Um dos principais fatores que diferem a democracia de um governo autoritário é a provisoriedade dos membros que ocupam o poder, ou seja, eles devem exercer mandato por tempo determinado.
Assim, no Brasil, o chefe do poder Executivo exerce um mandato de quatro anos, podendo ser reeleito (art. 82 da CF/88).
Já os membros do poder Legislativo têm mandatos de quatro e oito anos, dependendo se deputado ou senador, respectivamente (arts. 44, parágrafo único, e 46, §1º, da CF/88).
Todavia, no poder Judiciário, cuja instância máxima é a Suprema Corte, seus membros são vitalícios e se aposentam compulsoriamente somente aos setenta e cinco anos de idade.
Ainda que fundada em princípios teóricos nobres, a vitaliciedade, na prática, gera distorções e instabilidade entre as instituições, inclusive, dentro do próprio Judiciário, mesmo porque a ascensão ao topo da carreira jurídica passou a ser algo praticamente intangível.
Seus defensores aduzem que a vitaliciedade garante autonomia, estabilidade e independência aos ministros, para que eles possam exercer a tutela jurisdicional constitucional sem qualquer interferência externa.
Contudo, em que pese esse entendimento, um mandato pelo prazo de oito anos – igual ao dos senadores da República – também conferiria tal proteção; afinal, durante esse período de atuação, nenhum ministro sofreria qualquer tipo de interferência e a independência institucional estaria garantida.
A vitaliciedade persistiria apenas para os juízes de carreira.
Ao contrário desses magistrados, que exercem cargo público provido por concurso, daí a necessidade de se conferir vitaliciedade, os ministros do Supremo desempenham função pública especialíssima, considerada a incomensurável relevância desses agentes no cenário político-administrativo nacional, função que, de acordo com a própria concepção jurídica do termo, deveria ser temporária e não “eterna”.
Na prática, de acordo com o sistema atual, as indicações de ministros para o STF podem ser usadas como forma de prolongar ou “eternizar” para muito além do mandato de quatro anos a influencia do presidente que fez a nomeação.
Isso abarcaria determinados programas de governo, políticas públicas, tendências político-partidárias específicas, visões religiosas ou padrões morais de apenas um grupo, que, em muitos casos, destoam por completo dos anseios que realmente predominam na sociedade, considerada a dinâmica que lhe é afeta.
Essa situação pode gerar uma crise de legitimidade das decisões judiciais proferidas pela Suprema Corte e, em último caso, atentar contra o próprio sistema de representatividade, pilar fundamental da democracia.
No mais, uma maior rotatividade de ministros no Supremo não comprometeria a segurança jurídica das decisões, pois a mudança de entendimento pretoriano não deve decorrer da simples alteração da composição de seus membros e sim balizar-se por parâmetros jurídicos.
Em outras palavras, o abandono de uma tese jurídica não pode e não tem como critério ou causa apenas a mudança dos membros da Corte, mas interpretação plausível da norma, sempre de acordo com os preceitos fundamentais previstos na Carta Magna.
Aliás, mesmo com a vitaliciedade, o repositório jurisprudencial do Supremo apresenta diversos exemplos de mudanças bruscas e repentinas nos posicionamentos da Corte.
Exemplo recente e notório se refere ao alcance do princípio fundamental da presunção de inocência, previsto no art. 5º, LVII, da CF/88.
Realmente, em menos de oito anos, o STF, mesmo sem uma mudança substancial na sua composição, revisou a jurisprudência sobre essa matéria algumas vezes, a última delas em fevereiro de 2016, por ocasião do julgamento do Habeas Corpus 126.292.
Disso se extrai, portanto, que a vitaliciedade não é argumento para concluir-se que esse atributo confere estabilidade jurídica nos posicionamentos daquele tribunal.
Na realidade, a mudança repentina e radical da jurisprudência sobre determinada matéria está associada, algumas vezes, não à coerência ético-teórica, mas sim à influência política segundo a orientação do presidente que nomeou o ministro.
Para evitar esse estado de coisas, além da limitação do período de atuação (mandato de oito anos), outra proposta seria alterar a forma de nomeação dos integrantes do Supremo, como a apresentação pelos tribunais estaduais e federais de uma lista sêxtupla ou tríplice ao chefe do poder Executivo.
Atualmente, os candidatos à Suprema Corte são indicados, livremente, pelo presidente da República, sem parâmetro definido, o que permite a qualquer pessoa ascender ao topo do poder Judiciário, mesmo sem dispor de qualquer experiência e atuação na magistratura ou na advocacia.
Essa situação, evidentemente, gera uma sensação de injustiça entre os membros da própria magistratura, os quais, mesmo com base na antiguidade e merecimento, são relegados ao esquecimento quando das nomeações ao STF, a não ser que consigam apoio político junto ao Planalto, fazendo uma verdadeira peregrinação por gabinetes que possam ter influencia nessa nomeação.
Isso, inclusive, pode resultar em uma troca de favores, não raro em prejuízo do bem comum.
Daí a lista referida, nada impedindo que 1/3 das vagas da Corte sejam reservadas a advogados militantes e membros do MP.
Dessa forma, sem demérito para os ministros que integram a Corte atualmente, seria induvidoso o notável saber jurídico a que alude a lei maior.
Atualmente, diante de algumas decisões ou postura de alguns ministros daquele Sodalício, ainda que detentores de inegável saber jurídico, torna-se nítida a diferença de formação entre um ministro de fora da carreira e um juiz aprovado em concurso público e submetido à escola da magistratura.
Daí não serem raras na Corte a antecipação de posições sobre temas a serem submetidos a julgamento, críticas públicas envolvendo colegas da mesma Corte ou outras autoridades, declarações à mídia que foge do âmbito de atuação dos ministros, tudo com possível potencial para gerar instabilidade política e institucional.
Tal disparidade, sem duvida, gera uma crise de identidade dentro do próprio Judiciário brasileiro.
Afinal, o STF, como instância máxima da Justiça, sempre serviu como norte para a magistratura.
Nessa senda, imprescindível o mandato de oito anos, sem possibilidade de recondução, como sugerido acima.1
Além disso, seria preciso alterar o meio de provimento desse cargo, tamanha sua importância, observando-se a forma referida linhas atrás ou outra parelha.
Evidente que alterações constitucionais envolvendo a matéria não valeriam para os ministros atuais, diante do art. 5º , XXXVI, da CF/88, mas, seria um caminho exitoso rumo a um sistema mais justo, oxigenado e afinado com os princípios democráticos.
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1 (para apoiar, acesse: https://www.ivansartori.com.br/abaixo-assinado).