De maneira específica, o regime constitucional da previdência privada foi inaugurado pela EC 20/98, que, em seu artigo 202, regulamentou sua complementaridade, facultatividade e organização autônoma em relação ao regime geral da previdência social. Posteriormente, as leis complementares 109/01 e 108/01 estabeleceram os parâmetros gerais de funcionamento das entidades fechadas de previdência complementar (EFPCs), que são organizadas na forma de fundações ou sociedades civis, sem fins lucrativos.
Como regra geral, as EFPCs são fiscalizadas e supervisionadas pela superintendência nacional de previdência complementar (Previc), autarquia federal e vinculada ao Ministério da Fazenda e da Economia, a quem compete também expedir instruções e estabelecer procedimentos para a aplicação das normas relativas à sua área de competência, de acordo com as diretrizes do Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC), à luz das disposições previstas na lei 12.154/09.
Não é raro, porém, que sejam revisitadas discussões referentes à competência do Tribunal de Contas da União (TCU) para fiscalizar diretamente as EFPCs, sob o pretexto de que há necessidade de apurar-se a existência de atos ilícitos que causem prejuízo ao erário.
A regulamentação da fiscalização e supervisão das EFPCs, exercida pela Previc e pelo CNPC, foi uma opção constitucional e legislativa para criar uma rede de controle específico e especializado para essa atividade econômica, tendo em vista a complexidade e dinamicidade do sistema da previdência privada. Em outras palavras, embora as EFPCs não integrem a Administração Pública e não realizem a gestão de recursos públicos, elas estão sujeitas à regulamentação e fiscalização pelo Estado, por meio da Previc e do CNPC.
À luz desse raciocínio, denota-se que outros órgãos fiscalizatórios de entidades que integram a Administração Pública não possuem qualquer papel de fiscalização sobre as EFPCs.
Note-se, por exemplo, que o Tribunal de Contas da União (TCU) possui como competência a fiscalização de (i) agentes públicos integrantes da Administração Pública típica e (ii) agentes que atuem como gestores de recursos públicos, conforme determinam os artigos 70 e 71, inciso II, da CF. Considerando que as EFPCs não se enquadram em nenhum desses grupos, o TCU estaria, portanto, impedido de fiscalizar diretamente as atividades exercidas por essas entidades.
Todavia, deve-se considerar que as EFPCs são entidades autônomas, sem fins lucrativos, cujos recursos possuem caráter privado e cuja atividade é fiscalizada pela Previc e pelo CNPC. A fiscalização exercida pelo TCU, portanto, deve ocorrer de maneira indireta, tão somente sobre as entidades da Administração Pública que possuem o dever de fiscalizar as atividades das EFPCs.
Essa é a questão que o STF deverá definir nos autos da ADPF 871, sob a relatoria da ministra Rosa Weber. A ação foi ajuizada pela ABRAPP com o objetivo de que o plenário da Suprema Corte declare, de maneira definitiva, que o TCU não possui competência para fiscalizar diretamente ou imputar responsabilidade às EFPCs. Até o momento, o processo ainda não foi liberado para inclusão na pauta de julgamentos.
A expectativa é de que a Suprema Corte, enfim, reconheça que ao TCU cabe apenas desempenhar o controle de segunda ordem, ou seja, sobre autarquias fiscalizadoras e seus entes públicos patrocinadores. Essa decisão poderá trazer impactos favoráveis às EFPCs, conferindo visibilidade e segurança jurídica aos procedimentos adotados pelas entidades.
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