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Os indevidos requisitos para dedutibilidade do PAT à luz da MP 1.108/22

Mesmo que eventualmente se entenda como válida a redução do benefício do PAT, tais restrições poderão começar a produzir efeitos somente a partir do exercício de 2023.

24/6/2022

Após diversas derrotas sofridas no Superior Tribunal de Justiça ao longo de décadas, como a ilegal limitação do valor da refeição individual1 e a indevida exigência de dedução do valor do imposto - e não do lucro tributável2, uma nova novela envolvendo o benefício de dedução das despesas com o PAT da base do IRPJ foi inaugurada pelo Governo Federal, com a edição do decreto 10.854/21 e da MP 1.108/22. 

Antes de se adentrar às novas controvérsias, fazendo uma análise histórica das alterações legislativas envolvendo a matéria, a redação original do art. 1º da lei 6.321/76 previa a possibilidade de as pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real deduzirem do lucro tributável “o dobro das despesas comprovadamente realizadas no período base, em programas de alimentação do trabalhador, previamente aprovados pelo Ministério do Trabalho na forma em que dispuser o Regulamento desta Lei. 

Por sua vez, os artigos 5º e 6º, inciso I, da lei 9.532/97 estabeleceram que a referida dedução não poderia exceder a 4% do imposto de renda devido. 

Contudo, o decreto 10.854/21 limitou a dedução prevista nas leis 6.321/76 e 9.532/97 ao dispor que: (1) sua aplicação se restringe somente aos trabalhadores que recebam remuneração de até 5 salários-mínimos; e (2) sua limitação a, no máximo, um salário-mínimo por funcionário (art. 186 do decreto). 

Tais restrições, por serem oriundas de decreto, nasceram com vícios de ilegalidade e inconstitucionalidade. Ilegais porque resultam em uma majoração indireta da carga tributária das empresas, o que, nos termos do art. 97, II, do CTN, só poderia ocorrer mediante Lei; e inconstitucionais porque afrontam diretamente o princípio da legalidade (art. 150, I, da CF/88) e da anterioridade do exercício (art. 150, III, “b”, da CF/88). 

Ocorre que, a partir da edição da MP 1.108/22 – publicada em 25/3/22 -, pairou a dúvida aos contribuintes a respeito da eventual supressão dos vícios de ilegalidade e inconstitucionalidade contidos no decreto 10.854/21. Isso porque, a referida Medida Provisória alterou a redação do art. 1º da lei 6.321/76, passando a estabelecer que as deduções do PAT poderiam ser limitadas por meio de eventuais decretos regulamentadores da lei.

Em que pese um dos objetivos da referida Medida Provisória seja uma tentativa de validar as limitações previstas no decreto 10.854/21, entendemos que os vícios de ilegalidade e inconstitucionalidade persistem, quando menos durante o exercício de 2022. Explica-se. 

O art. 150, § 6º, da CF/88, determina que a concessão de benefícios e incentivos fiscais – como o benefício do PAT – somente poderá ser feita mediante lei específica e, via de consequência, a respectiva redução ou extinção dar-se-á obrigatoriamente somente por meio de lei (art. 2º, § 1º, da LINDB), impedindo sua mitigação por meio de decreto. 

E mesmo que equivocadamente entenda-se que a referida Medida Provisória autorizou a mitigação do benefício do PAT feita pelo decreto 10.854/21, tal autorização contraria a jurisprudência uníssona do STF que “não admite o fenômeno da constitucionalidade superveniente. Por essa razão, o referido ato normativo, que nasceu inconstitucional, deve ser considerado nulo perante a norma constitucional que vigorava à época de sua edição.”3

Ou seja, como à época da edição do decreto 10.854/21 inexistia norma legal autorizando a limitação à dedutibilidade das despesas do PAT por meio de ato infralegal, a posterior edição da MP 1.108/22 não tem o condão de convalidar as mencionadas restrições feitas pelo decreto, prevalecendo a necessidade da edição de novo ato infralegal. 

De outro modo, caso o Poder Executivo venha a editar novo decreto sob a égide da MP 1.108/22 – que, supostamente, autorize a redução do benefício – também estará eivado de inconstitucionalidade, por contrariar a indelegabilidade da competência tributária, visto que é vedada a delegação da aptidão para instituição e majoração de tributos, como reconhecido pelo STF no julgamento da ADIn 12964. 

De toda forma, mesmo que eventualmente se entenda como válida a redução do benefício do PAT, o que de fato não esperamos, como há majoração indireta da carga tributária, tais restrições poderão começar a produzir efeitos somente a partir do exercício de 2023, visto que a norma que acarretar o aumento do IRPJ deverá observar o princípio da anterioridade anual (art. 150, III, “b”, e 62, § 2º, da CF/88). 

Em caso semelhante, o Tribunal Pleno do STF consolidou o entendimento de que “nas hipóteses de redução ou de supressão de benefícios ou de incentivos fiscais que acarretem majoração indireta de tributos, a observância das espécies de anterioridade deve também respeitar tais preceitos5

Como é possível notar, a principal alteração da MP 1.108/22 esbarrará nas limitações impostas pelos princípios constitucionais tributários, assim como na jurisprudência consolidada do STF, motivo pelo qual persiste a ilegalidade e inconstitucionalidade das restrições previstas no decreto 10.854/21 acerca da dedutibilidade das despesas com o PAT da base de cálculo do IRPJ, além da flagrante violação à anterioridade pela cobrança durante o exercício de 2022.

Por fim, destacamos que o Congresso Nacional ainda está analisando eventual conversão em lei da Medida Provisória 1.108/22. Caso a conversão ocorra, iniciará uma nova discussão sobre a sua constitucionalidade, cabendo ao Poder Judiciário novamente decidir o desfecho dessa reiterada novela.

_____________

1 REsp n. 157.990/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, 1ª Turma, J. 18/03/04, P. 17/05/04

2 EDcl no AgInt no REsp n. 1.971.496/RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª Turma, J. 23/05/22, P. 26/05/22

3 ARE 683849 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, 1ª Turma, J. 09/09/16; P. 29/06/16. No mesmo sentido: ADI 4596, Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, J. 06/06/18, P. 23/07/20.

ADIn 1296 MC, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, J. 14/06/95, P. 10/08/95; RE 648245, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, J. 01/08/13, P. 24/02/14.

5 RE 564225 AgR-EDv-AgR-ED, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Rel. p. Acórdão Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, J. 13/10/20, P. 16/12/20.

Augusto Chimborski
Advogado no escritório Gaia Silva Gaede Advogados. Pós-Graduando em Direito Tributário pelo IBET- Instituto Brasileiro de Estudos Tributários. Bacharel em Direito pela Universidade Positivo.

Vitor Henrique Malikoski
Advogado no escritório Gaia Silva Gaede Advogados. Pós-graduando em Direito Tributário pelo IBET. Bacharel em Direito pela FAE Centro Universitário. Membro do grupo de arbitragem da FAE.

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