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EFPC, poder punitivo prescrito e o princípio da eficiência

Há um robusto, coerente e íntegro quadro legislativo e jurisprudencial que exige obediência aos princípios da eficiência, economicidade e racionalização do trabalho administrativo. Portanto, não há como compreender a escolha do agente público por incorrer em custos quando o poder punitivo está prescrito e o processo administrativo não produzirá nenhum resultado útil.

14/6/2022

Os princípios da administração pública são conhecidos: Legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.1 Em estreita correlação com a eficiência, encontra-se o princípio da economicidade também disciplinado na Constituição.2 Apresentando sentido idêntico, a lei 9.784/99 exige obediência, dentre outros, aos princípios do interesse público e da eficiência nos processos administrativos no âmbito da administração pública federal.3 Não bastasse, o CPC, aplicado subsidiariamente, reforça a observância obrigatória à eficiência.4 Ainda na mesma linha, há o decreto-lei 200/67 que determina a racionalização do trabalho administrativo mediante simplificação de processos cujo custo seja evidentemente superior ao risco.5 Como medida de racionalização administrativa, também a lei 8.443/92 orienta o arquivamento de processos para evitar que o custo da cobrança seja superior ao valor do possível ressarcimento.6

Os dispositivos legais mencionados apresentam coerência e integridade. Assim, há uma certa perplexidade — para dizer o mínimo — ao observar a máquina administrativa ser movida quando o poder punitivo do estado está manifestamente prescrito e um processo administrativo carece de interesse processual.

Não há dúvida que existe um direito fundamental à boa administração que passa por uma concepção de eficiência a ser perseguida pelo estado. Logo, optar por incorrer em custos que não irão produzir nenhum resultado útil significa renunciar a tarefas que representam o interesse público constitucionalmente protegido. Neste contexto, não tarda lembrar, que a LINDB responsabiliza pessoalmente o agente público em caso de dolo ou erro grosseiro.7 Já o decreto 9.830/19 considera grosseiro o erro manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia.8 Dentro dessa moldura, a lei 8.112/90 possibilita ao agente público escusar-se de cumprir ordens ilegais. E, por esse fundamento, sua atuação não está absolutamente protegida pelo manto da hierarquia.9

Certo que há que se estudar cada caso concreto para apurar a existência de responsabilidade. No entanto, o desconhecimento ou o desrespeito inexplicável e deliberado a decisões do STF indica uma provável conduta antieconômica. Pelas mesmas razões, desprezar a existência clara da prescrição também aparenta ser um ato antieconômico. Limitando o vasto tema, as considerações a seguir abordam 2 exemplos no âmbito do regime de previdência complementar.

2. Prescrição e a Previc

Qualquer manual introdutório de direito explica que a estabilização das situações jurídicas é pilar da paz social e do estado democrático de direito. Portanto, é dever da Previc,10 no exercício do poder punitivo do estado, observar os prazos prescricionais ao aferir se o administrador da EFPC falhou em seus deveres fundamentais de cuidado e lealdade.11 Com efeito, a lei 9.873/99 e o decreto 4.942/03 limitam o exercício do poder de ação punitiva do estado ao prazo de 5 anos e fixam o prazo da prescrição intercorrente em 3 anos.12 Entretanto, a prescrição pode ser interrompida por um “ato inequívoco”. Ocorre que, paradoxalmente, há diferentes interpretações quanto à expressão ato inequívoco.

Uma tese já defendida pela Previc considera ato inequívoco a ciência do suposto infrator de ato pré-processual mesmo sem o contraditório.13 Outra vertente explica que só o contraditório pode interromper a prescrição.14 Uma corrente oposta às duas anteriores alega que é inequívoco o ato administrativo secreto em que uma carta sigilosa é enviada pela Previc para a “EFPC vítima”.15 (Destaque-se que a EFPC que pode ter sido vítima de um ato ilícito não integra a relação de polaridade entre a pretensão punitiva e os direitos do cidadão.) Há, ainda, outro entendimento de que o ato inequívoco seria o ato administrativo secreto que dá início sigiloso ao processo formal de fiscalização. Manter o segredo desses atos administrativos, aliás, não é fruto do acaso. Segundo sua Procuradoria Federal, a Previc realiza a fiscalização longe do conhecimento dos investigados para não ser acusada de abuso de autoridade.16 

Também na defesa dos atos secretos, decisão recente da CRPC apresenta os parâmetros do “ato administrativo secreto idôneo” que seria a carta sigilosa enviada para a EFPC vítima que contenha: (a) um objeto ou investimento específico; (b) data de expedição; (c) assinatura competente; e (d) comprovante de entrega à EFPC vítima.17

Dito tudo isso, outro risco é potencialmente mais grave. Alguns processos podem não atender sequer aos alargados requisitos do “ato administrativo secreto idôneo” para interrupção da prescrição. Esses processos merecem um olhar atento, pois parecem desperdiçar recursos quando o poder da ação punitiva do estado está manifestamente prescrito. Portanto, seriam atos irracionais, ineficientes e antieconômicos.

3. Prescrição e o TCU

O TCU não é competente para fiscalizar recursos privados administrados pelas EFPC. Apesar de o STF ainda não ter julgado a ADPF 817/21 e o MS 37.802/21, é isso o que pensa a imensa maioria dos operadores do direito que atua no segmento de previdência complementar.18 Porém, uma vez que ainda não há posição do STF e o TCU autodeclara sua competência ao longo de 16 anos, seria complexo responsabilizar o agente público que leva adiante uma fiscalização desses recursos privados.

É diferente, contudo, quando o poder punitivo do estado está prescrito. Sobre a prescrição, em 08.06.2016, em interpretação controversa que foi superada pelo STF, o TCU apontava para o prazo de 10 anos em sede de Incidente de Uniformização de Jurisprudência.19 Posteriormente, em 20.04.2020, o STF fixou em Repercussão Geral (Tema 899) que a pretensão de ressarcimento ao erário é prescritível no prazo de 5 anos.20

Ocorre que, antes do julgamento do Tema 899, o artigo 6º da IN nº 71/2012 do TCU parecia querer atender aos princípios da racionalidade, eficiência e economicidade e dispensava a instauração de TCE se houvesse transcorrido prazo superior a 10 anos entre a data provável de ocorrência do dano e a notificação dos responsáveis.

Todavia, o mesmo artigo apresentava uma exceção inesperada: Dava a entender que seria possível determinar a instauração de TCE mesmo que após o prazo de 10 anos.21 Em outras palavras, o texto infralegal abriria a porta para um processo administrativo sem nenhum resultado útil para apuração de responsabilidade e ressarcimento.

Em 13/7/21 — posterior ao julgamento do Tema 899 e desconsiderando o prazo quinquenal firmado pelo STF — foi editado, outro ato infralegal: a Portaria Secexfinanças 2  “Roteiro de Análise das Tomadas de Contas Especiais das Entidades Fechadas de Previdência Complementar.” Esse documento orientava os agentes públicos a continuar a análise de TCE em que houvesse o decurso do período entre 5 e 10 anos e a pretensão punitiva estivesse prescrita. Na hipótese de transcurso de mais de 10 anos, haveria 2 alternativas possíveis para o agente público:

(a) Arquivamento dos autos: Ato com racionalidade administrativa que respeita os princípios da eficiência e economicidade; ou (b) Continuar a análise: Caso se vislumbrasse materialidade ou o TCU tivesse determinado a instauração de TCE. O que, por decorrência lógica, provocaria uma série de atos antieconômicos.

4. Conclusão

Tal como no direito penal, no direito administrativo sancionador, o primeiro agente público a poder declarar que ocorreu a prescrição da pretensão punitiva está obrigado a fazê-lo. Aliás, essa prescrição significa que não há mais acusação alguma sobre a qual se deva esperar que o estado pronuncie juízo de mérito.22 Portanto, nem mesmo o acusado, se assim desejasse, teria o interesse processual de prosseguir na demanda para tentar ver declarada a “verdade real” ou a “verdade formal”.

Dito isso, o Brasil ostenta um robusto, coerente e íntegro quadro legislativo, doutrinário e jurisprudencial que exige obediência aos princípios da eficiência, economicidade e racionalização do trabalho administrativo. Portanto, por qualquer ângulo que se queira observar, não há como compreender a escolha do agente público por incorrer em custos que não irão produzir nenhum resultado útil.

_______________

1 Constituição. Art. 37. [...] obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:[...] Redação EC nº 19.

2 Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade [...]

3 Art. 2º. A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da [...] interesse público e eficiência.

4 Art. 8º. Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá [...] a eficiência. [...] Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos [...] administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.

5 Art. 14. O trabalho administrativo será racionalizado mediante simplificação de processos e supressão de controles que se evidenciarem como puramente formais ou cujo custo seja evidentemente superior ao risco.

6 Art. 93. A título de racionalização administrativa e economia processual, e com o objetivo de evitar que o custo da cobrança seja superior ao valor do ressarcimento, o Tribunal poderá determinar, desde logo, o arquivamento do processo [...].

7 Art. 28. O agente público responderá pessoalmente [...] em caso de dolo ou erro grosseiro.

8 Art. 12. [...] se agir ou se omitir com dolo, direto ou eventual, ou cometer erro grosseiro [...] § 1º  Considera-se erro grosseiro aquele manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia.

9 Art.116. São deveres do servidor: [...] IV -cumprir as ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais;

10 Dec. 4.942 Art. 39. [...] a Secretaria de Previdência Complementar decidirá: I - pelo arquivamento, se concluir pela prescrição [...]

11 GOMES DOS SANTOS, Renato de Mello,  Do que devemos falar antes de processar um administrador de EFPC? Revista da ABRAPP maio/junho 2021 p.47/50 https://biblioteca.sophia.com.br/terminal/9147/VisualizadorPdf?codigoArquivo=56052

12 Lei nº 9.873/1999 Art. 1º Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, [...]  Dec. 4.942 Art. 31. Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Secretaria de Previdência Complementar, no exercício do poder de polícia [...].

13 CRPC (implicitamente no 44011.000865/2017-7); TRF-1 0010028-61.2011.4.01.3400 (colacionado na decisão como fundamento); e da própria Previc [44011.000865/2017-79 (quando lhe interessou)]

14 Des. Federal. TESSLER, O Exercício do poder de polícia e o prazo prescritivo para a aplicação da sanção administrativa depois da lei nº 9.873/99. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 01, out. 2008.

CRPC [45183.00005/2016-45]

15 Em alguns casos muito específicos previstos em lei (art.5º, LX da CF) é exigida uma averiguação sigilosa. Tais procedimentos sem o conhecimento do investigado, por evidente, são formados por uma sequência de atos administrativos. Contudo, esses atos não provocam consequências jurídicas na esfera privada do cidadão.

16 “[...] verifica uma irregularidade e ela lança o processo formal de fiscalização. Ao longo dessa fiscalização, quando se verificar materialidade e autoria ou, pelo menos, indícios fortes de materialidade e autoria, ocorre a notificação do acusado e, aí sim, em razão do contraditório e da ampla defesa.” [...] “Não há como se notificar alguém como acusado num ato inicial de fiscalização [...] sob pena até de eventual abuso de autoridade.” Procurador-Chefe da Procuradoria Federal junto a Previc. Aula transmitida pela Escola da AGU em 24/08/2021. www.youtube.com/watch?v=_TigEirZNWA&t=4813s

17 CRPC [44011.002085/2018-44].

18 GOMES DOS SANTOS, Renato de Mello,  Competência do TCU para fiscalizar as EFPC e a defesa do capital privado. Migalhas: https://www.migalhas.com.br/depeso/364254/competencia-do-tcu-para-fiscalizar-as-efpc

19 Ac.1441/2016: [...] Subordinação ao Prazo Geral de Prescrição indicado no art. 205 do Código Civil, [...].

20 Decisão reiterada recentemente no MS 37.791, em 4 de março de 2022.

21 Art. 6º. Salvo determinação em contrário do Tribunal de Contas da União, fica dispensada a instauração da tomada de contas especial, nas seguintes hipóteses: [...] II - houver transcorrido prazo superior a dez anos

22 Vide, por ex. STF HC n. 63.765.

Renato de Mello Gomes dos Santos
Mestre em Direito dos Contratos e da Empresa - Universidade do Minho - Braga; MBA Gestão de Negócios IBMEC; Graduado UFRJ; Pós-Graduado - Direito Consumidor - EMERJ; Advogado no Brasil e em Portugal

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