Na era dos recebidos não pagos, muitos já se questionaram sobre as vantagens de ser um digital influencer, afinal, as empresas contratam pessoas que se destacam na internet, para comentar sobre as características e qualidades de determinados produtos nas redes sociais, gerando maior engajamento na marca e ampliação do público-alvo.
De acordo com uma pesquisa realizada pela Betway, o poder de venda dos influenciadores digitais é inegável, vez que 55% dos usuários pesquisam a opinião de digital influencers antes de comprar um produto que consideram importante, 73% já efetuaram uma compra por conta de um influenciador, 86% já descobriram um produto via influenciador, e 55% confiam nos influenciadores como fonte de informação.
No entanto, com o crescimento das relações entre os influenciadores digitais e as empresas, a classe começou a reivindicar contratações formais, com escopos e condições bem definidos, o que favoreceu no reconhecimento dos influenciadores digitais enquanto profissionais, mas despertou novas preocupações.
Poucos sabem que ser contratado para gerar conteúdo sobre produtos ou serviços de terceiros, corresponde a um tipo de publicidade digital (marketing de influência), sob o qual existem implicações tributárias. Sendo assim, o presente artigo abordará quais tributos tal atividade está sujeita, bem como o melhor regime jurídico a ser adotado.
Como aludido acima, anunciar, comentar, promover as vendas, publicar textos, vídeos e imagens, realizar campanhas, posts, etc., correspondem a serviços de publicidade e propaganda, os quais estão previstos no item 17.06 do anexo único da lei complementar 16/03, que determina sobre quais serviços há incidência de ISS. A LC 16/03 não fez qualquer distinção sobre a materialidade dos serviços de publicidade, de modo que a publicidade online se encaixa no referido item.
Portanto, ao ser remunerado pela publicidade na Internet, o digital influencer deve recolher de 2 a 5% de imposto sobre tal montante, sendo a alíquota determinada pelo Município em que reside, conforme art. 3º da LC 116/03. Na cidade de São Paulo, local onde o mercado de publicidade exerce papel de destaque, os serviços de publicidade estão previstos nos subitens 17.06 e 17.24 da legislação municipal, sendo a alíquota aplicável de 2,9% sobre o valor do serviço prestado.
Embora seja uma luta da classe extinguir o pagamento de seus serviços por meio de permuta, tal fato não exime o influencer de recolher ISS, pois o art. 7º da LC 116/03 dispõe que a base de cálculo do imposto será o valor do serviço prestado, sendo possível interpretar que há incidência de imposto também sobre remunerações não-pecuniárias, por meio da avaliação e precificação do bem que foi dado em troca pelo serviço.
Apesar de devido o imposto, a capacidade de fiscalização do Fisco sobre tais operações é bastante reduzida em razão da pulverização e informalidade. Também acarreta questionamentos sobre quais seriam os parâmetros utilizados para precificar o objeto da permuta, bem como quem seria responsável tributário por tal atividade.
Até o momento, não há regras tributárias específicas para tal situação, porém é provável que em um futuro próximo sejam editadas normas, ou ao menos diretrizes, para tornar as obrigações mais claras. Não obstante, recomenda-se recolher ISS sobre os valores em dinheiro e bens recebidos como pagamento, e buscar assessoria contábil e jurídica em caso de dúvidas sobre o procedimento.
O segundo tributo que o digital influencer deve se atentar, ainda que indevido, é o ICMS. Ao contrário do que muitos pensam, o ICMS não incide apenas sobre a circulação de mercadorias, mas também sobre tipos de serviços específicos, sendo um deles a comunicação.
Em razão da dificuldade em compatibilizar a imunidade sobre livros e periódicos, prevista no art. 150, VI, d, da CF/88, com a veiculação e divulgação de textos, desenhos e materiais de publicidade de propaganda, os Estados aproveitaram que esse serviço não havia sido incluído na LC 116/03 (em razão de um veto presidencial do item 17.07), para enquadrá-lo como serviço de comunicação, tornando-se cabível, em tese e de forma equivocada, o recolhimento de ICMS.
Apesar de posteriormente o serviço de inserção de publicidade online ter sido inserido na LC 16/03 por meio da LC 157/16 (item 17.25), restando expressamente sujeito à ISS, tal fato não alterou sua natureza. Como leciona Rubinstein1, inserir um conteúdo publicitário de forma onerosa, na internet, não deixa de ser uma forma de exibição do conteúdo, não tendo como objetivo o transporte de uma mensagem, como ocorre no campo da comunicação.
E mais, como aponta Quintela2, a prestação de serviços de comunicação demanda a detenção de meios próprios para a transmissão de mensagens (i.e., as empresas de telecomunicações são proprietárias dos bens e meios utilizados transmissão dos sinais), o que não se verifica no serviço de divulgação de publicidade prestado por pessoas físicas.
Portanto, mesmo antes de todo o imbróglio narrado, a divulgação de publicidade, seja tradicional, seja online, não poderia ser considerada como fato gerador de ICMS. Aliás, como dispõe Piscitelli3, pensamento contrário feriria a competência tributária dos Estados e Municípios, pois não se pode supor que o ICMS incide nos casos em que o ISS não incide (sua aplicação não é residual).
O entendimento acima é, inclusive, adotado pelo TIT/SP, porém a questão ainda não está pacificada. Em 2018, o Estado do Rio de Janeiro ajuizou a ADI 6034, para questionar a constitucionalidade da inclusão do item 17.25 na LC 116/03, e pleitear a incidência de ICMS, em razão da suposta natureza de comunicação do serviço.
Em fevereiro de 2022 foi iniciado o julgamento, porém, até que o STF não se pronuncie sobre o assunto, os influenciadores digitais correm o risco de serem autuados, ainda que indevidamente, para o recolhimento de ICMS. Contudo, as empresas que correm maiores riscos são aquelas que disponibilizam espaços para publicidade de forma onerosa, como o Google e Facebook. No caso de autuação, recomenda-se buscar assessoria jurídica para contestar a cobrança indevida.
Outro tributo relevante para qualquer autônomo é o imposto de renda, não sendo diferente com os influenciadores digitais. A esse respeito, destaca-se que é gritante a diferença da carga tributária incidente sobre pessoas físicas e jurídicas. Enquanto a alíquota de IRPF pode chegar até 27,5% (no caso de ganhos acima de R$ 4.664,68), sendo necessário, ainda, recolher INSS (alíquota até 11%), e ISS (alíquota de 2,9%); a alíquota de IRPJ variará de acordo com o regime tributário escolhido, mas será muito menor.
No simples nacional, que contempla empresas que faturam até R$ 4,8 milhões/ano, a alíquota poderá variar de 6%-33% sobre o faturamento, porém englobará a tributação do ISS, PIS, Cofins, IRPJ e CSLL, que deverão ser pagos por meio de uma guia única mensal. No lucro presumido, onde o limite de faturamento é de até R$ 78 milhões/ano, a alíquota efetiva do IRPJ e CSLL poderá chegar a 10,88%, devendo ser acrescida das alíquotas de PIS e Cofins (3,65%), de modo que o ônus tributário seria apenas de 14,53%. Por isso, caso a prestação de serviços de publicidade digital torne-se recorrente, é recomendável constituir uma pessoa jurídica.
Com efeito, não basta possuir milhões de seguidores na internet, é preciso compreender como a publicidade digital vem sendo tributada, para escolher o regime jurídico adequado, reduzindo despesas e potencializando os lucros. Sem contar que a ausência de recolhimento dos tributos pode resultar em autuações pelo Fisco, a cobrança de multas e juros, e risco para a imagem do influencer. A lição que fica é que, no fim das contas, algo deverá ser pago sobre os recebidos.
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CANEN, Doris; PISCITELLI, Tathiane. Digital Influencers, Publicidade Online e Mudanças no Âmbito Tributário. Acesso 21/05/2018.
PISCITELLI, Tathiane. Tributação da publicidade on-line: o ISS é o imposto que incide. In: Valor Econômico, 12/02/2019. Disponível em: https://valor.globo.com/legislacao/fio-da-meada/post/2019/02/tributacao-da-publicidade-on-line-o-iss-e-o-imposto-que-incide.ghtml
QUINTELA, Guilherme Camargos; RODRIGUES SERGIO, Samille. Desafios na Tributac¸ão da Publicidade Online. In: Tributac¸ão na Sociedade Moderna, Juselder Cordeiro da Mata et al (org.). Belo Horizonte: Arraes, 2019, p. 589-605. Disponível em: https://sachacalmon.com.br/wp-content/uploads/2019/07/desafios-tributacao-publicidade-online.pdf
ROSA, João Henrique de Moraes Machado. A publicidade na internet e suas formas de tributação. IBET. 2015. Disponível em: https://www.ibet.com.br/wp-content/uploads/2017/07/Jo%C3%A3o-Henrique-de-Moraes-Machado-Rosa.pdf.
RUBINSTEIN, Flavio. Tributação da Publicidade Digital no Brasil. In: Atividade Publicitária no Brasil. Larissa Carasso Kac (org.). São Paulo: Almedina, 2021, p. 295-314.
1 RUBINSTEIN, Flavio. Tributação da Publicidade Digital no Brasil. In:Atividade Publicitária no Brasil. Larissa Carasso Kac (org.). São Paulo: Almedina, 2021, p. 295-314.
2 QUINTELA, Guilherme Camargos; RODRIGUES SERGIO, Samille. Desafios na Tributac¸ão da Publicidade Online. In: Tributac¸ão na Sociedade Moderna, Juselder Cordeiro da Mata et al (org.). Belo Horizonte: Arraes, 2019, p. 589-605. Disponível em: https://sachacalmon.com.br/wp-content/uploads/2019/07/desafios-tributacao-publicidade-online.pdf
3 PISCITELLI, Tathiane. Tributação da publicidade on-line: o ISS é o imposto que incide. In: Valor Econômico, 12 de fevereiro de 2019. Disponível em: https://valor.globo.com/legislacao/fio-da-meada/post/2019/02/tributacao-da-publicidade-on-line-o-iss-e-o-imposto-que-incide.ghtml