No fim de maio, a ANS – Agência Nacional de Saúde, aprovou o maior reajuste anual para os planos novos individuais e familiares. Situando: esse reajuste anual rege, em teoria, tão somente os planos individuais e familiares nominados “novos” - ou seja, celebrados após janeiro de 1999 (momento em que entrou em vigor a lei 9.656/98).1
Situando o leitor: os planos celebrados anteriormente à vigência da lei 9.656/98 (que iniciou sua vigência em janeiro de 1999) são denominados planos “antigos”. Já os planos posteriores à lei são os chamados “planos novos” e que se subdividem em individuais/familiares (modalidade pouquíssimo comercializada atualmente) e planos coletivos. Os planos coletivos, por seu turno, podem ser empresariais ou coletivos por adesão. Um pouco dissociado dessa definição também temos os planos de autogestão (em que a própria empresa ou entidade administra o plano sem fins lucrativos – fundando-se, em tese, com base na solidariedade).
Pois bem.
A ANS somente determina o percentual para o reajuste anual em planos novos individuais/familiares. Cada espécie tem plano tem normatização e regras próprias no que tange ao reajuste anual a ser aplicado.
O percentual aprovado para o ano de 2022 foi o de 15,5% - o maior já aplicado desde o começo de referida normatização, ocorrida nos anos 2000. Na prática, significa que todos os planos individuais e familiares celebrados após janeiro de 1999 serão reajustados em até 15,5% a partir de maio de 2022. Na prática, a enorme maioria dos planos reajustam conforme o teto aprovado.
Isso se dá após dois anos de muitas discussões sobre referidos reajustes no âmbito da ANS. Em 2020, não obstante ter sido aprovado percentual de 8,14%, este restou suspenso de aplicabilidade no ano em questão (em virtude da pandemia), tendo sido aplicado no ano seguinte. Já em 2021, se entendeu que houve economia no setor – e, pela primeira vez na história da ANS, houve redução do valor dos prêmios (mensalidades) dos planos e seguros saúde – o que gerou muita insatisfação e discussões no setor da saúde suplementar.
Em 2022, sobreveio, no fim de maio, a tão temida notícia: aprovação, pela ANS, do maior percentual da história na área da saúde suplementar. Segundo a própria ANS, referido percentual de reajuste anual englobará mais de 8 milhões de contratos – o que representa mais de 16% dos segurados das operadoras de saúde.2
Contudo, os efeitos superam os usuários dos planos e seguros saúde na modalidade individual/familiar, sendo ainda mais severos e reverberando não só nos usuários de planos e seguros saúde como também na sociedade como um todo.
A experiencia demonstra que o reajuste anual da ANS para referidos planos costuma ser o piso dos reajustes aplicados em todo o país, mesmo para outras modalidades de planos – como os empresariais e os coletivos por adesão. O efeito, portanto, de tão alto reajuste irá, diretamente, afetar a enorme maioria (ou todos) os usuários das operadoras de saúde em todo o país.
Especialmente quando falamos em empresariais com mais de 30 vidas e dos coletivos por adesão (planos que não se submetem a ingerência da ANS na atribuição do reajuste anual3) temos reajustes altíssimos já sendo observados – alcançando, só a título de reajuste anual, mais de 30% em muitos casos. Detalhe que, nessas espécies de planos ou seguros, que não sofrem a determinação de reajuste pela ANS (por, supostamente, inexistir hipossuficiência e poder haver negociação entre a empresa ou administradora e a operadora de saúde), os valores pagos pelos usuários costumam ficar rapidamente inviáveis, tendo em vista os altos reajustes aplicados.
Se temos o reajuste dos planos individuais e familiares como, na prática, um “piso” aplicado a todas as espécies de planos (coletivos por adesão e empresariais), facilmente se depreende que, na prática de quem cotidianamente advoga e trabalha com reajuste, os demais planos e seguros saúde sofrerão reajustes ainda mais altos – muitas vezes não justificados e sem o embasamento atuarial necessário.
Vale destacar, nesse momento, que o reajuste anual que todos os planos sofrem não se presta para aumentar a margem de lucro das operadoras de saúde, mas, tão somente, para reequilibrar o contrato conforme variação, especialmente, do que se denomina “VCMH” (variação de custos médicos e hospitalares), ou seja, deve variar conforme aumento de diária hospitalar, custo de medicamentos, honorários médicos etc.
Não há, mesmo judicialmente, e como regra geral, escapar da aplicação do reajuste anual – sendo certo que ele é indispensável para o reequilíbrio do valor pecuniário do contrato celebrado. Por outro lado, é certo que, em vários casos (especialmente em contratos coletivos), há como se discutir o percentual aplicado e a substituição do percentual – mesmo porque as operadoras de saúde e mesmo as administradoras de benefícios (em casos de coletivos por adesão) deixam, muitas vezes, de comprovar atuarialmente a necessidade de aplicação de tão altos reajustes.
As consequências, portanto, do alto reajuste determinado pela ANS (de 15,5% a ser aplicado entre maio de 2022 e abril de 2023, a ser aplicado no mês de aniversário do contrato do segurado) provavelmente serão drásticas: com o aumento brusco do valor, aliado às dificuldades econômicas que muitas famílias vêm sofrendo na pandemia, muitos usuários deixarão de poder arcar com estes valores. Repise-se que, mesmo em planos individuais/familiares, o reajuste anual poderá ser cumulado com os reajustes de faixa etária (desde que licitamente e legalmente previstos no contrato celebrado).
Muitas famílias perderão, neste diapasão e muitas vezes no momento em que mais necessitam, o seguro saúde que sempre pagaram. Mais: culminando, assim, com mais usuários que irão depender do SUS – sistema já historicamente sobrecarregado.
A saída que pode ser buscada para os segurados, no entanto, é a análise do contrato com a operadora celebrado, de modo a averiguar se há margem ou possibilidade de revisionar o valor do prêmio (mensalidade) estipulado e pago pelo usuário.
As drásticas consequências, de todo modo, serão observadas por toda a sociedade.
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1 Inicialmente, impende destacar que a implementação de reajustes das contraprestações pecuniárias dos planos individuais e familiares de assistência suplementar à saúde que tenham sido contratados após 1º de janeiro de 1999 ou adaptados à Lei n. 9.656, de 3 de junho de 1998, depende de prévia autorização da Agencia Nacional de Saúde Suplementar (ANS). (Pereira, Daniel de Macedo Alves. Planos de saúde e a tutela judicial de direitos. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 257).
2 Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/business/ans-aprova-reajuste-de-155-para-planos-de-saude-maior-aumento-desde-2000/ Consultado em 08/06/2022.
3 RN 171/2008, em seu art. 13. Para os planos coletivos médico-hospitalares, com ou sem cobertura odontológica, com formação de preço pré-estabelecido, assim definidos pelo item 11.1 do anexo II da Resolução Normativa - RN nº 100, de 3 de junho de 2005, independente da data da celebração do contrato, deverão ser informados à ANS:
I – os percentuais de reajuste e revisão aplicados; e
II – as alterações de co-participação e franquia.