O PL 4.188/21, de autoria do Governo Bolsonaro, foi aprovado pelos deputados da base do governo, o “Centrão”. Embora o destaque nas mídias seja a abertura da possibilidade de penhora do bem de família, é preciso destacar que não é apenas o direito fundamental à moradia que foi atacado.
O Projeto dispõe sobre:
I - o serviço de gestão especializada de garantias;
II - o aprimoramento das regras de garantias;
III - o resgate antecipado de Letra Financeira;
IV - a transferência de valores das contas únicas e específicas do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - Fundeb;
V - a exclusão do monopólio da Caixa Econômica Federal em relação aos penhores civis;
VI - a alteração da composição do Conselho Nacional de Seguros Privados.
É um Projeto de submissão da população brasileira aos interesses dos bancos privados, que podemos analisar em quatro eixos.
O primeiro é a possibilidade de se afastar a impenhorabilidade do bem de família. Chegamos em 2022 com a população absolutamente acuada pela fome, com taxa de desemprego inaceitável e nível de endividamento absurdo, resultado de uma política destinada a criar um cenário perfeito para colocar como única opção para a obtenção de recursos a oferta do bem de família como garantia para obter um ou vários empréstimos, podendo a pessoa endividada perder o imóvel caso deixe de pagar qualquer um deles.
O imóvel poderá ser dado em garantia de uma ou mais dívidas contraídas em instituições financeiras diversas.
Aí surge o segundo eixo para que não haja possibilidade de perdas para os bancos. O Projeto de Lei cria um serviço de gestão especializada de garantias, a ser regulamentado pelo Conselho Monetário Nacional e supervisionado pelo Banco Central do Brasil. A finalidade é fazer a gestão para que as garantias, imóveis ou móveis, suportem os compromissos assumidos, e agilizar a liquidação e a entrega dos ativos aos credores.
Também entra no Projeto alterações na legislação sobre alienação fiduciária e hipoteca, com a intenção de dar aos bancos instrumentos para que a expropriação seja rápida.
O terceiro eixo é a entrega aos bancos privados da gestão de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação destinados às folhas de pagamentos dos profissionais da Educação, que era de exclusividade da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil. Os bancos privados poderão assumir essa carteira, com impacto negativo na Caixa, empresa 100% pública, e no Banco do Brasil S/A, que tem como principal acionista a União.
E não é só. Acaba o monopólio da Caixa Econômica Federal nas operações sobre penhores civis. É mais um ato de desmonte do banco público. Não se vende a Caixa, mas a desmontam com a venda de seus ativos até que a sua existência deixe de ser viável. Novamente, privilegia-se os interesses dos bancos privados.
Em quarto, altera a composição do Conselho Nacional de Seguros Privados, excluindo a participação do representante da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), diminuindo o poder de fiscalização.
Resumindo, aproveitando-se da situação de extrema dificuldade da população, o objetivo do Projeto de Lei é abrir as portas para que os bancos privados exerçam sua atividade predatória sem correr riscos.
De todos os eixos do Projeto de Lei, com certeza o mais nefasto é a abertura de possibilidade de que o bem de família, o imóvel que serve de residência, seja dado em garantia de empréstimos e assim perca a proteção da impenhorabilidade.
Desconsidera-se por completo que a existência de uma moradia uma importância tão relevante que, a partir da Emenda Constitucional 26/00, passou a constar no rol de Direitos Sociais no artigo 6º da Constituição federal.
Esquece-se também de que a Constituição federal norteia a realização de políticas públicas habitacionais, com a criação de moradias como competência da União, Estados e Municípios, e de que o bem de família sempre gozou de proteção especial pela legislação civil. Somente em situações absolutamente excepcionais, como no caso de execução de alimentos, tem a penhora deferida pelo Poder Judiciário.
A população que antes hipotecava o imóvel que estava comprando e em condições muito favoráveis, ou seja, que realizava um aumento de patrimônio, agora, se o PL for aprovado pelo Senado, hipotecará para comprar comida, a juros de mercado, e muito provavelmente não conseguirá pagar e perderá sua casa.