Em março passado publiquei no site Migalhas, artigo em que questionei o procedimento adotado pela SEFAZ/SP - Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo de exigir o recolhimento do ITCMD, nas doações de quotas sociais de holdings, sobre o valor de mercado e não o valor patrimonial, o qual está expressamente previsto em lei. A SEFAZ/SP reagiu de modo pouco gentil, afirmando que meu artigo “além de desinformar, ataca a imagem do Fisco Paulista...” e que “é necessária mais responsabilidade nas publicações, pois a desinformação pode resultar em danos, tanto a uma instituição séria, como a SEFAZ/SP, quanto aos contribuintes Paulistas”.
Em primeiro lugar, quero deixar claro que jamais foi minha intenção ofuscar a imagem do Fisco Paulista, pois não teria motivos para isso e nem seria justo. O meu objetivo, isto sim, foi demonstrar que a base de cálculo do ITCMD deve ser o valor patrimonial das quotas da holding e jamais o valor de mercado, como defende a SEFAZ/SP. Se não defende mais, defendeu no passado, tanto que vários autos de Infração foram lavrados, resultando invalidados aqueles levados a apreciação do Judiciário Paulista. E isto porque a exigência de tributo em desacordo com a lei resulta em ilegalidade, afirmação que não constitui nenhuma ofensa, mas uma fundamentada opinião legal, conforme abaixo demonstrado.
Começo com a disposição legal, o §3º, do art. 14, da lei paulista nº 10.704, de 28/12/00, na redação da lei 10.992/01, assim redigido:
“Art. 14 ...
§3º - Nos casos em que a ação, quota, participação ou qualquer título representativo do capital social não for objeto de negociação ou não tiver sido negociado nos últimos 180 (cento e oitenta) dias, admitir-se-á o respectivo valor patrimonial.”
Tendo em vista que as quotas de uma holding não são negociadas em bolsa, não foram negociadas nos últimos 180 dias já que criadas unicamente para doação aos filhos, não resta qualquer dúvida no sentido de que o valor a ser utilizado como base de cálculo do ITCMD é o patrimonial e não o valor de mercado.
Ante a cristalina previsão legal, o TJ/SP - Tribunal de Justiça de São Paulo, como não poderia deixar de ser, vem reiteradamente julgando nos termos acima, conforme fica fácil perceber pela ementa abaixo:
“ANULATÓRIA. Auto de Infração lavrado por falta de recolhimento do ITCMD. Doação de quotas de sociedade limitada. Base de cálculo que deve corresponder ao valor patrimonial contábil de cada quota e não ao valor de mercado dos imóveis integralizados ao capital social.
Inteligência do artigo 14, §3º, da LE nº 10.705/00.
Precedentes. Honorários que devem ser apurados com base no proveito econômico obtido. Sentença parcialmente reformada. Recurso da FESP conhecido e não provido. Apelo da autora conhecido e provido.”.
Apelação Cível nº 102495932.2020.8.26.0482 - TJ/SP 2ª Câmara de Direito Público – Relatora Dra Vera Angrisani
E aqui vale a pena transcrever parte do voto da Relatora, no sentido de que:
“A questão posta não é nova. Esta E. 2ª Câmara, em feito oriundo da mesma comarca, ao analisar a norma aqui transcrita decidiu em data recentíssima que “(...) não existe previsão legal que determine que o valor patrimonial da quota a ser utilizado como base de cálculo do ITCMD seja o valor patrimonial real ...devendo ser aceito o valor patrimonial contábil...”.
Mais ainda.
Objetivando aumentar a arrecadação, o então governador João Dória encaminhou à ALESP - Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo o projeto de lei nº 529/20, o qual, dentre as inúmeras outras alterações na legislação do imposto em análise, pretendia alterar o disposto no §3º, do art. 14, da lei nº 10705/00, para efeito de tornar legal a tributação sobre o valor de mercado, nos seguintes termos:
“§ 3º - Nos casos em que a ação, quota, participação ou qualquer título representativo do capital social não for objeto de negociação ou não tiver sido negociado nos últimos 180 (cento e oitenta) dias, a base de cálculo será o valor do patrimônio líquido, apurado nos termos do art.1.179 da lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), ajustado pela reavaliação dos ativos e passivos ao valor de mercado na data do fato gerador, observando-se o disposto na legislação, em especial o previsto no Capítulo IV desta lei, calculado conforme disciplina estabelecida pelo Poder Executivo.”. (grifei).
Ocorre, caro leitor, que a ALESP rejeitou todas as alterações que o PL pretendia introduzir na legislação do ITCMD, notadamente a que legalizava a tributação sobre o valor de mercado, de modo que o citado §3º continuou a vigorar conforme acima transcrito, ou seja, estabelecendo que na doação de quotas o ITCMD incide sobre o valor patrimonial e jamais sobre o de mercado.
E aqui é de se perguntar: se o valor de mercado sempre foi o legalmente previsto, segundo a SEFAZ/SP, para que foi enviado à ALESP um projeto de lei visando legaliza-lo? A resposta é óbvia.
À vista do acima resumidamente exposto, resta claro e insofismável que a base de cálculo do ITCMD, quando da doação de quotas das chamadas holdings, é o valor patrimonial, conforme afirmei no meu artigo contestado.
E assim sendo, fica demonstrado, à toda evidência, que as minhas orientações jurídicas sempre tiveram e continuam tendo o objetivo de esclarecer o contribuinte e jamais de desinformar.
Neste ponto é importante aqui destacar que divergências interpretativas - que neste caso sequer tem lugar – são absolutamente comuns na área do Direito. No entanto, divergências de interpretação não comportam falta de gentileza, muito menos tentativas de desqualificar aquele que diverge. Muito pelo contrário.
Na hipótese de algum contribuinte ser autuado por ter recolhido o ITCMD sobre o valor patrimonial e não sobre o de mercado. Como quer/queria a SEFAZ/SP, poderá recorrer ao Poder Judiciário com grandes chances de êxito.