Um dos assuntos mais discutidos e comentados atualmente é o metaverso, que é visto por muitos como a próxima evolução do mundo digital.
Trata-se de um novo conceito em que, por meio de um ecossistema cibernético, pessoas e empresas integram o mundo real com o virtual, interagem de uma forma imersiva, no qual é permitido, por exemplo, o experimento de produtos, a compra e venda de terrenos virtuais, transações comerciais através de criptomoedas, criação de avatares, transmissão de eventos interativos, jogos e até mesmo, realizações de reuniões remotas em ambiente profissionais.
Com o crescimento global do interesse sobre o assunto e a perspectiva de um novo negócio, diversas empresas multinacionais começaram a investir na criação e aprimoramento do seu próprio ambiente virtual. O Facebook mudou o nome para “Meta” (Meta Platforms) e está investindo em tecnologia que permitirá conexões sociais no metaverso, mas esta não é a única plataforma que propiciará o acesso a essa experiência.
Cada vez mais empresas estão investindo em ações e interações em plataformas e universos virtuais e algumas já lançaram produtos no metaverso. Alguns exemplos são Disney, Ralph Lauren, Itaú, Vans, Fortnite, Gucci, Balenciaga, Burberry e Stella Artois.
A Boeing, divulgou que pretende lançar seu próximo avião no metaverso. A Nike comprou a fabricante de tênis virtual RTFKT e pretende expandir rapidamente a sua presença no crescente metaverso.
Portanto, já é possível afirmar que o metaverso está se consolidando e não é apenas uma aposta em uma tecnologia inovadora, mas uma tendência para os negócios, que vem acompanhada de diversos desafios jurídicos passíveis de discussão.
A proteção de dados tem sido uma grande preocupação para as pessoas e autoridades ao redor mundo. Uma das principais questões diz respeito sobre como as empresas tratam as informações fornecidas pelos clientes e por quanto tempo elas podem ser utilizadas. Muitos desses questionamentos já foram abordados em leis e regulamentos, mas sua efetiva implementação e fiscalização ainda é desafiadora. No Brasil, o direito à proteção de dados está previsto na Constituição Federal como um direito fundamental. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e o Marco Civil da Internet no Brasil tratam de regulamentar a questão, mas estão em tramitação projetos de lei que tratam de temas correlatos, tais como a chamada “LGPD Penal” e a regulamentação da inteligência artificial.
No metaverso, como a experiência virtual é ainda mais profunda e pode tratar uma quantidade muito maior de metadados e de dados pessoais, inclusive os sensíveis, é esperado que os órgãos reguladores voltem suas atenções para esse ambiente. Recentemente, a Europa editou o DSA (Digital Services Act), que tem por objetivo regular a oferta de produtos e serviços digitais, por exemplo, vedando a publicidade direcionada a crianças ou baseada em dados sensíveis, como raça, religião, gênero e opiniões filosóficas ou políticas. Nota-se, portanto, a tendência de maior regulamentação, para afastar a ideia de que a internet, ou o metaverso, seja “terra sem lei”. Isso porque determinadas situações podem ir contra, ou pôr em questionamento, os limites legais existentes. Apontamos a seguir alguns dos desafios jurídicos originados nessa nova realidade.
No âmbito contratual, é preciso estabelecer as regras de legislação e foro aplicáveis. Um contrato firmado entre duas organizações multinacionais dentro do metaverso, por exemplo, pode ter validade apesar do suporte eletrônico, mas é preciso que se estabeleça a lei de regência, seja possível aferir a legitimidade e os poderes de quem contrata, a jurisdição competente para julgar a validade desse contrato.
O setor imobiliário ganha um especial destaque no metaverso, uma vez que indivíduos e empresas já investem quantias significativas na compra e venda de “propriedades virtuais” existentes no metaverso. Tais ativos digitais, incluindo criptomoedas e NFTs (tokens não fungíveis) são tratados pela Receita Federal como bens e devem ser declarados ao Fisco. Então, futuramente, será possível a realização de uma penhora sobre uma propriedade virtual. Resta saber como o Poder Judiciário irá operacionalizar isso.
No campo da propriedade intelectual, destacamos que a criação de novos ativos digitais, como a NFT, são passíveis de registro e possuem diversos modelos de licenciamento distintos, que podem variar conforme a política de cada criador ou proprietário.
Quanto aos demais direitos fundamentais, os direitos de imagem, honra e privacidade no metaverso, também podem ser objeto de debate, uma vez que os usuários interagem por meio de suas próprias representações virtuais, chamadas avatares. Nessa relação, como serão caracterizados os ataques à honra, à imagem ou à privacidade? Foi noticiado que, em uma reunião no metaverso, um colega de trabalho apresentou comportamento inapropriado ao tocar o avatar de uma colega. Nesse caso, será necessário discutir como lidar com possíveis crimes no metaverso. Enquanto não houver uma previsão penal específica, não se pode falar em crime, mas é possível considerar as regras e políticas corporativas para colocar limites às relações de trabalho, inclusive, virtuais.
Fato é que diante das novas transações e acontecimentos realizados no metaverso, certamente surgirão desafios jurídicos, que demandarão maiores esclarecimentos e soluções legais. O metaverso é uma inovação consubstanciada tanto no mundo digital que inevitavelmente impactará o direito, o qual está presente em todas as relações sociais.