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Macbeth e o conceito de maioria apertada no CPC/15

O § 8º do art. 85 do CPC não permite o uso da apreciação equitativa quando os valores da causa são elevados, a norma somente se aplica nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou quando o valor da causa for muito baixo.

25/5/2022

Há um diálogo na peça Macbeth, proferida pelo nobre que dá nome ao drama, que indica que aconteça o que acontecer, o tempo e as horas chegam ao fim, mesmo no dia mais sombrio (come what come may, time and the hour runs through the roughest day).

Parece que no caso da discussão sobre a apreciação equitativa na condenação dos honorários de sucumbência a frase não se aplica.

A aplicação do art. 85 ainda passa pelos dias mais sombrios e parece que o fim não chegou.

Mesmo com a intensa discussão no julgamento do recurso repetitivo de controvérsia –tema repetitivo 1.076 do STJ –, que fixou a tese a ser seguida pelos tribunais, há quem tenha inovado e criado um conceito alternativo no sistema de precedentes; e pasmem (!! – contém ironia), não foi o legislador.

A observância dos acórdãos proferidos em recursos especiais representativos de controvérsia, está prevista nos arts. 927 e 928 do CPC/15:

Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:

[...]

III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

Art. 928. Para os fins deste Código, considera-se julgamento de casos repetitivos a decisão proferida em:

I - incidente de resolução de demandas repetitivas;

II - recursos especial e extraordinário repetitivos.

Parágrafo único. O julgamento de casos repetitivos tem por objeto questão de direito material ou processual.

O CPC vai além, pois estabelece que é incumbência do relator

Art. 932. Incumbe ao relator:

[...]

IV - negar provimento a recurso que for contrário a:

[...]

b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;

[...]

V - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a:

[...]

b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;

Dito isso, é fato público e notório que o tema 1.076 foi decidido em definitivo, reconhecendo que:

A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação ou da causa, ou o proveito econômico da demanda, forem elevados. É obrigatória, nesses casos, a observância dos percentuais previstos nos parágrafos 2º ou 3º do artigo 85 do Código de Processo Civil (CPC) - a depender da presença da Fazenda Pública na lide -, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa. 2) Apenas se admite o arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo" (Tema n. 1.076/STJ).

O fato é que o STJ consolidou o entendimento de que o § 8º do art. 85 do CPC não permite o uso da apreciação equitativa quando os valores da causa são elevados, a norma somente se aplica nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou quando o valor da causa for muito baixo.

Enfim, o art. 85 do CPC estabelece normas claras para a fixação dos honorários sucumbência. Já não havia espaço para entender de modo diverso, mas, após o julgamento do STJ, definitivamente esta matéria restou resolvida; ou pelo menos era o que se imaginava.

É importante destacar que a divergência de entendimento jurisprudencial acerca da aplicação dos §§ 3º e 5º do art. 85 do CPC é multinível, pois presente em todos os tribunais e em de todos os níveis de jurisdição, assim como é multiforme, já que os fundamentos invocados para a aplicação e, especialmente, para afastar a aplicação dos referidos dispositivos são de diversas matizes. Evidente, portanto, que a permanência desta divergência na aplicação da norma ofende os princípios constitucionais da separação dos poderes, da legalidade e da segurança jurídica (arts. 2º e 5º, incisos II e XXXVI, da CF/88).

A posição foi muito clara: os juízes não podem utilizar a modalidade de apreciação equitativa para fixar os honorários advocatícios sucumbenciais quando os valores da condenação, da causa ou proveito econômico forem elevados.

Para o ministro Relator, aliás, “os advogados devem lançar em primeira mão um olhar crítico sobre a viabilidade e a probabilidade de êxito da demanda antes de iniciá-la. Em seguida, devem informar seus clientes com máximo de transparência para que juntos devam tomar a decisão mais racional considerando os custos de uma eventual sucumbência. Promove-se assim uma litigância mais responsável diante do princípio da razoável duração do processo e da eficiência da prestação jurisdicional”.

Contudo, de modo muito curioso (para dizer o mínimo!) a 20ª câmara Cível do TJ/MG deu provimento a um recurso de apelação para reduzir honorários de R$ 14 mil para R$ 2 mil, mesmo após o entendimento proferido pelo STJ.

Naquele caso, a sentença havia considerado os percentuais dispostos no CPC/15, mas a relatora, acompanhada por seus pares, entendeu que a verba deveria ser fixada por equidade, considerando a complexidade da causa e o valor elevado.

A justificativa: a relatora questionou o poder vinculante de entendimento firmado pelo STJ, que proibiu a fixação de honorários por equidade; e mais, pelo fato de a tese ter sido fixada por maioria, não há entendimento consolidado (mesmo se tratando de recurso repetitivo), razão pela qual não há como seguir.

A grande inovação trazida pela 22ª Câmara do TJMG, é uma exceção às teses fixadas em recursos repetitivos: a tese não pode ser fixada por maioria apertada, pois, caso contrário, não há vinculação. A lógica é como se em um jogo de futebol, os três pontos apenas seriam atingidos, com uma goleada, mas não por uma vitória apertada.

É comum, embora reprovável, que a cada mudança substancial na legislação o aplicador da norma a interprete com os olhos voltados ao retrovisor, ou seja, com a mira no diploma revogado. A análise dos casos demonstra com clareza que todo o imbróglio envolvendo a correta aplicação do art. 85 do CPC/15 decorre de uma interpretação do texto (diga-se, contra legem) fundamentada em silogismo aplicado à época da vigência do CPC revogado, mormente o seu art. 20 

Pretendeu o legislador reduzir substancialmente as hipóteses de fixação dos honorários de sucumbência por equidade. No CPC de 1973 as hipóteses de utilização do juízo de equidade eram mais amplas, aplicando-se a: a.1) causas de pequeno valor; a.2) causas de valor inestimável; a.3) causas em que não houvesse condenação ou fosse vencida a Fazenda Pública; e a.4) execuções, embargadas ou não (art. 20, § 4º).

Em resumo: com o advento do CPC de 2015, o regramento dos honorários sucumbenciais é a sua fixação entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento (alíquota) sobre o valor da condenação (única base de cálculo no CPC/73), do proveito econômico obtido ou, caso não seja possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.

Ao decidir desta forma, o TJ/MG contraria, não só o CPC/15, mas a própria lógica dos recursos repetitivos, pois ao positivar critérios objetivos com o CPC/15, o legislador definiu sua inequívoca intenção de limitar o alto grau de subjetivismo dos julgadores na aplicação da verba honorária sucumbencial.

Arthur Bobsin de Moraes
Sócio da Cavallazzi, Andrey, Restanho & Araujo. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Bacharel em Direito pela UFSC. Autor de artigos em revistas especializadas.

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