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O latido irracional e a má-fé do ataque à urna eletrônica

Basta olhar a atuação da Justiça Eleitoral para verificar que ela é pautada pelo devido processo legal administrativo e jurisdicional, com ampla abertura de diálogo com a sociedade.

24/5/2022

A urna eletrônica, ao mesmo tempo em que foi festejada, sempre sofreu questionamentos, sobretudo por parte de pessoas céticas quanto às novas tecnologias e duvidosas de aparelhos com maquinário complexo, cujo sistema não se vê operando a olho nu. Por mais confiável que seja a urna, e por mais que ela opere adequadamente, alguns permanecerão céticos, como há os que duvidam que o avião possa alçar voo porque é pesado.

Mesmo deixando de lado a questão da confiabilidade técnica, a fala atual de ataque à urna, no contexto em que se intensificou, é ainda mais irracional e revela má-fé. De fato, a investida contra o voto eletrônico passou a ter caráter organizado e institucional desde as eleições de 2018.1 O discurso se funda, em parte, na ideia de que o Poder Judiciário Eleitoral estaria comprometido ou seria conivente com o interesse ideológico de defesa da esquerda (ou do adversário).

Em contradição a essa ideia, justamente no ano de 2018 (momento, como se disse, em que os ataques à Justiça Eleitoral e à urna eletrônica se intensificaram por parte dos que integram e apoiam o atual governo), o TSE proferiu a decisão que negou o pedido de registro de candidatura do ex-presidente Lula. O TSE não só indeferiu o registro com rapidez2, como impediu o ex-presidente de realizar atos de campanha3, excluindo-o definitivamente da disputa, através de rigorosa interpretação do art. 16-A da Lei das Eleições (artigo que trata da chamada candidatura sub-judice).

À época do indeferimento do registro, Lula era o favorito4 e sua coligação sabia que dificilmente conseguiria transferir seu capital político a um substituto, o que de fato se comprovou em relação a Fernando Haddad. O TSE impediu inclusive o uso da imagem do ex-presidente nos atos de campanha de Fernando Haddad5. Caso não tivesse sido impedido desde logo pela Justiça Eleitoral de fazer campanha, Lula poderia ter chegado à situação a que chegam muitos candidatos: a de receber a maioria dos votos, ainda que depois não pudesse assumir. Para evitar o constrangimento democrático de um presidente ser eleito pelo voto popular e não poder tomar posse, o TSE negou, com celeridade, o pedido de registro de candidatura e afastou o efeito suspensivo recursal.

Dessa forma, a prevalecer o entendimento dos que atacam a urna com base na teoria conspiratória ideológica da Justiça Eleitoral, o pedido de registro do adversário foi negado, mas as urnas teriam sido fraudadas para favorecer essa mesma oposição e impedir que o atual presidente já fosse proclamado eleito no primeiro turno. Um verdadeiro contrassenso, só justificável pelo prazer tecnológico que poderiam ter os integrantes da Justiça Eleitoral de permitir a fraude por brincadeira.

Além de não haver demonstração concreta que fundamente o ataque à urna, basta olhar a atuação da Justiça Eleitoral para verificar que ela é pautada pelo devido processo legal administrativo e jurisdicional, com ampla abertura de diálogo com a sociedade. Suas decisões podem até ter o conteúdo criticado por serem excessivamente rígidas, mas a forma como são proferidas preza pelo direito de defesa formal, pelo contraditório e pela participação. Sua metodologia de atuação é guiada pela seriedade.

O mesmo não ocorre, porém, com aqueles que a criticam e atacam as urnas, com um discurso paralelo, fora das instituições, feito em redes sociais, com acusações que não viabilizam um diálogo transparente. Trata-se de um jogo realizado mais para desestabilizar a democracia do que para aperfeiçoá-la, sem base empírica para fundamentar minimamente as especulações conspiratórias.

Vale, portanto, o alerta: a discussão atual não é sobre a qualidade tecnológica das urnas nem sobre a lisura de atuação da Justiça Eleitoral. Advém, na verdade, do mero anseio de agressão vazia à instituição e ao maquinário que podem, pela sua atuação adequada, declarar a derrota de candidatos que não aceitam perder.

___________

1 Como destaca, Leonardo Avritzer, o Brasil “contou com uma forte maioria pró-democrática, expressa na ausência de contestação do resultado de todas a eleições de 1989 a 2010”. E acrescento que o apoio ao resultado das eleições vinha da aceitação silenciosa dos perdedores que apesar de discordarem do resultado, consideravam-no legítimo. (AVRITZER, Leonardo. O pêndulo da democracia. São Paulo: Todavia, 2019, pp. 10 e 11).

2 O pedido de registro de candidatura foi formulado em 15 de agosto de 2018, e seu indeferimento se deu ainda em 01 de setembro de 2018.

3 https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2018/Outubro/tse-fixa-tese-sobre-a-incidencia-do-artigo-16-a-da-lei-das-eleicoes

https://www.cnt.org.br/agencia-cnt/cnt-divulga-resultados-137-pesquisa-cnt-mda

5 Reclamação (1342) Nº 0601140-84.2018.6.00.0000 (PJE) – Brasília/DF

Raquel Cavalcanti Ramos Machado
Mestre pela UFC, doutora pela Universidade de São Paulo. Professora de Direito Eleitoral e Teoria da Democracia. Membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político - ABRADEP, do ICEDE, da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/CE e da Transparência Eleitoral Brasil.

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