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A competência do STF para as ações judiciais contra atos do CNJ e CNMP

Visando a correta análise da questão, é necessário inicialmente tratar da competência para apreciação de mandado de segurança contra atos administrativos ou jurisdicionais dos diversos órgãos que compõem o sistema de Justiça.

23/6/2022

O presente texto pretende enfrentar aspecto ligado à competência para ajuizamento de ação judicial contra ato do CNJ – Conselho Nacional de Justiça e CNMP – Conselho Nacional do Ministério Público, levando em conta o recente entendimento adotado pelo STF.

Visando a correta análise da questão, é necessário inicialmente tratar da competência para apreciação de mandado de segurança contra atos administrativos ou jurisdicionais dos diversos órgãos que compõem o sistema de Justiça.

A interpretação constitucional prevalecente é muito simples: a competência do STF está presente apenas nos casos de mandamus impetrados contra atos “do presidente da República, das mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da República e do próprio STF” (art. 102, I, d, da CF/88). Nos casos envolvendo autoridade coatora local (desembargador, Procurador Geral de Justiça Estadual e mesmo do DF e territórios, etc), a competência é do próprio tribunal local.

Outrossim, a emenda constitucional 45/04 atribuiu competência originária para o STF conhecer e julgar as ações contra atos oriundos do CNJ e CNMP (art. 102, I, r, da CF/88). A pergunta a ser enfrentada é a seguinte: quais seriam estas ações indicadas no texto constitucional que devem ser propostas diretamente no STF?

Lógico que, dentre estas ações, está incluído o mandado de segurança impetrado contra ato oriundo dos conselhos. Na PET 3674 QO/DF, o STF enfrentou e discutiu a competência para a apreciação de ação popular contra membro do CNJ, concluindo que não estava incluída na previsão constitucional em comento, senão vejamos:

“Competência originária do Supremo Tribunal para as ações contra o Conselho Nacional de Justiça e contra o Conselho Nacional do Ministério Público (CF, art. 102, I, r, com a redação da EC 45/04): inteligência: não inclusão da ação popular, ainda quando nela se vise à declaração de nulidade do ato de qualquer um dos conselhos nela referidos. 1. Tratando-se de ação popular, o Supremo Tribunal Federal – com as únicas ressalvas da incidência da alínea n do art. 102, I, da Constituição ou de a lide substantivar conflito entre a União e Estado-membro –, jamais admitiu a própria competência originária: ao contrário, a incompetência do Tribunal para processar e julgar a ação popular tem sido invariavelmente reafirmada, ainda quando se irrogue a responsabilidade pelo ato questionado a dignitário individual – a exemplo do Presidente da República – ou a membro ou membros de órgão colegiado de qualquer dos poderes do Estado cujos atos, na esfera cível – como sucede no mandado de segurança – ou na esfera penal – como ocorre na ação penal originária ou no habeas corpus – estejam sujeitos diretamente à sua jurisdição. 2. Essa não é a hipótese dos integrantes do Conselho Nacional de Justiça ou do Conselho Nacional do Ministério Público: o que a Constituição, com a EC 45/04, inseriu na competência originária do Supremo Tribunal foram as ações contra os respectivos colegiado, e não, aquelas em que se questione a responsabilidade pessoal de um ou mais dos conselheiros, como seria de dar-se na ação popular”. (J. em 04.10.2006, DJ de 19.12.2006 – Rel. Min. Sepúlveda Pertence).

Por outro lado, vale citar passagem do acórdão em AgRg na RCL 32543 AgR / DF – (rel. min. Celso de Mello – 2ª T – J. em 6/5/19 – DJe 16/5/19), onde a Corte apreciou a competência em caso de irresignação de ato ou deliberação oriunda do CNMP, concluindo que a mesma está presente apenas quando referir-se às ações constitucionais (Mandado de Segurança, Mandado de Injunção, Habeas Corpus e Habeas Data):

“A competência originária do Supremo Tribunal Federal, cuidando-se de impugnação a deliberações emanadas do Conselho Nacional do Ministério Público, tem sido reconhecida apenas na hipótese de impetração, contra referido órgão (CNMP), de mandado de segurança, de “habeas data”, de “habeas corpus” (quando for o caso) ou de mandado de injunção, pois, em tal situação, o CNMP qualificar-se-á como órgão coator impregnado de legitimação passiva “ad causam” para figurar na relação processual instaurada com a impetração originária, perante a Suprema Corte, daqueles “writs” constitucionais. Em referido contexto, o Conselho Nacional do Ministério Público, por ser órgão não personificado, define-se como simples “parte formal”, revestido de mera “personalidade judiciária”, achando-se investido, por efeito de tal condição, da capacidade de ser parte, circunstância essa que plenamente legitima a sua participação em mencionadas causas mandamentais. Doutrina. Precedentes. – Tratando-se, porém, de demanda diversa (uma ação ordinária, p. ex.), não se configura a competência originária da Suprema Corte, considerado o entendimento prevalecente na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, manifestado, inclusive, em julgamentos colegiados, eis que, nas hipóteses não compreendidas no art. 102, I, alíneas “d” e “q”, da Constituição, a legitimação passiva “ad causam” referir-se-á, exclusivamente, à União Federal, pelo fato de as deliberações do Conselho Nacional do Ministério Público serem juridicamente imputáveis à própria União Federal, que é o ente de direito público em cuja estrutura institucional acha-se integrado o CNMP”.

Portanto, nos casos em que a demanda pretendia discutir a responsabilidade pessoal de membro do conselho ou decisão do próprio órgão, em classe estranha às ações constitucionais acima citadas, o entendimento prevalecente era no sentido de que não se estava diante de competência originária do STF. Em suma: estas ações de conhecimento deveriam ser propostas no juízo Federal de 1ª instância.

Ainda no tema, é importante citar o acórdão da QO-AO 1.814 (rel. min. Marco Aurélio – J. em 24/9/14 – DJe de 3/12/14):

“COMPETÊNCIA – AÇÃO – RITO ORDINÁRIO – UNIÃO – MÓVEL – ATO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Cabe à Justiça Federal processar e julgar ação ajuizada contra a União presente ato do Conselho Nacional de Justiça. A alínea ‘r’ do inciso I do artigo 102 da Carta da República, interpretada de forma sistemática, revela a competência do Supremo apenas para os mandados de segurança”.

A jurisprudência então predominante da Corte caminhava no sentido de restringir o disposto no art. 102, r, do texto constitucional: STF apenas para as ações constitucionais, em que o conselho tinha personalidade judiciária para figurar no feito (AO 1894 AgR - rel. min. Roberto Barroso- J. em 7/8/18 - DJE de 17/8/18), como nos casos de Mandado de Segurança, Habeas Corpus, Habeas Data, Mandado de Injunção. As demais ações de conhecimento que eram propostas contra a União deveriam tramitar na Justiça Federal (art. 109, I, da CF/88). Ainda no tema, indico a leitura da AO 1706/AgR (rel. min. Celso de Mello – J. em 19/12/13 – DJE de 18/2/14).

Contudo, esse entendimento restritivo decorrente do texto constitucional (art. 102, I, r), já vinha ocasionando alguns debates na própria Corte, antes mesmo da fixação da tese oriunda do julgamento da ADIn 4412; PET 4779 e RCL 33459.

A questão de fundo, e que corroborou com a ampliação interpretativa, passa pela seguinte indagação: poderia magistrado de 1ª instância, que é vinculado aos entendimentos do CNJ, apreciar em ação de conhecimento as decisões ou atos oriundos do conselho?

Essa preocupação está clara na passagem da ementa da RCL 15.564-AgR, rel. min. Luiz Fux – 1ª turma – J. em 10/9/19 - DJe de 5/11/19, com citação de vários outros precedentes da Corte Suprema no mesmo sentido:

“8. A competência do STF prescrita no artigo 102, I, “r”, da Constituição espelha um mecanismo assecuratório das funções do CNJ e da imperatividade de suas decisões, concebido no afã de que provimentos jurisdicionais dispersos não paralisem a eficácia dos atos do Conselho. Por essa razão, a competência originária desta Suprema Corte prevista no artigo 102, I, “r” da Constituição não deve ser interpretada com foco apenas na natureza processual da demanda, mas, antes, no objeto do ato do CNJ impugnado. Precedentes: Pet 4.656 AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe de 4/12/2017; Rcl 16.575 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Segunda Turma, DJe de 21/8/2015; Rcl 24.563 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Segunda Turma, DJe de 21/2/2017; Rcl 14.733, decisão monocrática, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 6/4/2015 e Rcl 15.551, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe de 14/2/2014.

9. A dispersão das ações ordinárias contra atos do CNJ nos juízos federais de primeira instância tem o condão de subverter a posição que foi constitucionalmente outorgada ao Conselho, fragilizando sua autoridade institucional e a própria efetividade de sua missão. Decerto, a submissão de atos e deliberações do CNJ à jurisdição de membros e órgãos subordinados a sua atividade fiscalizatória espelha um indesejável conflito no sistema e uma dilapidação de seu status hierárquico no sistema constitucional”.

Da mesma sorte, na PET. 4656 (rel. min. Carmen Lúcia – J. em 19/12/16 - DJ.de 4.12.2017), o STF entendeu que:

“1. A restrição do permissivo constitucional da al. r do inc. I do art.102 da Constituição da República às ações de natureza mandamental resultaria em conferir à Justiça federal de primeira instância, na espécie vertente, a possibilidade de definir os poderes atribuídos ao Conselho Nacional de Justiça no cumprimento de sua missão, subvertendo, assim, a relação hierárquica constitucionalmente estabelecida. Reconhecimento da competência deste Supremo Tribunal para apreciar a presente ação ordinária: mitigação da interpretação restritiva da al. r do inc. I do art. 102 adotada na Questão de Ordem na Ação Originária n. 1.814 (Relator o Ministro Marco Aurélio, Plenário, DJe 3.12.2014) e no Agravo Regimental na Ação Cível Originária n. 1.680 (Relator o Ministro Teori Zavascki, DJe 1º.12.2014), ambos julgados na sessão plenária de 24.9.2014)”.

Como se percebe, a ampliação interpretativa visa salvaguardar a própria atuação dos conselhos, com o controle de seus atos pelo pretório excelso e não pela 1ª instância. Contudo, é razoável afirmar que o STF não é competente para qualquer ação que vise discutir a atuação dos conselhos, mas sim quando estabelecidos os seguintes requisitos: a) atos praticados em decorrência de ordem oriunda do CNJ e CNMP; b) atuação ligada aos objetivos precípuos que justificam a criação dos conselhos (exatamente visando garantir as respectivas atuações institucionais); c) necessidade de exaurimento de instância no CNJ e observância do que fora lá decidido.

A preocupação, quanto aos dois primeiros itens, está ligada à questão de hierarquia constitucional. Quanto ao último aspecto, resta claro que a competência no STF não pode atingir questão que não foi examinada no conselho, como, por exemplo, decisão oriunda de PCA – Procedimento de Controle Administrativo, no CNJ quando o autor alega, na demanda judicial,  matérias/fundamentos que não foram apreciados pelo conselho.

Da mesma sorte, como citado no início deste texto, o STF não é competente para apreciação de mandado de segurança ou outra classe de ação visando o controle de praticado pelos tribunais estaduais e regionais Federais.

Esta interpretação ampliativa ganhou, talvez, a última pá de cal com a fixação de tese, decorrente do julgamento conjunto das ADIn 4412 (rel. min. Gilmar Mendes, J. em 18/11/20, DJe de 15/3/21); RCL 33459- AgR (rel. min. Rosa Weber, Red p acórdão Min. Gilmar Mendes, J. em 18/11/20, DJe de 23/3/21) e Pet. 4770 (rel. min. Roberto Barroso, J. em 18/11/20, DJe de 15/3/21). Os acórdãos, inclusive, foram publicados no mês de março/21.

Esta foi a tese fixada pelo STF:

“Nos termos do artigo 102, inciso I, r, da Constituição Federal, é competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal processar e julgar, originariamente, todas as ações ajuizadas contra decisões do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público proferidas no exercício de suas competências constitucionais, respectivamente, previstas nos artigos 103-B, §4º, e 130-A, § 2º, da Constituição Federal”

Passagens do voto do min. Gilmar Mendes na ADIn 4412 deixam clara a preocupação quanto à permanência da dupla competência (ação de conhecimento na Justiça Federal e Ação Constitucional no STF):

“A experiência colhida após a consolidação dessa jurisprudência demonstrou que, não raras vezes, decisões cautelares prolatadas por Juízos de primeira instância embaraçaram o funcionamento do Conselho Nacional de Justiça, esvaziando seu círculo de atribuições constitucionais e comprometendo o desempenho da relevante função institucional que o legislador incumbiu ao órgão de fiscalização do Poder Judiciário.

Não foram poucos, tampouco esporádicos, os eventos em que decisões judiciais emanadas de órgãos jurisdicionais locais, situados na base do Poder Judiciário, sustaram atos normativos de caráter nacional editados pelo Conselho Nacional de Justiça, pondo em xeque os objetivos constitucionais de racionalização do sistema judiciário brasileiro e de padronização do funcionamento dos diferentes ramos do Poder Judiciário nacional.

Também há exemplos graves de decisões judiciais de primeira instância que suspenderam penas disciplinares aplicadas pelo CNJ, fragilizando a credibilidade do órgão de controle e, por consequência, instituindo uma prática irracional de fiscalização do órgão nacional de controle pelos agentes locais fiscalizados”.

Ao final, o exmo. relator conclui:

“Destaco, sem pretensão de exaurir a discussão da matéria, a necessidade de submeter ao crivo do Supremo Tribunal Federal todas as ações ajuizadas contra decisões do Conselho Nacional de Justiça proferidas no exercício de suas competências constitucionais , especialmente quando a impugnação se voltar contra atos: (i) de caráter normativo ou regulamentar que traçam modelos de políticas nacionais no âmbito do Judiciário; (ii) que desconstituem ato normativo de tribunal local; (iii) que interpretam o regime jurídico da magistratura, inclusive no que toca à aplicação de sanções disciplinares; e (iv) que versam sobre serventias judiciais e extrajudiciais.

Como se pode observar, a preocupação, além de estar ligada à centralização do controle no órgão de cúpula do Judiciário, objetiva salvaguardar a própria atuação e aplicação das decisões dos conselhos. Como restou claro na RCL 15.564-AgR, rel. min. Luiz Fux – 1ª turma – J. em 10/9/19 - DJe de 5/11/19), “a competência do STF prescrita no art. 102, I, “r”, da Constituição espelha um mecanismo assecuratório das funções do CNJ e da imperatividade de suas decisões”.

A alteração interpretativa amplia o que antes era prevalente (ações constitucionais), apenas quando as demais classes de ações objetivam o controle finalístico da atuação dos conselhos, no exercício das respectivas competências constitucionais (arts. 103-B, §4º, e 130-A, § 2º, da CF/88).

José Henrique Mouta
Mestre e Doutor (UFPA), com estágio em pós-doutoramento pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Professor do IDP (DF) e Cesupa (PA). Procurador do Estado do Pará e advogado.

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