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Direito do trabalho e legítima defesa: é possível uma coexistência?

O laboratório tem por dever de ofício, entregar ao mercado de consumo medicamentos em adequadas condições de segurança para o consumidor, bem como, expor de forma clara e objetiva, suas especificações, especialmente a validade.

27/5/2022

Em uma leitura mais desapercebida, podemos ser levados a crer que a legítima defesa, aquela prevista nos arts. 23, inciso II e 25, do CP, só teria aplicabilidade para a esfera penal.

Vamos utilizar um exemplo de um caso hipotético para melhor elucidar o tema ao leitor:

Vamos imaginar que a auditoria interna de um renomado laboratório, na pessoa de seu auditor Sr. Robson (nome fictício - celetista), descobriu que grande parte de medicamentos injetáveis destinados a crianças acima de dois anos de idade, recentemente adquiridos estão para vencer em três meses.

Diante da constatação, Sr. Robson deu ciência do fato à alta direção do laboratório.

A direção do laboratório afirmou em resposta ter conhecimento da situação e que a compra dos medicamentos nestas condições para posterior comercialização trouxe uma possibilidade de ampliação de sua margem de lucro, vez que obtidos do fabricante com desconto, justamente em razão da proximidade da data de validade, portanto, nenhuma postura deveria ser adotada em razão disso.

A função precípua de uma auditoria é auferir a regularidade da observância de processos e procedimentos, boas práticas, legislação e cultura, de forma holística, que integrem o ambiente organizacional, informando aos responsáveis eventuais inconformidades, apontando possíveis soluções, elucidando riscos empresariais e suas consequências.

Por ser um auditor interno, Sr. Robson enquadra-se no conceito de empregado, trazido pelo art. 3º, do decreto-lei 5.452/43 (CLT).

Considerando que dentre os requisitos da relação de emprego está a subordinação, tem- se que o Sr. Robson, deve observância aos comandos de seu empregador, sob pena de sofrer uma demissão por justa causa, por conduta insubordinada (alínea “h”, do art. 482, da CLT.

Ocorre que o laboratório tem por dever de ofício, entregar ao mercado de consumo medicamentos em adequadas condições de segurança para o consumidor, bem como, expor de forma clara e objetiva, suas especificações, especialmente a validade.

A inserção de produtos (medicamentos) ao mercado de consumo, omitindo informação relevante sobre sua durabilidade (validade), pode constituir, em tese, o crime previsto no art. 66, da lei 8.078/90 (CDC):

A este crime, estão sujeitos:

A alta direção do laboratório, uma vez que a omissão, no presente caso, é penalmente relevante, nos termos da alínea “a”, do parágrafo 2º, do art. 13, do decreto-lei 2.848/40 (CP):

O auditor interno, caso se entenda que por sua função assumiu uma posição de garantidor, sua omissão torna-se penalmente relevante, nos termos da alínea “b” (se avisar a empresa e não tomar medidas práticas em caso de omissão desta para evitar a consumação do crime) OU alínea “c” (se tomasse conhecimento das irregularidades e nada fizesse), do parágrafo 2º, do art. 13, do CP:

Diante do cenário de uma possível responsabilização penal do auditor (empregado), poderia o mesmo, em legítima defesa própria e de terceiros, desrespeitar a determinação da alta direção do organização e adotar providências que culminarão em lesão à boa fama de seu empregador?

Entendemos que sim!

Para esta situação, a alínea “k”, do art. 482, da CLT, abarca hipótese excludente de justa causa, vez que o auditor estaria agindo em legítima defesa de direito próprio (a fim de não ser responsabilizado penalmente) e de direito de terceiros (resguardando a saúde de um número indeterminado de consumidores).

Portanto, é plenamente possível que um instituto de direito penal, tenha repercussão na esfera trabalhista, a partir da excludente de justa causa pelo reconhecimento da excludente de ilicitude da legitima defesa.

Em assim sendo, eventual demissão por justa causa, pode ser revertida a partir da aplicabilidade da alínea “k”, do art. 482, da CLT, se se provar que a conduta que levou à demissão do funcionário foi praticada em legítima defesa própria e/ou de terceiros.

Charles dos Santos Cabral Rocha
Advogado em São Paulo, Pós-Graduando em Direito Penal e Criminologia pela PUC/RS, em Direito Tributário pela PUC/RS e em Direito Empresarial pela FGV/SP.

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