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Direito Administrativo Democrático

O direito administrativo antidemocrático serviu de arcabouço para os excessos do período de exceção vivido por nosso país sob a ditadura militar.

12/9/2002

 

Direito Administrativo democrático

Eliezer Pereira Martins*

"Quem não aplica remédios novos deve esperar novos sofrimentos, pois o tempo é o grande inovador" (

Francis Bacon)

Todos os ramos do direito sofrem — com maior ou menor intensidade — influência do princípio político vigente num determinado contexto histórico. Deste modo, pode-se afirmar que uma determinada disciplina jurídica pode expressar mais ou menos, as vicissitudes políticas do Estado onde está inserida numa determinada época.

Ora, sabemos que uma disciplina jurídica pode não só ser influenciada pelos fatores políticos materiais num determinado momento, como por vezes, pode ela própria ser o arcabouço de orientação política, instrumento de imposição da vontade dos detentores do poder.

Dentre as disciplinas da ciência jurídica mais susceptíveis a esse fenômeno, encontra-se o direito administrativo.

O direito administrativo brasileiro hodierno expressa exatamente o fenômeno que pretendemos demonstrar. Há atualmente dois "direitos administrativos" em franco embate. Um que denominaremos direito administrativo antidemocrático (ou direito administrativo do injusto ou da vilania) e o outro que nomearemos direito administrativo democrático (ou direito administrativo do justo).

Assim, o direito administrativo vigente em nosso país pode ser cindido em duas grandes vertentes: uma (antidemocrática), que prestigia normas e posicionamentos administrativos urdidos sob a inspiração das baionetas; e a outra (democrática), que se expressa em normas administrativas e posicionamentos afinados com os postulados do Estado de direito.

O direito administrativo antidemocrático serviu de arcabouço para os excessos do período de exceção vivido por nosso país sob a ditadura militar, que se findou com a abertura política. Este direito influenciou e foi influenciado pela ordem autoritária, legitimando os horrores do sistema político então vigente.

O direito administrativo democrático, em oposição ao direito administrativo da ditadura, alcançou seu ápice de expressão positivada com a Constituição de 1988, e neste passo expressa a nova ordem política regente da concepção de regime jurídico administrativo.

Verifica-se, no direito administrativo antidemocrático, incongruência entre as noções científicas e terminológicas e seus respectivos conteúdos. Assim, o direito administrativo antidemocrático esconde, sob a noção de interesse público, o interesse corporativo das classes dirigentes do Estado; na noção das prerrogativas do Poder Público, as prerrogativas dos usurpadores do poder; na desigualdade jurídica entre Administração e administrado, instrumento de submissão do mais fraco ao mais forte; e assim, num processo de dissimulação conceitual, a pretexto de acudir aos interesses mais elevados da sociedade política, em verdade, apenas dá suporte aos títeres do momento encastelados nas sinecuras públicas.

Por mais que pretenda dissimular-se, o direito administrativo antidemocrático é ineficiente nesta tarefa, e deixa entrever sua verdadeira face através do descortinamento de seus instrumentos mais comuns, quais sejam: obrigatoriedade de esgotamento dos recursos administrativos para a obtenção de tutela judicial, verdade sabida, repúdio à processualidade administrativa, prestígio desmesurado à discricionariedade, intangibilidade do mérito administrativo pelo Poder Judiciário, adoção da prisão administrativa; vedação do habeas corpus em matéria disciplinar, inadmissibilidade da exceptio non adimpleti contractus em face da Administração, aplicação da desigualdade jurídica entre administração e administrado no processo administrativo disciplinar, etc.

Como visto, o ferramental de que se utiliza o direito administrativo antidemocrático é vasto e teratogênico.

Ora, a mudança do paradigma antidemocrático para o modelo democrático não se processou de pronto com a edição da nova ordem constitucional democrática. Em verdade, a adoção do novo modelo plasma-se por etapas, em luta das mais renhidas.

O direito administrativo democrático, por sua vez, deriva diretamente do princípio democrático expresso no caput do art. 1º da Constituição Federal, reafirmado pelo parágrafo único do mesmo dispositivo ao afirmar "que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição."

Neste passo, convém destacar que o princípio democrático, como assentado na melhor doutrina, é pluridimensional, apresentando-se num primeiro momento como processo de democratização e ao depois como expressão ampla da cidadania política (órgãos representativos, eleições periódicas, pluralismo partidário, separação de poderes, etc).

É na faceta processo de democratização que o princípio democrático insere-se como vetor do direito administrativo democrático atual, impondo uma revisão completa dos princípios, normas e institutos do direito administrativo.

Neste passo, já é possível isolar e apontar, em contraposição às "patogenias" do direito administrativo do injusto, as "vacinas" do direito administrativo do justo, quais sejam: a ampla processualidade administrativa; o dever de revisão dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, mesmo na órbita o infames atos discricionários; aplicação da igualdade jurídica entre administração e administrados no processo administrativo disciplinar como corolário da ampla defesa e do contraditório; exigência do advogado nas lides administrativas como garantia da efetividade da defesa técnica, admissibilidade judicial de remédios jurídicos contra prisões administrativas ilegais e abusivas; e enfim todas as medidas tendentes a proteger o indivíduo em face dos poderes do Estado.

Assim, é missão da presente geração de administradores públicos e de juristas, através do especial enfoque democrático, dar efetividade ao novel direito administrativo, que é obra dos que têm fé no aperfeiçoamento da humanidade e na abolição de todo o tipo de opressão e injustiça. Afinal, nem tudo que se toma por "elevado interesse público" é realmente "supino" ou "interesse do povo"...

* escritório Pereira Martins Advogados Associados

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