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O princípio do julgamento apócrifo e a definitividade do julgamento da subcomissão técnica nas licitações públicas do serviço de publicidade

A subcomissão técnica foi pensada para trazer isonomia e imparcialidade ao certame por meio do julgamento das propostas técnicas de modo que não fosse possível a identificação do seu autor.

30/6/2022

A lei 12.232/10, editada como resposta ao chamado “Mensalão”, tem por objeto regular as licitações públicas e os contratos administrativos relacionados ao serviço de publicidade governamental, seja ela institucional ou de utilidade pública.

Dentre as inovações trazidas à época pelo referido diploma normativo, tem-se a criação de comissão especializada para atuar como auxiliar da comissão processante do certame, comissão esta conhecida como subcomissão técnica e que tem por objetivo julgar as propostas técnicas apresentadas pelas agências de publicidade licitantes nos planos de comunicação publicitária apresentados.

A subcomissão técnica foi pensada para trazer isonomia e imparcialidade ao certame por meio do julgamento das propostas técnicas de modo que não fosse possível a identificação do seu autor.

Com efeito, nos termos do art. 6º, IV, combinado com o art. 10, §1º, ambos da lei 12.232/101, os quesitos raciocínio básico, estratégia de comunicação publicitária, ideia criativa e estratégia de mídia e não mídia – conforme incisos I a IV do art. 7º da lei 12.232/10 - deveriam ser apreciados pela subcomissão técnica “às cegas”.

Isto é, quando do julgamento das propostas técnicas, os membros da subcomissão técnica não podem ter conhecimento da sua autoria, sob pena de acarretar a desclassificação da agência identificada ou até mesmo, a depender das circunstâncias, a anulação do certame.

O fato é que o objetivo do legislador foi de permitir maior lisura ao certame, preservar a isonomia e assegurar a imparcialidade do julgamento, evitando-se, assim, o benefício de determinadas agências em detrimento das demais.

Dada a sacralidade do procedimento, pode-se dizer, assim, que vigora nas licitações públicas de publicidade e propaganda o princípio do julgamento apócrifo.

Tal sistemática foi considerada tão relevante para o legislador que, no art. 12, a lei 12.232/10 traz sanções não somente para o certame, com a sua anulação, como também para as agentes públicos – apuração de eventual responsabilidade administrativa, civil e criminal – na hipótese de descumprimento da regra de julgamento do plano de comunicação publicitária sem o conhecimento da sua autoria pelos membros da subcomissão técnica, in verbis

Art. 12.  O descumprimento, por parte de agente do órgão ou entidade responsável pela licitação, dos dispositivos desta Lei destinados a garantir o julgamento do plano de comunicação publicitária sem o conhecimento de sua autoria, até a abertura dos invólucros de que trata a alínea a do inciso VII do § 4o do art. 11 desta Lei, implicará a anulação do certame, sem prejuízo da apuração de eventual responsabilidade administrativa, civil ou criminal dos envolvidos na irregularidade. 

A força cogente de tal princípio no âmbito do processo licitatório traz implicações para todo o processo licitatório voltado à contratação do serviço de publicidade, seja em relação à necessidade de ausência de contato entre a subcomissão técnica e os licitantes, seja em relação à impossibilidade de participação dos seus membros na sessão de recebimento dos invólucros, seja em relação à consequência de eventual identificação das propostas dos licitantes, dentre outras, diversas são as consequências jurídicas da aplicação do princípio do julgamento apócrifo.  

E o objetivo do presente artigo é justamente tratar de uma das consequências da aplicação do princípio do julgamento apócrifo, mais especificamente a sua aplicabilidade ao longo da fase recursal do procedimento licitatório.

É que, como é cediço, em prestígio aos princípios do contraditório e da ampla defesa, ao longo dos processos licitatórios, é sempre franqueado aos licitantes a interposição de recursos administrativos em cada uma das fases do certame ou ao final, conforme dispõem alguns regulamentos de licitações e contratos de determinadas empresas públicas e sociedades de economia mista.

Todavia, nos parece que, em observância ao princípio do julgamento apócrifo, o âmbito de cognição dos recursos administrativos interpostos em face dos julgamentos das propostas técnicas apresentadas pelas agências de publicidade e propaganda é bastante restrito.

É que, considerando que o escopo do legislador, ao positivar de forma sistemática o princípio do julgamento apócrifo, é de assegurar que o julgamento feito pela subcomissão técnica seja feito sem que os seus membros identifiquem as agências autoras das propostas técnicas, após a revelação da sua autoria, nos termos do art. 11, VII, “a” a “d”, da lei 12.232/10, não mais será possível haver rejulgamento.

Em outras palavras, após julgamento feito pela subcomissão técnica, o passo seguinte da marcha processual é a convocação das licitantes para que, em sessão pública, seja feita a identificação das propostas técnicas e, em ato contínuo, haja a sua classificação de acordo com a pontuação que fora individualmente atribuída.

Com a identificação da autoria das propostas técnicas das empresas, exaurem-se, ao menos em princípio, as atividades da subcomissão técnica.

Divulgado o resultado das pontuações atribuídas às propostas técnicas e elaborada a lista de classificação, as licitantes inconformadas terão a oportunidade de interpor recurso administrativo com o objetivo de I) corrigir a pontuação que inicialmente lhe fora atribuída, II) buscar eventual desclassificação das suas concorrentes e/ou III) buscar a correção da pontuação que originalmente fora atribuída às suas concorrentes.

Interposto o recurso administrativo que, de algum modo, traga censura ao julgamento técnico, após o seu recebimento pela comissão processante, ele deve ser encaminhado para a subcomissão técnica para que seja feito o exame e julgamento.

É nesse momento que se chama a atenção para a força cogente do princípio do julgamento apócrifo. Aprofundemos um pouco mais sobre o tema.

Como visto, o arcabouço normativo brasileiro que trata do papel da subcomissão técnica no julgamento das propostas técnicas nas licitações que têm por objetivo a contratação do serviço de publicidade impõe que a atribuição das notas às agências seja feita sem que os seus membros identifiquem a sua autoria.

O objetivo do legislador é assegurar a isonomia e a imparcialidade no julgamento, evitando-se favorecimentos indevidos e odiosos em detrimento da seleção da proposta mais vantajosa para a administração pública.

O julgamento às cegas (sem que se saiba a autoria das propostas técnicas) é regra cogente que extrapola o lapso temporal do julgamento inicial da proposta. Isto é, mesmo após o encerramento do julgamento e a divulgação do resultado da avaliação das propostas técnicas, a obrigatoriedade se mantém.

Essa regra cogente traz em si um outro desdobramento: a definitividade do julgamento da subcomissão técnica.

É que, uma vez proferido o julgamento em relação às propostas técnicas apresentadas pelas agências licitantes, a avaliação feita sem a identificação dos seus autores é definitiva e imutável, não podendo ser revista, salvo em situações excepcionalíssimas e quando se estiver diante de irregularidades aferíveis de forma objetiva.

E a razão para isso é muito simples: se o legislador, focado em impregnar o certame licitatório de isonomia e imparcialidade, criou a regra segundo a qual o julgamento feito pela subcomissão técnica deve ocorrer sem que os seus membros saibam quem são os autores das propostas técnicas, não é possível, posteriormente - na fase de julgamento dos recursos, inclusive - que as notas originalmente atribuídas às agências sejam alteradas, seja para majorá-las, seja para reduzi-las.

O rejulgamento das propostas técnicas a partir das pretensões das agências veiculadas por meio de recursos administrativos ensejaria a análise das referidas propostas sem que houvesse o anonimato tão buscado pelo legislador, o que poderia acarretar, inclusive, favorecimentos indevidos e odiosos ao arrepio da lei.

Ora, não era este o espírito da lei quando da sua criação. Não foi essa a intenção do legislador ao trazer para o mundo jurídico o regramento tão peculiar que é o do processo de julgamento do plano de comunicação publicitária por uma subcomissão, auxiliar da comissão processante, tecnicamente especializada.

O que se defende, assim, é que, aplicando-se o princípio do julgamento apócrifo à fase recursal, não é juridicamente possível que haja um novo julgamento das propostas técnicas pela subcomissão técnica, haja vista que estar-se-ia violando regras expressas da legislação e, em última instância, caminhando-se em direção oposta ao ideal posto na regra jurídica pelo legislador.

Assim, uma vez proferido o julgamento pela subcomissão técnica em relação ao plano de comunicação publicitária, mesmo que provocada por meio de recurso administrativo, tal posicionamento não poderá mais ser revisto, haja vista que, repita-se à exaustão, não mais ocorreria o novo julgamento sem o anonimato das propostas.

Todavia, a nosso sentir, tal regramento comporta exceções. Pode ser pensado, por exemplo, situações em que os vícios apontados no plano de comunicação publicitária são de ordem objetiva (verbi gratia, produção e distribuição de peças publicitárias que não constaram da planilha de custos). Nesses casos, considerando que a revisão do julgamento inicial não seria pautada circunstâncias subjetivas, aí sim poderia haver alteração na pontuação inicialmente atribuída ou até mesmo na classificação da agência licitante que cometeu a irregularidade apontada.

Em conclusão, sob a nossa ótica, no processo licitatório de publicidade, considerando a força cogente do princípio do julgamento apócrifo, mesmo após a provocação por meio de recurso administrativo, a pontuação inicialmente atribuída às agências licitantes não poderá ser revista, salvo, em hipóteses excepcionais, quando se estiver diante de circunstâncias manifestamente objetivas. 

_____

1 Este é o teor dos dispositivos em comento:

Art. 6o  A elaboração do instrumento convocatório das licitações previstas nesta Lei obedecerá às exigências do art. 40 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, com exceção das previstas nos incisos I e II do seu § 2o, e às seguintes:

[...]

IV - o plano de comunicação publicitária previsto no inciso III deste artigo será apresentado em 2 (duas) vias, uma sem a identificação de sua autoria e outra com a identificação;

Art. 10. [...]

§1o As propostas técnicas serão analisadas e julgadas por subcomissão técnica, constituída por, pelo menos, 3 (três) membros que sejam formados em comunicação, publicidade ou marketing ou que atuem em uma dessas áreas, sendo que, pelo menos, 1/3 (um terço) deles não poderão manter nenhum vínculo funcional ou contratual, direto ou indireto, com o órgão ou a entidade responsável pela licitação.

Edvaldo Barreto Jr.
Advogado. Sócio fundador do escritório Barreto Dolabella Advogados. Diretor da Área de Direito Publicitário e Contratações Públicas. Procurador do Distrito Federal. Mestre em direito. MBA em Marketing pela ESPM (em curso). Autor de livro e artigos jurídicos.

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