Desde a greve dos caminhoneiros em 2018, o Governo Federal vem adotando medidas fiscais para reduzir o impacto tributário nos combustíveis, principalmente no óleo diesel.
Este artigo tratará especificamente sobre o óleo diesel utilizado como insumo por transportadores de carga ou indústrias. A medida provisória 1.118/22 tratou também de outros combustíveis, sendo aplicado o mesmo raciocínio aqui exposto. A MP assegurou aos produtores ou revendedores dos derivados de petróleo a manutenção dos créditos.
Em março de 2022, foi sancionada a lei complementar 192/22, que reduziu a zero as alíquotas do PIS e da Cofins incidentes sobre a receita bruta decorrente da venda, entre outros, de óleo diesel, até 31 de dezembro de 2022.
O art. 9° da mencionada lei complementar assegurou às pessoas jurídicas da cadeia, inclusive o adquirente final, a manutenção dos créditos relativos à aquisição, entre outros, de óleo diesel.
O dispositivo, expressamente, assegurava a todos da cadeia, o desconto de créditos de PIS e de Cofins.
No dia 18/5/22, foi publicada, no Diário Oficial da União, a medida provisória 1.118/22, que alterou o art. 9° da lei complementar 192/22, retirando a possibilidade da manutenção dos créditos de PIS e Cofins que o mencionado artigo previa.
A mencionada medida provisória, ao retirar a possibilidade de manutenção de tais créditos, aumentou de maneira indireta a carga tributária incidente em toda a cadeia de combustíveis, uma vez que, com a impossibilidade de desconto do citado crédito, o valor que deverá ser recolhido a título das contribuições será maior.
A medida provisória entrou em vigor na data da sua publicação, o que gerou efeitos negativos imediatos aos contribuintes, que, ao apurar o PIS e a Cofins, não poderão descontar os créditos relativos à aquisição de óleo diesel.
A medida provisória entrou em vigor na data de sua publicação, desconsiderando a regra da anterioridade nonagesimal, contida no §6° do art. 195 e art. 150, inciso III, alínea “c”, ambos da Constituição.
Tal regra serve para evitar a surpresa e oferecer segurança jurídica às relações jurídico-tributárias, fazendo com que o contribuinte se planeje para arcar com a nova carga tributária.
A única interpretação possível, em relação à manutenção dos créditos, anteriormente prevista, é a de que houve a concessão de crédito presumido às pessoas jurídicas que adquirem os combustíveis sujeitos à alíquota zero, pois, caso não houvesse a possibilidade de aproveitar tais créditos, haveria a tributação do PIS e da Cofins concentrada no adquirente final, já que ele arcaria com toda a carga tributária relativamente às mencionadas contribuições. Ou seja, sobre o pretexto de reduzir a carga tributária incidente sobre os combustíveis, o Governo Federal estaria, na verdade, cometendo uma falsa redução da carga tributária, já que o Fisco iria arrecadar a mesma carga tributária se não houvesse reduzido a zero as alíquotas das contribuições.
Neste caso, seria a típica lei “para inglês ver”, expressão utilizada para se referir a uma encenação do Brasil Império, para a potência inglesa, em relação a fiscalização de naus negreiras.
A manutenção dos créditos de PIS e de Cofins tem uma importância enorme, que, caso não seja assegurada no cenário de redução a zero da alíquota do tributo, acabaria por inviabilizar o benefício financeiro. Todavia, a observância da regra da anterioridade é medida que se impõe.
O STF possui jurisprudência pacificada em relação à aplicação da regra da anterioridade, ainda que o aumento da carga tributária seja indireto.
De modo resumido, o aumento do tributo de maneira direta consiste na majoração da alíquota ou da base de cálculo do tributo. Já o aumento indireto, consiste no aumento, de algum modo, da carga tributária, podendo ficar caracterizado pela redução de um benefício fiscal, o que ensejaria o aumento da carga tributária, ou a exclusão do direito à apuração de créditos de um tributo não cumulativo, o que, também implica em aumento da carga tributária.
O STJ possui decisão, em que, especificamente, decidiu que a exclusão do direito à apuração de créditos de PIS e Cofins implica em aumento da carga tributária das contribuições.
Portanto, o STF e o STJ possuem entendimentos convergentes sobre a aplicação da anterioridade em caso de aumento da carga tributária, ainda que de maneira indireta.
Como se sabe, o art. 195, §6° da Constituição, estabelece que as contribuições para a seguridade social observarão a regra da anterioridade nonagesimal.
Evidentemente, a modificação na sistemática da não cumulação do PIS e da Cofins, que tem direta implicação na sua apuração, e, com isso, implica na majoração da carga tributária relativamente às contribuições, deverá respeitar a regra da anterioridade nonagesimal.
A medida provisória 1.118/22, que deu nova redação ao art. 9° da lei complementar 192/22, desconsiderou a regra do §6° do art. 195, bem como o art. 150, inciso III, alínea “c”, ambos da Constituição.
Portanto, é evidente a inconstitucionalidade da vigência imediata da medida provisória n° 1.118/22, que, ao suprimir a redação do art. 9° da lei complementar 192/22, retirou a possibilidade de apropriação de créditos de PIS e de Cofins na aquisição de óleo diesel utilizado como insumo, aumentando a carga tributária, sem observar a regra da anterioridade nonagesimal, prevista no art. 195, §6° e art. 150, inciso III, alínea “c”, ambos da Constituição.