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A progressão do § 5º do art. 112 da Lei de Execução Penal só atinge o tráfico privilegiado

A novel legislação, nominada popularmente de Pacote Anticrime, poderia ter, se assim quisesse, desclassificar o label de hediondo as demais figuras do tipo tráfico.

24/5/2022

AgRg no HABEAS CORPUS Nº 729.332 - SP (2022/0072818-5)

RELATOR : MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA

AGRAVANTE  : ____________________ (PRESO)

ADVOGADOS : DOUGLAS TEODORO FONTES  - SP222732  

MARCELO LEAL DA SILVA  - SP268285  

GABRIELLA MURARI POSSETI  - SP391958  

RENAN ANTON DEL MOURO  - SP451076  

MAYKON DAVID DA SILVA BARROS  - SP452864  

PEDRO CRIADO MORELLI E OUTROS - SP452882  

NATHÁLIA GALERA TAHA  - SP453403 

AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 

AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

IMPETRADO  : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 

EMENTA

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. EXECUÇÃO PENAL. CÁLCULO DE PENA PARA PROGRESSÃO DE  REGIME. REVOGAÇÃO DO § 2º DO ART. 2º DA LEI 8.072/90  (LEI DOS CRIMES HEDIONDOS) PELA LEI 13.964/2019   (PACOTE  ANTICRIME)  QUE  NÃO  AFASTA  A  CARACTERIZAÇÃO DO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33, CAPUT, DA LEI 11.343/2006) COMO DELITO EQUIPARADO A HEDIONDO. CLASSIFICAÇÃO QUE DECORRE DO ART. 5º, XLIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. O STJ, alinhando-se à nova jurisprudência da Corte Suprema, também passou a restringir as hipóteses de cabimento do habeas corpus, não admitindo que o remédio constitucional seja utilizado em substituição ao recurso ou ação cabível, ressalvadas as situações em que, à vista da flagrante ilegalidade do ato apontado como coator, em prejuízo da liberdade do paciente, seja cogente a concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus. (AgRg no HC 437.522/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 7/6/18, DJe 15/6/18)

2. A revogação do § 2º do art. 2º da lei 8.072/90 pela lei 13.964/19 não tem o condão de retirar do tráfico de drogas sua caracterização como delito equiparado a hediondo, pois a classificação da narcotraficância como infração penal STJ equiparada a hedionda decorre da previ são constitucional estabelecida no art. 5º, XLIII, da CF/88.

3. O plenário do STF, no julgamento do HC 18.533/MS, concluiu que "o tráfico de entorpecentes privilegiado (art. 33, § 4º, da lei 11.313/06) não se harmoniza com a hediondez do tráfico de entorpecentes definido no caput e § 1º do art. 33 da Lei de Tóxicos " (HC 118.533/MS, rel. ministra CÁRMEN LÚCIA, TRIBUNAL PLENO, DJe 16/9/16).

4. O fato de a lei 13.964/19 ter consignado, expressamente, no § 5º do art. caput 112 da Lei de Execução Penal, que não se considera hediondo ou equiparado o tráfico de drogas previsto no § 4º do art. 33 da lei 11.343/06 somente consagra o tratamento diferenciado que já vinha sendo atribuído pela jurisprudência ao denominado tráfico privilegiado. Isso, no entanto, não autoriza deduzir que a mesma descaracterização como delito equiparado a hediondo tenha sido estendida ao crime do art. 33, e § 1º, da Lei de Drogas.

5. Esta Corte já teve a oportunidade, em diversas ocasiões, de referendar a natureza de delito equiparado a hediondo do crime previsto no art. 33, caput , da lei 11.343/06, mesmo após a entrada em vigor da lei 13.964/19 (pacote anticrime), ressaltandose, inclusive que, no julgamento do recurso especial 1.918.338/MT ( rel. ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/5/21, DJe 31/5/21) pela sistemática dos recursos repetitivos (tema 1.084), no qual foi assentada a tese reconhecendo a possibilidade de aplicação retroativa do art. 112, V, da LEP a condenados por crimes hediondos ou equiparados que fossem reincidentes genéricos, o caso concreto tratou especificamente de condenado por tráfico de drogas.

Precedentes desta Corte sobre a mesma controvérsia posta nos autos: HC 733.052/RS, min. RIBEIRO DANTAS, DJe de 6/4/22; HC731.139/SP, rel. min. JOEL ILAN PACIORNIK, DJe de 29/3/22; HC 723.462/SC, rel. min. ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, DJe de 11/3/22 ; HC 726.162/SC, rel. min. RIBEIRO DANTAS, DJe de 16/3/22; HC 721.316/SC, rel. min. JOEL ILAN PACIORNIK, DJe de 8/2/22. 

Comentários

1. Os fatos

O caso dos autos foi o seguinte: no recurso, a defesa pretendia o reconhecimento de que o crime de tráfico de drogas perdesse sua caracterização como delito equiparado a hediondo, admitindo-se, por decorrência lógica da descaracterização, que fosse aplicado ao delito as frações de progressão de regime previstas na Lei de Execuções Penais para os crimes comuns.1

A defesa esperava-se que, com a revogação do § 2º do art. 2º da lei 8.072/90, fosse possível afastar o crime de tráfico de drogas como equiparado a hediondo. O ministro-relator, Reynaldo Fonseca, no entanto, não entendeu dessa forma.

Para o ministro, a revogação do § 2º do art. 2º da lei 8.072/90, não tem o condão de afastar o tráfico de ser delito equiparado a hediondo porque, segundo o relator, decorre de previsão constitucional, estabelecida no inciso XLIII do art. 5º da CRFB/88.

2. Lei anticrime

É preciso esclarecer que o § 5º do art. 112 da Lei de Execuções Penais, redação dada pela lei 13.964/19, ao prescrever que “não se considera hediondo ou equiparado, para os fins deste artigo, o crime de tráfico de drogas previsto no § 4º do art. 33 da lei 11.343, de 23/8/06”, referiu-se tão somente ao chamado tráfico privilegiado. De outro lado, não é possível deduzir que a mesma descaracterização tenha sido dada ao crime do art. 33, caput e § 1º da lei 11.343/06.

“Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão de cinco a 15 anos e pagamento de 500 a 1.500 dias-multa.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:

I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;

II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;

III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.

IV - vende ou entrega drogas ou matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas, sem autorização ou em desacordo com a determinação legal ou regulamentar, a agente policial disfarçado, quando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente.       (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019).” 

O eminente relator deixou consignado que o STJ, em diversas oportunidades, referendou a natureza de delito equiparado a hediondo do crime previsto no art. 33, caput, da lei  11.343/06, mesmo após a vigência da lei 13.964/19, a Lei Anticrime.

Voltando ao tráfico privilegiado, a doutrina aponta que a lei é expressa ao indicar que essa modalidade de tráfico não é considerada crime hediondo para os efeitos do art. 113 da LEP, ou seja, para a progressão.2

Para Renato Brasileiro de Lima, “A justificativa para o constituinte originário ter separado os crimes hediondos dos equiparados a hediondos está diretamente relacionada à necessidade de assegurar maior estabilidade na consideração destes últimos como crimes mais severamente punidos. Em outras palavras, a CF/88 autoriza expressamente que uma simples lei ordinária defina e indique quais crimes serão considerados hediondos. No entanto, para os equiparados a hediondos, o constituinte não deixou qualquer margem de discricionariedade para o legislador ordinário, na medida em que a própria CF/88 já impõe tratamento mais severo à tortura, ao tráfico de drogas e ao terrorismo.”3

3. Conclusão

Seguimos o entendimento sedimentado no Tribunal da Cidadania. Entendemos que a desclassificação dada foi apenas para a figura do tráfico privilegiado, restando imodificável as demais, ou seja, tipos penais equiparáveis a hediondo.

A novel legislação, nominada popularmente de pacote anticrime, poderia ter, se assim quisesse, desclassificar o label de hediondo as demais figuras do tipo tráfico. Assim não o fez, a nosso sentir, para respeitar o comando constitucional.

______________

1 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. O pacote anticrime não retirou o caráter hediondo do tráfico de drogas. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/5f5d472067f77b5c88f69f1bcfda1e08. Acesso em: 03/05/2022

2 Figueiredo, Patrícia, V. et al. LEI ANTICRIME COMENTADA: ARTIGO POR ARTIGO . Disponível em: Minha Biblioteca, (2ª edição). Editora Saraiva, 2021. P, 23.

3 LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada: volume único. 8. ed. – Salvador: JusPODIVM, 2020. In, CAVALCANTE, Márcio André Lopes. O pacote anticrime não retirou o caráter hediondo do tráfico de drogas. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: . Acesso em: 03/05/2022.

Wenner Melo
Advogado e jornalista. Especialista em Direito Público, Direito Administrativo com ênfase em Licitações e Contratos, Direito Tributário e Tributos Municipais e Antropologia Brasileira.

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