O direito é uma das profissões mais tradicionais. Não só pelo fato de estar presente na sociedade há mais de 2.000 anos, mas principalmente por preservar uma postura conservadora. Durante décadas isso foi motivo de orgulho e advogados continuaram executando sua função com eficiência sem necessitar de grandes mudanças operacionais.
Até o final do século XX o maior desafio havia sido abrir mão da máquina de escrever para adotar computadores. Uma década depois veio a imposição de tramitar as petições iniciais através do processo eletrônico. Ainda que circundadas por significativa resistência essas duas inovações acabaram sendo incorporadas ao cotidiano da advocacia. O X da questão aqui é que ambas as situações levaram cerca de uma década para serem assimiladas. Porém atualmente esse longo intervalo de tempo não é mais aceitável para implementar inovações.
Uma nova era do direito
A complexidade do mundo e da sociedade aumentou significativamente e isso modificou radicalmente uma série de hábitos e comportamentos. O segmento jurídico não está apartado desse cenário, portanto advogadas e advogados necessitam de atualização para se posicionar nesta nova era exponencial.
Novos conceitos foram incorporados ao setor jurídico, tais como direito 4.0 e tantas novas disciplinas como LegalDesign, LegalAnalytics, Legal Operations e Open Justice. Não se trata de palavras da moda para vender livros ou programas de computador. Estes e outros conceitos são solidamente embasados em métodos e tecnologias que se tornaram parte indissociável do cotidiano jurídico.
As tecnologias promoveram a digitalização e a automação dos escritórios, otimizaram o fluxo de produção e consequentemente geraram um ganho de eficiência sem precedentes. Essas novas práticas provocam um aumento substancial dos dados e informações gerados, obtidos e armazenados pelas bancas. Mas onde e como eles estão sendo utilizados?
Usar dados para tomar decisões estratégicas a respeito dos negócios não é um assunto novo. No entanto, mesmo com tantos recursos disponíveis, as análises de dados continuaram relegadas a segundo plano em quase todos os tipos de negócios. Esse é um dos pontos mais sensíveis a ser buscado na jornada ao direito 4.0.
O que é um escritório Data Driven?
Em tradução literal e direta Data Driven significa negócios orientados por dados. À luz das disciplinas de gestão o termo se refere a planejamentos e processos que colocam o uso de dados no centro das estratégias do escritório. Thomas Davenport é o autor que mais aprofundou as literaturas sobre a jornada para se tornar uma empresa analítica.
No entanto, antes de conceitos técnicos, Data Driven é uma mentalidade focada na análise de dados com o objetivo de construir uma base sólida de informações e obter insights que promovam a obtenção de conhecimento e facilitem a tomada de decisões.
Neste ponto é importante conceituar três termos que se assemelham, mas não são exatamente sinônimos:
- Dados são a unidade básica;
- Informação são os dados organizados de acordo com critérios específicos;
- Conhecimento é construído pelas informações contextualizadas que geram subsídios para tomadas de decisão.
Estamos diante de uma nova era de escritórios de advogados que utilizam dados obtidos nos inúmeros canais digitais, nas doutrinas jurídicas, nos tribunais de todas as esferas e nos diversos fluxos operacionais e gerenciais do escritório para criar estratégias de negócios. E se os dados se tornaram um dos ativos mais valiosos da atualidade, é imprescindível entender os conceitos desenvolvidos em torno deles.
BigData – o grande volume de dados provenientes dos canais digitais
O imenso volume de dados trafegados nos canais digitais ganhou um nome próprio: BigData, o qual gira em torno das mudanças na forma como a informação é captada, processada e disseminada. Este conceito é embasado em cinco pilares: volume, variedade, velocidade, variabilidade e complexidade dos dados.
O grande volume de dados que circula regularmente nos canais citados anteriormente ainda pode ser categorizado em Personal Data (dados pessoais em geral), Social Data (dados que mostram as tendências de comportamento das pessoas) e Enterprise Data (dados relacionados a operações das empresas e do mercado). Como se pode notar, ao trazer estes conceitos para o cenário jurídico, nos vemos diante de um grande Vade-Mecum digital.
Porém ter tantos dados à disposição pode ser um fator adverso caso essas informações não sejam devidamente organizadas. Então se faz necessário uma disciplina que estrutura todo esse processo de coleta, tratamento e organização dos dados.
O business intelligence entra em cena no mercado jurídico
Business Intelligence é o conjunto de processos, métodos, tecnologias e algoritmos para coletar informações em fontes confiáveis, armazenar em locais planejados, organizar em dados estruturados, identificar padrões e, por fim, construir uma base sólida de informações para analisar e transformar em conhecimentos. O objetivo do BI é permitir uma fácil organização e interpretação do grande volume de dados proveniente do BigData.
Essa disciplina já vem sendo utilizada há tempos por empresas de diversos segmentos. Mas a disponibilização de diversos métodos de consultas na base de dados dos escritórios e dos tribunais vem sendo incrementada com softwares cada vez mais poderosos.
As principais etapas executadas pelos programas de BI são: 1. a extração e transformação dos dados em informação estruturada; 2. Armazenamento dos dados em Data Warehouses, Data Marts ou DataLakes; 3. Exploração dos dados (Data Mining) à procura de padrões consistentes para detectar relacionamentos e novos subconjuntos de dados; 4. Criação de relatórios e dashboards; 5. Análises e tomada de decisão.
Tanto a ampla disponibilização dessas tecnologias que executam BI quanto a intensa digitalização das instituições do poder Judiciário trouxeram o conceito de Data Driven para os escritórios de advocacia, inaugurando uma nova disciplina aplicada.
Legal Analytics – uma aplicação jurídica do BI
Diante do exposto até aqui, Legal Analytics se mostra uma aplicação prática de BI criada com foco no contexto exclusivo dos ambientes jurídicos. São processos que utilizam dados e realizam análises quantitativas e qualitativas de forma a apresentar insights que vão ajudar os advogados e gestores jurídicos a mensurar a produção jurídica e adotar estratégias que possam otimizar a produtividade e outras ações relevantes para o escritório. Com essas informações é possível raciocinar estrategicamente ao elaborar peças processuais.
Nesse ambiente de transformação digital onde tudo se movimenta em velocidade exponencial, a concorrência só aumenta em todos os segmentos. A partir daí o único caminho é buscar um diferencial que promova uma vantagem competitiva facilmente percebida pelo mercado. Nesse sentido a prática de Legal Analytics tem o potencial de se tornar a característica que promove essa diferenciação.
À medida que a tecnologia continua avançando, a adoção do Legal Analytics se tornará comum e necessária para garantir a permanência da banca no mercado. Para escritórios de advocacia, a análise jurídica se provará como uma ferramenta essencial no sentido de conquistar casos e coletar as principais informações necessárias. Para isso é necessário entender as aplicações reais de Legal Analytics em jurimetria e volumetria.
Volumetria: dados para mensurar a produtividade do escritório de advocacia
A volumetria nada mais é do que mensurar a produção jurídica do escritório para entender o seu nível de produtividade. Para isso é necessário primeiramente quantificar o volume de atividades que estão sendo realizadas durante um determinado período tanto no consultivo quanto no contencioso. Em seguida se compara os dados aferidos com indicadores estratégicos a fim de avaliar o desempenho do negócio e identificar se as metas operacionais estão sendo atingidas.
Esses dados já existem, porém, raramente são mensurados e utilizados de forma estratégica na aplicação da volumetria. Dessa forma, muitos dos escritórios e departamentos jurídicos não sabem como transformar tais dados em informações acionáveis que reflitam a produtividade do time.
A adoção plena de Legal Analytics, em especial da volumetria, passa pela automação do escritório, característica primordial do direito 4.0 e da transformação digital.
O que é jurimetria?
De acordo com a definição da ABJ, jurimetria é a disciplina resultante da aplicação de modelos estatísticos na compreensão dos processos, das decisões judiciais e dos fatos jurídicos. É um método que proporciona condições de análises descritivas, diagnósticas e preditivas mais profundas.
A partir dessas definições conclui-se que essa matéria é um conjunto de técnicas para utilizar estatística aplicada ao direito no sentido de obter estimativas de resultados e mapear probabilidades a partir de doutrinas, jurisprudências e decisões anteriores.
Para que a tecnologia funcione é necessário haver grande volume de dados para serem analisados, o BigData jurídico. A boa notícia é que o poder Judiciário do Brasil já digitalizou mais de 90 milhões de processos ativos e cerca de 1 bilhão de ações judiciais arquivadas. Esse monumental volume de processos está disponível para ser consultado pelos robôs e ferramentas de jurimetria dos departamentos jurídicos e escritórios de advocacia.
Do lado dos tribunais a adoção da jurimetria se dá em outra oportunidade: fazer com que sentenças de problemas similares não sejam muito diferentes entre si, como uma forma de padronizar o Judiciário. Para o magistrado a matéria tem o potencial de gerar bases de conhecimento mais precisas e assertivas, fortalecendo a segurança jurídica com decisões embasadas em tribunais de todas as áreas e esferas.
Já do ponto de vista do legislador e do gestor público, a jurimetria serve de fundamento para a criação de leis mais fiéis e relevantes à realidade da sociedade, já que consegue mensurar as demandas e decisões mais comuns.
Inteligência artificial para potencializar as análises de dados na jurimetria
Com o volume de dados digitalizados pelo Judiciário é possível estimar o tamanho do BigData jurídico à disposição para ser analisado. No entanto, consultar manualmente esse BigData jurídico mais as jurisprudências, súmulas acórdãos, etc é humanamente impossível. Aqui a tecnologia precisa entrar em cena para fazer as coisas acontecerem.
Para explorar os dados de forma automatizada é necessário lançar mão da inteligência artificial. IA significa máquinas e dispositivos desenvolvendo a capacidade de aprender, raciocinar e decidir logicamente sobre os fatos a fim de resolver problemas.
A inteligência artificial necessita de três premissas para fornecer resultados relevantes, quais sejam: o volume de dados, a estruturação organizada desses dados e a capacidade de computação para processar as informações de forma rápida e eficiente. Por isso os robôs de IA funcionam com algoritmos lendo e interpretando dados. Para essa “mágica” acontecer é acionado o conceito de Machine Learning ou aprendizado de máquina, pelo qual os computadores tornam-se capazes de aprender. Na tecnologia, o que ocorre é o processamento lógico dos dados levando a uma identificação de padrões consistentes que geram inteligência. Os softwares que realizam essa atividade monitoram continuamente e em tempo real as atualizações de dados processuais de todos os tribunais digitalizados.
A jornada ao escritório Data Driven
Legal Analytics é a união definitiva entre estatística e direito com o intuito de entregar uma dinâmica jamais experimentada nessa área e transformar significativamente a forma de advogar. Essa vertente do direito 4.0 traz consigo inúmeras possibilidades de se utilizar dados de forma estratégica. As oportunidades com o uso de dados só vão crescer nos próximos anos, afinal essa disciplina ainda está em seu início e o seu potencial ainda irá expandir exponencialmente com a digitalização plena dos escritórios e dos tribunais.
A jornada para o escritório jurídico se tornar Data Driven envolve uma transformação severa tanto das pessoas quanto do negócio em si. É um processo complexo, que tem início, mas não terá fim e seus resultados podem conduzir o escritório a um patamar muito mais alto no mercado.
Advogadas e advogados que já iniciaram essa jornada estão colhendo os frutos com escritórios mais produtivos e lucrativos. Os que não iniciaram sua digitalização ainda tem tempo pois os recursos e programas de automação jurídica são acessíveis para bancas de todos os portes. Basta dar os primeiros passos.