Migalhas de Peso

A desigualdade na valorização do ser humano no ordenamento jurídico

Tem-se por definição legal que feminicídio é assassinato de mulher por razões da condição de sexo feminino. Art. 121, VI, CP.

14/6/2022

É comum nos depararmos com a narrativa de que o Brasil se tornou um lugar extremamente perigoso somente para mulheres, como se o sexo feminino fosse um fator determinante para a ocorrência de homicídio.

Para sustentar essa narrativa, deveriam ser preenchidas as seguintes condições: 1) mais mulheres do que homens deveriam ser vítimas de assassinatos; 2) as mulheres deveriam ser as vítimas preferenciais dos criminosos do sexo masculino; 3) mulheres seriam vitimadas somente pelo motivo de gênero.

Entre 2009 e 2019 foram assassinadas 623.439 pessoas, sendo que, 50.056 eram mulheres. (O atlas da violência informa somente o número de mulheres assassinadas). Vide, atlas da violência de 2021.

Numa simples matemática, concluímos que, entre 2009 e 2019, 573.38 pessoas assassinadas eram do sexo masculino, ou seja, seis homens por hora foram assassinados no Brasil.

Percentual de assassinatos separados por sexo:

92% das pessoas assassinadas eram do sexo masculino.

8% das pessoas assassinadas eram do sexo feminino.

Importante ressaltar que, na conta do feminicídio são contabilizados todos os crimes em que mulheres foram vítimas, ou seja, em decorrência de crime de roubo, tráfico de entorpecentes, mulheres que assassinaram suas companheiras (casal homossexual), crime passional, dentre outros.

Portanto, se considerarmos a exclusão desses crimes (não detalhados no relatório citado), podemos concluir que o assassinato de mulheres por feminicídio, certamente será reduzido.

Tem-se por definição legal que feminicídio é assassinato de mulher por razões da condição de sexo feminino. Art. 121, VI, CP.

Assim temos que, a apresentação de um número absoluto de mulheres vitimadas como feminicídio, não é correto, salvo se for apresentado a origem de cada assassinato, isto é, detalhamento e tipo do crime.

Não obstante às questões acima, o que torna discutível o número absoluto apresentado de feminicídio, temos que, a veiculação dos meios de comunicação, órgãos públicos competentes e pela própria sociedade, destacam somente mulheres assassinadas, desprezando os mais de 573.000 homens assassinados, ou seja, seis homens a cada uma hora. 

A legislação específica que prevê a ocorrência da qualificadora do feminicídio, foi inserido em nosso ordenamento jurídico para dar maior proteção à mulher, mas dando valor diferente à vida humana, ou seja, a vida da mulher tem maior valor jurídico que a do homem.

Não podemos ignorar que as mulheres também cometem crime passional, assassinando seus parceiros e, nem por isso, temos uma legislação análoga ao feminicídio, para os homens, como, por exemplo, masculicídio.

Nos deparamos com muitas notícias de mulheres que cometem esses crimes contra os parceiros. Aliás, temos notícias de mulheres que mutilam o órgão genital do parceiro (isso sim é crime por motivo de gênero). Mas, sendo a vítima homem a pena será diferente.

Como citei acima, vários são os crimes em que mulheres podem ser vítimas, assim como o homem, porém, o que vemos hoje em dia é que qualquer ato cometido contra mulher é uma qualificadora do crime. Mesmo aqueles crimes cometidos por paixão, os ditos crimes passionais. A pena será maior automaticamente se a vítima for mulher. O que não ocorre com os homens. A qualificadora deveria ser aplicada se ficasse constatado que realmente houve o crime por questão de gênero e, muitas vezes, não é o caso.

E ainda, lembremos das mulheres mortas por suas companheiras, num relacionamento homossexual, por exemplo. Esse crime cai na conta do feminicídio e, logo, nas costas somente do sexo masculino e do pseudo-patriarcado.

Interessante notar ainda um estudo realizado em 2006 sobre violência e acidentes: “Em 2006, realizou-se uma pesquisa em alguns Municípios do Brasil para traçar o perfil das vítimas de violências e acidentes atendidas em serviços de urgência e emergência. Dos atendimentos por agressões, 78% (3.184) foram no sexo masculino. Nos homens, as agressões por armas de fogo e instrumentos perfurocortantes foram maiores que nas mulheres. As causas externas são a primeira causa de internação em homens de 15 a 59 anos de idade. Em 2006, foram 807.079 internações relacionadas a essa causa, ou 2.211 internações por dia.” – fonte: https://bvsms.saude.gov.br/

Devemos nos indignar com relação às mortes de 50.056 vítimas mulheres e 573.000 vítimas homens. É um absurdo uma mulher ser morta a cada uma hora, assim como é um absurdo seis homens serem mortos a cada hora. Toda vida, independentemente do seu sexo, tem valor.  

O ordenamento jurídico não pode propiciar um tratamento diferente para um e para outro sexo, não podendo dar valor diferente à vida humana, ou seja, a vida da mulher tem maior valor jurídico que a do homem. No caso, o feminicídio, previsto em nossa legislação, prevê pena maior, no caso de vítimas mulheres. A punição deveria ser igual ao criminoso, sendo a vítima masculina ou feminina.

No Brasil, há muita criminalidade, tornando um país perigoso para qualquer pessoa, independentemente do sexo.

Portanto, considerando que ambos os sexos podem ser vítimas em nossa sociedade e ainda o valor jurídico de ambas as vidas, a pena imposta àquele que matar uma pessoa deveria ser igual, independentemente do sexo da vítima, não infringindo princípios constitucionais fundamentais que resguardam a igualdade de tratamento de homens e mulheres.

_____

https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/arquivos/artigos/3956-dashboard-atlas-2021.pdf 

Fernanda R. Tripode
Advogada no escritório Fernanda Tripode Advocacia e Consultoria Jurídica.

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