Supremacia do interesse público e o Código de Defesa do Contribuinte
Roberto Carlos dos Santos*
Leandro Tripodi *
Porém, buscando apoio nesse princípio – deturpado por retrógrada visão corporativa –, indivíduos interessados aparentemente apenas na manutenção de poderes funcionais pseudo-administrativos (que, mal dosados e utilizados, podem dar lugar ao desleixo, a desmandos e arbitrariedades, ou mesmo à corrupção), insistem energicamente em se contrapor a iniciativas que visem à consecução do equilíbrio nas relações entre fisco e contribuinte.
Defendem, com desdém pelo cidadão e indisfarçável empáfia – sustentando-se em vetustos e anacrônicos dogmas, que de há muito reclamam revisão, do ponto de vista acadêmico – que contribuinte não é cliente; mais ainda, que o vínculo entre contribuinte e fisco, ao invés de se semelhar a uma relação de consumo – em que os direitos de ambas as partes devem ser levados a um mesmo patamar – apóia-se na subordinação; ou, que as relações do Estado para com o cidadão seriam desproporcionais por excelência, apontando nelas o chamado poder de império (caracterizado pela coerção – teoricamente – lícita do Estado sobre o indivíduo).
É grande equívoco confundir o legítimo interesse público, tanto com interesses corporativos, quanto com interesses administrativos circunstanciais, que decorrem justamente da ineficácia e da ineficiência da máquina.
Se, por exemplo, como amiúde se alega, devido à morosidade do sistema processual e judiciário, sonegadores podem ser beneficiados e dificultada a cobrança de tributo, isso de forma nenhuma justifica a supressão do devido processo legal, direito básico do contribuinte, em favor da instituição de verdadeiros “tribunais sumários administrativos”. A análise tendenciosa deste e de outros problemas leva a inversões do papel constitucional de cada Poder.
Se o tão decantado interesse público é o interesse da sociedade (e nenhum outro, oculto ou subjacente), indaga-se: interessa à sociedade a morosidade dos procedimentos administrativos e do atendimento a seus pleitos? Ou, acaso, que não sejam combatidas eventuais arbitrariedades de agentes do fisco? Interessa a edição freqüente de normas confusas e contraditórias, sem que haja a concessão de prazos razoáveis para que empresas possam se organizar a fim de cumpri-las? Interessa o aumento do chamado “custo Brasil”, em conseqüência, dentre outros percalços, de tantas complicações burocráticas? Ou, que a sociedade não possa exercer o controle externo sobre a atuação das administrações tributárias?
Pelos exemplos citados, há de se perceber que a expressão “interesse público” deve se sobrelevar aos que defendem a manutenção do injusto modelo tributário hoje existente – que é conveniente apenas a inescusáveis aspirações corporativas. Se o que se deseja é “destravar” o Brasil, bom conselho é começar pela modernização do rígido e arcaico modelo de relação contribuinte-fisco que adotamos – trabalho que requererá paciência, habilidade, coragem, senso de justiça – e espírito público. A despeito e até mesmo em complemento à recente aprovação da Super-Receita, uma renovada e sensata discussão do Código de Defesa do Contribuinte (clique aqui) seriam, nesse sentido, extremamente oportunas.
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*Técnicos da Receita Federal e diretores do SINDIRECEITA
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