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A nomeação de perito na decisão de saneamento e organização do processo e o prazo do art. 465, § 1º, do CPC

Após a oposição de embargos de declaração ou pedido de esclarecimentos e ajustes contra decisão de saneamento e organização do processo que nomeia perito, qual é o momento adequado para apresentar quesitos e indicar assistente técnico?

24/6/2022

1) A nomeação de perito na decisão de saneamento e organização do processo

Um dos momentos mais importantes de qualquer demanda é o da prolação da decisão de saneamento e organização do processo. Afinal, é nessa decisão que, superadas eventuais questões processuais pendentes, serão definidas as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, nos termos do art. 357, I e II, do CPC.

Também é na decisão de saneamento e organização do processo que serão definidas a distribuição do ônus da prova e as questões de direito relevantes para a resolução do mérito, bem como se designará, se necessário, audiência de instrução e julgamento, conforme disposto pelo art. 357, III, IV e V do CPC.

Contudo, é relativamente comum que, na própria decisão de saneamento e organização do processo, haja deferimento de prova pericial e nomeação de perito. Nesses casos, a intimação das partes sobre essa decisão será o termo inicial do prazo comum de quinze dias para apresentação de quesitos e indicação de assistente técnico, como prevê o art. 465, § 1º, do CPC.

A questão que se coloca é: se houver oposição de embargos de declaração ou pedido de esclarecimentos e ajustes contra a decisão de saneamento e organização do processo, qual será o momento adequado para apresentação de quesitos e indicação de assistente técnico? 

2) O cabimento dos embargos de declaração contra a decisão de saneamento e organização do processo

Há entendimento de que não caberiam embargos de declaração contra a decisão de saneamento e organização do processo, em virtude do disposto pelo art. 357, § 1º, do CPC. É o que se depreende, por exemplo, do Enunciado 27 sobre o Código de Processo Civil de 2015 do TJMG, que dispõe: “Cabe pedido de esclarecimentos e solicitação de ajustes em relação à decisão saneadora prevista no caput do artigo 357, sendo inadmissíveis os embargos de declaração”.

Com o devido respeito, não parece ser o caso. Nos termos do art. 1.022 do CPC, os embargos de declaração são cabíveis contra qualquer decisão judicial. No mesmo sentido, a jurisprudência do STJ é de que “os Embargos de Declaração são cabíveis contra quaisquer decisões judiciais, ainda que interlocutórias (...)”.1

O cabimento do pedido de esclarecimentos e ajustes não afasta o cabimento dos embargos de declaração. Salvo raríssimas exceções (em geral criadas pela jurisprudência), os embargos de declaração são cabíveis contra todas as decisões judiciais, inclusive as de saneamento e organização do processo.

E mesmo que assim não fosse, nada impediria que o magistrado recebesse os embargos de declaração como pedido de esclarecimentos e ajustes, em atenção ao modelo cooperativo de processo previsto pelo art. 6º do CPC – que é a razão de ser do art. 357, § 1º, do CPC.2

Afinal, nem sempre uma decisão que mereça esclarecimentos ou ajustes irá se enquadrar em uma das hipóteses do art. 1.022 do CPC, mas é difícil imaginar uma decisão que, apesar de incorrer em uma das hipóteses do art. 1.022 do CPC, não possa ser objeto de pedido de esclarecimentos e ajustes – especialmente considerando a amplitude (proposital) dos termos “esclarecimentos” e “ajustes”. 

3) Os embargos de declaração não interrompem o prazo para apresentação de quesitos e indicação de assistente técnico

Nos termos do art. 1.026 do CPC, os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição de recursos contra a decisão embargada. No entanto, a manifestação de apresentação de quesitos e indicação de assistente técnico não possui natureza recursal.

Somado a isso, desde o CPC de 1973, o STJ possui jurisprudência no sentido de que oposição de embargos de declaração não interrompe o prazo para a prática de atos processuais distintos dos recursos:

(...) 4. A contestação possui natureza jurídica de defesa. O recurso, por sua vez, é uma continuação do exercício do direito de ação, representando remédio voluntário idôneo a ensejar a reanálise de decisões judiciais proferidas dentro de um mesmo processo. Denota-se, portanto, que a contestação e o recurso possuem naturezas jurídicas distintas. 5. Os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição de outros recursos, por qualquer das partes, nos termos do art. 538 do CPC/73. 6. Tendo em vista a natureza jurídica diversa da contestação e do recurso, não se aplica a interrupção do prazo para oferecimento da contestação, estando configurada a revelia.3

Evidentemente, o pedido de esclarecimentos e ajustes também não é capaz de interromper o prazo para apresentação de quesitos e indicação de assistente técnico.

Há entendimento de que o pedido de esclarecimentos e ajustes interromperia prazos recursais4, mas se os próprios embargos de declaração não têm o condão de interromper o prazo para apresentação de quesitos e indicação de assistente técnico, não há razão para sustentar que o pedido de esclarecimentos e ajustes teria.

Ainda mais considerando que o suposto efeito interruptivo do pedido de esclarecimentos e ajustes não decorre de precedente vinculante ou de expressa previsão legal, como se dá no caso nos embargos de declaração (art. 1.026 do CPC). 

4) A ineficiência processual decorrente da apresentação de quesitos e indicação de assistente técnico antes do julgamento dos embargos de declaração (ou da apreciação do pedido de esclarecimentos e ajustes)

Considerando que nem os embargos de declaração nem o pedido de esclarecimentos e ajustes interrompem o prazo para apresentação de quesitos e indicação de assistente técnico, quando há nomeação de perito na decisão de saneamento e organização do processo, é possível que as partes tenham que apresentar quesitos e indicar assistentes técnicos antes do julgamento dos embargos de declaração (ou da apreciação do pedido de esclarecimentos e ajustes).

Nesses casos, o que se tem é uma situação de completa ineficiência processual.

Afinal, depois de as partes apresentarem quesitos, pode ser que as questões de fato objeto da perícia sequer se mantenham as mesmas. É possível que, após a apreciação dos embargos de declaração (ou mesmo do pedido de esclarecimentos e ajustes), a decisão de saneamento e organização do processo seja completamente alterada. Não só as questões de fato podem mudar, como o ônus da prova pode ser invertido e até mesmo pode ser que o processo seja extinto, sem resolução de mérito.

Seja como for, não há justificativa para que as partes sejam obrigadas a apresentar quesitos e indicar assistentes técnicos antes da decisão sobre os embargos de declaração ou sobre o pedido de esclarecimentos e ajustes. Mesmo que se possibilite que as partes adequem ou ratifiquem seus quesitos após a prolação dessa nova decisão, o que se tem é, mais uma vez, ineficiência processual: sem motivo, as partes serão obrigadas a se manifestar duas vezes ao invés de uma.

 5) Uma solução possível

Diante dessa problemática, uma solução possível5 é que, após a oposição dos embargos de declaração ou a apresentação do pedido de esclarecimentos e ajustes, o magistrado profira despacho informando que receberá os quesitos e a indicação de assistentes técnicos até o início da perícia.

Afinal, o prazo disposto pelo art. 465, § 1º, do CPC é impróprio, ou seja, não preclui em quinze dias. É o que se extrai da jurisprudência de longa data do STJ6 e do TJ/SP.7

O despacho é necessário porque, mesmo havendo jurisprudência pacífica sobre o tema, a parte dificilmente arriscará simplesmente não se manifestar dentro dos quinze dias. Como não há precedente vinculante a esse respeito, se o juiz de 1º grau entender que o prazo do art. 465, § 1º, do CPC é preclusivo, restará à parte interpor de agravo de instrumento (que mesmo diante do Tema 988 do STJ, poderá não ser conhecido) e esperar que aquele determinado Tribunal, ou aquela Câmara específica, compartilhem do entendimento do STJ.

Em suma, o que se teria é mais ineficiência processual. Desta vez, com tons de insegurança jurídica.

Por isso a importância de o juiz de 1º grau assegurar às partes que irá receber a apresentação de quesitos e a indicação de assistentes técnicos até o início da perícia. Desse modo, as partes só precisarão se manifestar após o julgamento dos embargos de declaração ou do pedido de esclarecimentos e ajustes, quando o processo estará devidamente saneado e organizado – e sem o receio de uma eventual (e equivocada, com o devido respeito) decisão de que o direito de apresentação de quesitos e indicação de assistentes técnicos teria precluído.

Trata-se de medida que almeja a economia e a eficiência processual, ao mesmo tempo em que visa privilegiar o modelo cooperativo de processo, em que juiz e partes colaboram para um melhor desenvolvimento processual sem, no entanto, perder de vista o objetivo central do processo: a prestação da tutela jurisdicional e a concretização do direito material.

______________

1 STJ, REsp 1.661.931/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, j. em 18.05.2017.

2 Ao tratar do art. 357, § 1º, do CPC, Cassio Scarpinella Bueno ensina: “O que se verifica nesse caso é mais uma clara manifestação do modelo de processo cooperativo ambicionado pelo art. 6º, permitindo às partes (e aos eventuais terceiros) que participem ativamente da construção daquela decisão indene de qualquer dúvida ou questionamento sobre sua função e alcance para viabilizar o ingresso e o desenvolvimento da fase instrutória (e oportunamente da decisória) sem necessidade de quaisquer retrocessos. A lembrança do art. 5º e da boa-fé por ele irradiada conduz a esse entendimento, permitindo que os sujeitos do processo tenham prévia ciência e estejam concordes com os papéis a serem desempenhados e com os objetivos a serem perseguidos no processo a partir daquele instante procedimental” (BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 196-197).

3 STJ, REsp 1.542.510/MS, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 27.09.2016.

4 “Processual. Tempestividade. Interposição de agravo de instrumento contra decisão saneadora após a rejeição de pedido de esclarecimentos formulado pela ré nos termos do art. 357§ 1º, do CPC. Manifestação que possui função análoga aos embargos de declaração, mostrando-se adequada a atribuição a ela de efeito interruptivo quanto ao prazo para a interposição de recursos. Extemporaneidade não reconhecida” (TJSP, AI 2162475-39.2018.8.26.0000, 29ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Fabio Tabosa, j. em 31.01.2019).

5 Denomina-se essa solução de possível porque ela não é a ideal. A solução ideal parece ser que a decisão de saneamento e organização do processo não surtisse efeitos até o julgamento dos embargos de declaração ou do pedido de esclarecimentos e ajustes. Mesmo porque, a solução possível ora apresentada não se presta, por exemplo, para o caso em que, na decisão de saneamento e organização do processo, seja fixado o prazo de cinco dias para que as partes apresentem rol de testemunhas. Afinal, esse prazo coincidirá com os de oposição de embargos de declaração ou apresentação de pedido de esclarecimentos e ajustes, e dificilmente haverá tempo hábil para que o juiz profira o despacho garantindo que receberá o rol de testemunhas em momento posterior.

6 STJ, AgInt no AREsp 1.858.132/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, 4ª Turma, j. em 02.05.2022; STJ, AgInt no REsp 1.555.958/AL, 4ª Turma, Rel. Min. Marco Buzzi, j. em 09.03.2020; STJ, AgInt no AREsp 885.444/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. em 02.08.2016; STJ, AgRg no AREsp 775.928/RJ, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 01.03.2016; STJ, AgRg no AREsp 554.685/RJ, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 16.10.2014.

7 TJ/SP, Agravo de Instrumento 2187014-35.2019.8.26.0000, 24ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Jonize Sacchi de Oliveira, j. em 28.02.2020; TJSP, Apelação Cível 2084441-16.2019.8.26.0000, 16ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Simões Vergueiro, j. em 10.09.2019; TJSP, Agravo de instrumento 2276210-50.2018.8.26.0000, 3ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Donegá Morandini, j. em 13.03.2019; TJSP, Agravo de Instrumento 2025403-78.2016.8.26.0000, 10ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Cesar Ciampolini, j. em 14.03.2017.

Matheus Guimarães Pitto
Advogado na Justen, Pereira, Oliveira & Talamini - Sociedade de Advogados.

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