inédito – a viralização automática, de vida própria, da notícia, do post, da comunicação enfim, quem imaginaria? E como nos preparar para agir nestes novos ‘mares ignotum’ ?
- Em minha vida profissional de décadas comunicando, notei que quanto mais detalhado, extensivo, complexo é o briefing, menor é a visão de quanto os serviços tão exatamente itemizados podem custar. Bem ao contrário, quanto mais um suspect pede, menos pretende investir, é quase uma regra, você vê um briefing deste tipo e logo lhe vem à cabeça quantas vezes você viu este filme... muita exigência, pouco investimento... clássico...
- Outro detalhe que chama minha atenção é a exigência de mil relatórios, mensais, semanais etc. Mas quem lê tantos relatórios ? E quem perde tempo fazendo tantos relatórios ? É uma montanha de dados que ninguém lê, mas que é uma das duas formas pelas quais o cliente procura lhe avaliar. A primeira, é o atendimento. Sendo este satisfatório, pessoal, interativo e ‘humano’ – vide ‘Humanos de Negócios’, de Rodrigo Vieira da Cunha – caso resolvido. O segundo é pelo tamanho dos relatórios, digo tamanho, porque nenhum cliente, sempre todos ‘muito ocupados’, vai se dar ao trabalho de ler todos os clippings, suas devidas avaliações e tudo o mais. Minha experiência é que recebem o pesado fardo com prazer, dão uma folheada breve, acham um ou outro item aqui e ali e finito, nunca mais este mundo de papel (ou de bits) será olhado... é, fato, regular, sempre acontece.
Em outras palavras, em geral, o cliente não entende o que se faz em comunicação, mas claro, percebe seus efeitos – principalmente se for em concorrentes ou se forem fatos negativos. O cliente entende seu serviço pela qualidade do atendimento, esta é a pedra de toque. Atendimento, relacionamento, prazer em conviver, a comunicação flui maravilhosamente. Digo, porque para quem comunica, o cliente é um maná de conteúdos e os canais de comunicação, sejam eles quais forem, um imenso vazio, papel em branco, espaços digitais que precisam cada vez mais de conteúdos de qualidade. E você, o comunicador, no meio, criando e dirigindo o trânsito da comunicação entre os vários interlocutores – para mim, e claro, sou suspeito, não tem trabalho melhor, que prazer comunicar, que sensação plena de ver que quanto mais se consegue ser ético, realista, honrado, preocupado com a qualidade e com o respeito devido a todos, consegue falar adequadamente com um sem número de interlocutores, estabelecendo conhecimento, relações, negócios, progresso e ganhos para todos.
- Outro engano, muito comum em empresas organizadas como antigamente, ou seja, com uma hierarquia de cima para baixo, fomentando um clima de, digamos apreensão entre os profissionais, cria-se um estados de coisas, onde o profissional é mais levado a cuidar da política interna na empresa, do que propriamente com os resultados e do que seja melhor para a empresa. Trata-se de cuidar de seu posto, do seu emprego. Este tipo de estrutura leva à políticas de contratação de serviços de terceiros da maneira mais ‘protegida’ de efeitos contrários dentro da empresa. Ou seja, é mais seguro contratarmos através de uma concorrência, isto elimina qualquer tipo de suspeita de favorecimento (ou coisa pior!) e consegue o preço mais baixo.
É um baita erro. Primeiro, porque os preços, em geral, são os da praça. É o mercado que estabelece os preços, ninguém mais. Portanto, afora as variações normais, os preços são conhecidos e não devem ser muito díspares. Segundo porque em comunicação, a ligação primária, básica, entre cliente e comunicador, é a da confiança mutua, a empatia, a intuição de que o outro fará seu melhor – que é o que sabe fazer, o que gosta de fazer, o que tem para oferecer. Como saber então se o comunicador é competente ? Muito simples, veja sua biografia. Seu site. Seu linkedin. Sua presença nas redes. Sua sede, (fuja se entrar em uma sala cheia de baias apertadas, luzes brancas escancaradas e cantinho do café. Com as inevitáveis, chatas, frias e não acolhedoras ‘salas de reunião’ com seus ‘ar cons’ a toda e mesinha de café e água...), os clientes que já atendeu, seus cases. Não precisa muito para se perceber quem é competente e arrisco a dizer que ninguém, com raras exceções, precisa da melhor assessoria de comunicação: isto não existe, como não existe o melhor arquiteto, o melhor médico. O que se precisa é de ter uma boa parceria com seus comunicadores, é o que basta, a maioria das agências longevas tem isto de sobra, preços razoáveis e times competentes. Mas claro, as mais business oriented vão tocar conforme a partitura que você determinar. Vejo, como no briefing acima, que a coisa está mais para opera mundi do que para bossa nova; ok. O projeto que será feito será até mais completo do que o próprio briefing. Conheço várias agências que têm uma equipe própria em fazer apresentações, projetos irresistíveis. É uma maravilha ver tudo o que se pode fazer, tudo é possível ! O cliente será atendido pelo próprio dono, pelos diretores. Mas quem tocará o dia a dia, não serão eles, evidentemente...
- E finalmente o óbvio. A comunicação hoje é tão importante quanto o produto ou serviço que a empresa presta. Quem tem que liderar, presidir, se ocupar em achar os comunicadores certos, que fit com a empresa e equipes não é uma mocinha em início da carreira com um título bonito no cartão ou coisa que o valha, é o presidente, o CEO, quem realmente vai precisar dos resultados que afinal terá que apresentar – não é a mocinha, nem um diretor. É trabalho para a cúpula, quem dirige e quem tem a maior responsabilidade. É um erro fenomenal abster-se de conhecer os grandes profissionais de comunicação, os RPs, os assessores de imprensa. Afirmo que é uma das principais tarefas de um comandante hoje, cuidar de ter ao seu lado comunicadores de confiança, parceiros, que tenham condições de lhe falar de igual para igual, e que, não sendo empregados tenham condições de lhe falar com mais franqueza e menos receio de qualquer problema que se dê, de contrastá-lo e corrigi-lo, sem que isso possa parecer falta de respeito ou quebra de hierarquias. Esta é uma tarefa com que tenho me havido ao longo do tempo: falar sem medo com o CEO. Com os acionistas. Poucas pessoas, poucos profissionais alcançam este status.
Lembro-me de uma reunião com todas as lideranças da empresa onde foi apresentado um projeto que recebeu a aprovação geral – mas que aos meus olhos parecia um erro crasso, evidente, prejuízo na certa. Mas como todos bateram palmas, eu, que sou apenas um assessor, nada falei e acabando a reunião sai rapidinho de fininho. Apenas para ser pego na entrada do elevador pela ‘dona Sylvia’, secretária de confiança da cúpula. Me instruía para ir imediatamente para a salinha... em oposição ao salão de reuniões. A contragosto, fui. Lá estavam o CEO, CFO, os três acionistas e eu. “Pepe, você não falou nada. Porque ?”. Bem, respondi, todos aprovaram, falar o que ? “O que você achou, ótimo não ?” Não. A empresa está trabalhando para atender às suas demandas e não as do mercado. Neste projeto, tão aclamado, a empresa se dedica a resolver seus problemas e não os dos seus clientes. Não vai dar certo e vai dar o maior problema na comunicação. “Mas porque você não falou na reunião, na frente de todos ?”. Eu não, de nada adiantaria. Ademais vocês já aprovaram, agora não há nada mais a fazer. Mas okay, já estou pensando em como tangenciar este problema, ao menos na comunicação. Já estou construindo um plano ‘b’... Esta é, em resumo, a função mais profícua de um comunicador experiente, ver para além dos muros da empresa, atuar para proteger e negócio mesmo em oposição aos seus líderes, que se o forem de fato, certamente, como tem acontecido ao longo de todos estes anos, têm e confiam em seu assessores e os mantém próximos, sabem o poder da comunicação, o respeitam e porque não, se divertem com o prazer que é compreender esta sofisticada expertise que dominamos.