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Ouvidoria pública municipal em terrae brasilis, um breve panorama

O crucial é, o quanto antes, entendermos a sua relevância e capilarizarmos essa importante instituição de accountability em terrae brasilis, sob pena de continuarmos com um arcaico sistema de controle e responsabilização de nossos agentes públicos.

23/5/2022

Este artigo jurídico tem como base de análise o belo livro de lavra de Camila Gonçalvez de Mario, livro este que tive a felicidade de conhecer recentemente durante uma busca na internet. Então faço o disclaimer que aquele que se interessar pelo tema poderá encontrar informações valiosas ao consultar a obra da autora Camila chamada Ouvidorias Públicas Municipais no Brasil, publicada pela Paco Editorial. Todas as citações feitas nesse texto tem como base a 1ª edição da referida obra.

Feito o aviso, passemos ao texto propriamente dito.

A instituição Ouvidoria, claramente inspirada no modelo de ombudsman no Brasil, consubstancia-se em um elo entre o Estado e a sociedade, logo, fica fácil perceber a importância de seu papel. Essa relação Estado e sociedade civil, como bem pontuou a autora supracitada, tem sido caracterizada por uma “lógica autoritária e excludente” desde os tempos coloniais (p. 13). Nesse diapasão, fica ainda mais perceptível o porquê de ser ainda mais relevante a criação, ou melhor, a maior capilarização dessas instituições que têm uma verdadeira função de estreitar os laços sociedade civil-Estado.

Apenas para fins de melhor contato com a praxe, iremos mostrar quais as atribuições de uma Ouvidoria Pública Municipal. Em homenagem à autora do texto que inspirou esse artigo, escolhemos a Ouvidoria Municipal de Campinas, senão vejamos quais as atribuições de tal órgão estampadas na lei municipal respectiva (12.056/04):

“art. 2º A Ouvidoria Geral do Município de Campinas tem as seguintes atribuições:

I - receber e apurar denúncias, reclamações, críticas, comentários e pedidos de informação sobre atos considerados ilegais comissivos e/ou omissivos, arbitrários, desonestos, indecorosos, ou que contrariem o interesse público, praticados por servidores públicos do município de Campinas ou agentes públicos;

II - diligenciar junto às unidades da Administração competentes para a prestação por estes, de informações e esclarecimentos sobre atos praticados ou de sua responsabilidade, objeto de reclamações ou pedidos de informação, na forma do inciso I deste artigo;

III - manter sigilo, quando solicitado, sobre as reclamações ou denúncias, bem como sobre sua fonte, providenciando, junto aos órgãos competentes, proteção aos denunciantes;

IV - informar ao interessado as providências adotadas em razão de seu pedido, excepcionados os casos em que a lei assegurar o dever de sigilo;

V - recomendar aos órgãos da Administração a adoção de mecanismos que dificultem e impeçam a violação do patrimônio público e outras irregularidades comprovadas;

VI - elaborar e publicar trimestral e anualmente no Diário Oficial do Município, relatório de suas atividades e avaliação da qualidade dos serviços públicos municipais;

VII - realizar cursos, seminários, encontros, debates e pesquisas versando sobre assuntos de interesse da Administração Municipal no que tange ao controle da coisa pública;

VIII - coordenar ações integradas com os diversos órgãos da municipalidade, a fim de encaminhar, de forma intersetorial, as reclamações dos munícipes que envolvam mais de um órgão da administração direta e indireta;

IX - comunicar ao órgão da administração direta competente para a apuração de todo e qualquer ato lesivo ao patrimônio público de que venha a ter ciência em razão do exercício de suas funções, mantendo atualizado arquivo de documentação relativo às reclamações, denúncias e representações recebidas.”

Outro ponto relevante a ser dito, além das essenciais atribuições da instituição, é aquele referente à accountability, palavra tão em voga no momento no direito. Pois bem, podemos, correndo talvez o risco de sermos por demais simplistas, mas dentro do escopo de brevidade do panorama, explicar a accountability como instituto dentro do binômio transparência-responsabilização. Nesse sentido, a Ouvidoria Pública Municipal seria um instrumento para gerar um índice maior de accountability, pois permite um melhor controle social das demais instituições, funcionando a própria ouvidoria como um “instrumento ao quadrado” (instrumento do instrumento), uma vez que é utilizada como via para o meio da accountability se fazer presente me maior medida.

Também é relevante de menção a esfera de atuação da Ouvidoria, nesse caso, a Municipal. Entendo que, dentro da lógica do federalismo tricotômico que o Brasil possui (União-Estados-Municípios, sem entrar na questão do ente sui generis do Distrito Federal), não faz o menor sentido inexistirem ouvidorias em todos os níveis, cada uma guardando sua função em razão da já conhecida técnica na área do direito da preponderância de interesses. Ou seja, se preponderarem interesses locais, seria caso de atuação da ouvidoria do Município, se fosse o caso de preponderância de interesses regionais, entraria em tela a ouvidoria dos Estados, e se o problema fosse nacional, superando as barreiras regionais, então teríamos um caso para a ouvidoria do âmbito Federal.

Nessa ressonância podemos já intuir a importância da existência de Ouvidorias Públicas Municipais, uma vez que mais próximas da população em si. Veja-se que o Brasil possui mais de 5.500 Municípios, e tal capilaridade, que viria da instituição de ouvidorias em todos os Municípios, é crucial para o bom estabelecimento desse diálogo privado-público. No entanto, como podemos perceber analisando a obra de Camila, infelizmente não é isso que acontece, sendo que, até 2011, existiam apenas 110 Ouvidorias Públicas Municipais (p. 25).

No mais, a Ouvidoria Pública Municipal também permite aquilo que se chama de gestão participativa. Segundo Camila Gonçalves de Mário, a gestão participativa aparece como:

“[...] oportunidade de elaboração e implantação de políticas públicas e sociais condizentes com a realidade e capazes de diminuir a dívida social e políticas que não somente atendessem as carências dos pobres, como universalizassem os direitos e garantissem o acesso à cidade, à moradia, saúde, educação, que possibilitassem qualidade de vida e não mais sob a lógica das classes dominantes.” (pp. 22 e 23). 

Enfim, do quanto brevemente exposto no texto, deu para ter uma pequena ideia da importância das Ouvidorias Públicas Municipais, bem como de seu potencial para a melhora da vida do brasileiro. O crucial é, o quanto antes, entendermos a sua relevância e capilarizarmos essa importante instituição de accountability em terrae brasilis, sob pena de continuarmos com um arcaico sistema de controle e responsabilização de nossos agentes públicos.

Paulo Schwartzman
Mestrando em Estudos Brasileiros - IEB-USP. Escritor e estudioso, foca-se na interpretação interdisciplinar dos fatos. Assessor de juiz no TJ/SP. Esp. em Direito Civil. Insta:@opauloschwartzman

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