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A lei da SAF e suas implicações trabalhistas

Já na hipótese de recuperação judicial e extrajudicial, o clube se submeterá às condições da lei 11.101/05.

16/5/2022

Com a tão esperada promulgação da lei 14.193/21, vigente desde agosto do ano passado, ficou autorizado aos clubes praticantes do velho esporte bretão se organizarem sob a forma de SAF – Sociedades Anônimas de Futebol.

O golaço desta nova legislação é o estabelecimento de mecanismos para a proteção patrimonial e parcelamento de dívidas para os clubes que optarem pelo novo modelo de capital aberto.

Diante da crítica saúde financeira da maior parte dos clubes de futebol brasileiros, com grandes passivos trabalhistas, fiscais, etc., estes mecanismos possibilitam um maior interesse de investidores, o que já estamos verificando em alguns grandes times do futebol brasileiro, bem como o aumento da receita.

No âmbito das repercussões trabalhistas, sobretudo em relação à proteção patrimonial, importantes limitações foram trazidas com a lei, valendo destacar:

- que a SAF não responde pelas obrigações do clube, anteriores ou posteriores à data da sua constituição, exceto em relação às dívidas trabalhistas com atletas, membros da comissão técnica e funcionários cuja atividade principal seja vinculada diretamente ao departamento de futebol;

- que a responsabilidade quanto ao pagamento não é direta, mas por meio das receitas que serão transferidas aos clubes, na forma estabelecida na lei, a saber: por destinação de 20%, das receitas correntes mensais auferidas pela SAF; e por destinação de 50%, dos dividendos, dos juros sobre o capital próprio ou de outra remuneração recebida, na condição de acionista.

Assim, a SAF terá a responsabilidade de repassar os valores ao clube e não poderá ser obrigada a responder com seu patrimônio direto e total em relação às dívidas trabalhistas existentes.

Neste aspecto, importante ressaltar que a proteção concedida ao patrimônio da SAF não é absoluta, mas somente enquanto, tanto o clube quanto a SAF, observarem os planos de pagamento. No caso de descumprimento a SAF, o clube, administradores, dirigentes e sócios da pessoa jurídica original poderão ser responsabilizadas pelas dívidas.

Ao mencionarmos planos de pagamento (e quitação de dívidas), cumpre dizer que a lei da SAF estabeleceu três formas distintas, que poderão ser escolhidas pelos clubes, conforme critério próprio e individual. Serão elas por meio de pagamento de valores diretamente aos credores; pela constituição do Regime Centralizado de Execuções; ou por meio de recuperação judicial ou extrajudicial.

Na hipótese de pagamento diretamente aos credores, a lei autoriza, por meio de negociação coletiva, estabelecer plano de pagamento de forma diversa ao sugerido pela SAF. Além disso, é facultado ao credor a conversão da dívida, no todo ou em parte, em ações da sociedade ou em títulos emitidos, desde que previsto no estatuto. Por fim, a lei faculta ao credor o direito de aceitar deságio sobre o valor do débito.

Com relação ao RCE – Regime Centralizado de Execuções, esse é um método de pagamento bastante semelhante aos modelos já conhecidos na Justiça do Trabalho, que visa concentrar em um único juízo todas as execuções judiciais de natureza trabalhista, estabelecendo a ordem dos credores e as receitas a serem destinadas para o pagamento. Tal parcelamento vigorará por seis anos, podendo ser prorrogado por mais quatro anos, de acordo com o que prevê a lei.

Já na hipótese de recuperação judicial e extrajudicial, o clube se submeterá às condições da lei 11.101/05. Ou seja, essa lei estabelece um período de suspensão das ações e execuções em face da empresa em recuperação judicial de 180 dias, podendo ser prorrogado por outros 180 dias.

Na prática, o legislador concedeu opção extremamente mais vantajosa na adoção do RCE em comparação à recuperação judicial ou extrajudicial, tendo em vista os prazos para pagamento de cada método de quitação da dívida, sendo o primeiro de dez anos e o segundo de um ano.

Assim, com as proteções patrimoniais garantidas à SAF, é possível afirmar que o legislador afastou, pelo menos em tese, a aplicação da sucessão trabalhista, conforme estabelecido pela CLT – Consolidação das Leis do Trabalho. Apesar das proteções patrimoniais, há lacunas na lei, especialmente quanto aos contratos continuados pela SAF.

A lei estabelece que os passivos anteriores à constituição da SAF são de responsabilidade do clube. No entanto, a mesma lei não aborda situações que envolvam a continuidade do contrato. Neste caso, qual a natureza da relação e qual responsabilidade do clube e da SAF. Ou seja, já que os contratos continuados se renovam no tempo, existindo passivo não materializado antes da constituição da SAF, a lei não estabelece qual o tipo da responsabilidade da SAF e não prevê limitação temporal em execuções futuras.

Nesse sentido, entendemos que, com a continuidade da prestação de serviços de profissionais, para a SAF, a possibilidade de sucessão de empregadores poderá ser confirmada em caso de discussão futura na Justiça do Trabalho, podendo a Sociedade ser responsável pelas dívidas associadas, tanto as passadas quanto as atuais.

Sem dúvida, essas são as repercussões trabalhistas mais relevantes tratadas no cenário atual diante da nova lei da SAF. No entanto, com a criatividade prática na implementação da nova lei e as várias interpretações jurisprudenciais acerca do tema, certamente teremos ainda outros pontos interessantes de discussão e comentários, que, como sempre, traremos para vocês na primeira oportunidade.

Marcio Meira
Sócio da área trabalhista do escritório Campos Melo Advogados.

Thaís Acioli
Associada da área de trabalhista do Campos Melo Advogados. O CMA assessorou o investidor John Textor na transformação do Botafogo em SAF.

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