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O pragmatismo constitucional evolutivo

Uma análise pertinente ao direito constitucional e suas diversas interpretações jurídicas intertemporais.

31/5/2022

A Constituição de um Estado coaduna com a diversidade teleológica, podendo pactuar, especificamente, com a forma Estatal de poder entrelaçada com situações jurídicas e sociológicas enraizadas na sociedade. Nessa linha, a grande questão a ser abordada e colocada em xeque é qual a melhor interpretação doutrinária e eficaz para a absorção real da intenção legislativa e criativa de uma Carta Magna. Por conseguinte, faz-se mister acrescentar que a Constituição não é formada no ato de sua publicação, mas sim na externalização prévia da população e dos poderes em perfeito mutualismo. Ademais, é cediço na doutrina a importância de se discriminar as diversas gerações constitucionais de direitos fundamentais, pois são manifestações adquiridas e transformadoras que vão de encontro com a temporalidade normativa sui generis.

A priori, deve-se contextualizar a importância pontual dos ensinamentos do doutrinador alemão Ferdinand Lassalle que abordava a sociologia da Carta Magna. Segundo este “a Constituição seria um pacto juramentado entre o rei e seu povo, ou seja, a soma dos fatores reais de poder”. Nesse sentido, a Constituição não deveria ser uma mera folha escrita, mas uma adaptação sociológica das intenções de uma certa fatia da população dominante. Ademais, observa-se que Lassalle criticava a escolha dos autores ou criadores das normas constitucionais, pois somente a aristocracia, burguesia e os banqueiros poderiam estar presentes na Assembleia Constituinte daquela época e não os cidadãos. Portanto, pode-se inferir que esse tipo de interpretação sociológica não abrangia a totalidade de requisitos ideais para se distinguir objetivamente o verdadeiro significado constitucional.

Segundo a Teoria da Constituição do jurista Carl Schimitt, “a Constituição significa  decisão política fundamentada, resultado da vontade política fundamental do poder Constituinte originário”. Nessa senda, pode-se concluir que essa linha interpretativa política arrefeceu a subjetividade da teoria teleológica de Lassalle e perpetuou um ideal promissor de melhor distribuição de poderes normativos. Entretanto, ainda havia lacunas no tocante à hierarquia de leis e normas em relação à Carta Magna que deveriam ser discutidos a posteriori.

Nessa toada, para complementar a teoria axiológica de Carl Schimitt, o teórico austríaco Hans Kelsen publicou a obra “Teoria Pura do Direito” que defendia a estrutura hierarquizada de qualquer sistema jurídico, concebido cientificamente, ou seja, interpretação constitucional jurídica. Nesse contexto de discussão, pode-se argumentar que houve um verdadeiro divisor de águas interpretativo, que não mais permitia especulações filosóficas e sociológicas abstratas, mas a purificação do direito. Além disso, Kelsen conseguiu eliminar o dualismo entre o Estado e o direito, o direito internacional e o direito objetivo e subjetivo, colocando cada espécie normativa em um tipo piramidal com estrutura paradigmática. Explicando melhor, a Constituição se tornou um modelo referencial de validade de todo o ordenamento jurídico, servindo como base para normas infraconstitucionais.

Outrossim, após toda essa evolução discursiva, houve a necessidade de se apresentar as diferentes gerações de direitos fundamentais de acordo com a contextualização temporal e suas diversas adaptações socioeconômicas. Portanto, não bastava se conhecer todos os juristas e suas axiologias, mas era necessário que se conhecesse as cláusulas pétreas conquistadas por meio de direitos e garantias fundamentais. Nessa perspectiva, inicialmente na doutrina, foram descritos os direitos de primeira geração denominados direitos negativos, que conseguiam impor abstenção ao Estado. Para complementar o raciocínio, foi descrito que na época específica de sua criação, as liberdades individuais e coletivas tinham sido contidas com manifestações políticas e civis importantíssimas. Destarte, foram promulgados os direitos à vida, à segurança, à liberdade de reunião e de expressão, entre outros.

Com o decurso do tempo, já não bastava que o Estado fosse controlado, mas sim que executasse políticas sociais em prol da sociedade, priorizando a dignidade da pessoa humana. Ou seja, havia um vácuo social que só seria preenchido com a elaboração dos direitos de segunda geração denominados direitos positivos. Nesse diapasão, pode-se citar, entre outros, os direitos sociais, os trabalhistas, a saúde, a educação e o lazer. Por conseguinte, diante do exposto, a partir do momento que foram eleitos os direitos fundamentais de primeira e de segunda geração, muitos doutrinadores iniciaram o prequestionamento sobre direitos transindividuais como fraternidade e solidariedade. Nesse ângulo, o meio ambiente e o patrimônio artístico e histórico, por exemplo, foram considerados direitos difusos destinados a todo o gênero humano, de suma importância para a igualdade material e a isonomia.

Diante de toda a discussão supracitada, pode-se aproveitar as expressões utilizadas na Revolução Francesa, a liberdade, a igualdade e a fraternidade, reciprocamente aos direitos de 1ª, 2ª e 3ª gerações. Nesse viés, alguns autores descreveram que havia direitos de 4ª e 5ª geração referentes à democracia, à informação, à paz, entre outros, em contínua formação. Ou seja, pode-se concluir que ainda surgirão diversas gerações de direitos, coadunando com as necessidades imediatas das populações e as mudanças intertemporais socioeconômicas. Todavia, o núcleo essencial da Carta Magna, que já se tornou direito adquirido, é imutável e inatingível e não há como uma conquista social retroagir in malam parten.

Joseane de Menezes Condé
Discente de Direito em Piracicaba, estagiária do TRT 15 e é formada em Medicina Veterinária pela Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve para o Jornal Gazeta Piracicaba .

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