Migalhas de Peso

Notas sobre o bloqueio de ativos financeiros em execuções fiscais sem a citação do “devedor”

O ambiente de cobrança fiscal tem que se adequar à realidade social. É importante sempre ter em mente que não há tributo sem mercado e o ambiente institucional deve ser respeitado.

3/5/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

O subsistema jurídico deve representar um conjunto de elementos com racionalidade, coerência e funcionalidade em prol do controle de falhas do sistema1 social. O subsistema do direito, portanto, deve equilibrar tais falhas. A ciência, por sua vez, serve para orientar na solução das falhas do sistema, sendo constituída de um conjunto de enunciados que visa a transmitir informações da estrutura e suas relações2.

Na práxis, ainda se verifica uma série de equívocos metodológicos do sistema judicial que acabam motivando intervenções desnecessárias que geram custos de transação e danos às liberdades e à propriedade dos agentes econômicos. Um desses exemplos é a reiterada interpretação de alguns juízes de varas de execução fiscal no sentido de determinarem, antes da citação do “devedor”, o bloqueio de ativos.

A tese dos juízes, in casu, se baseia na possibilidade de frustração da execução ou da possível prática de fraudes do “devedor”. Ocorre, com o devido respeito, que o sistema do direito deve trabalhar com a premissa da boa-fé e não pode permitir a generalização da má-fé. Essa posição acaba invertendo a lógica do processo judicial, em que o juiz não deve exercer a função de “extensão da auditoria fiscal”. O juiz é justamente o agente que deve promover o controle das falhas da relação jurídica, inclusive, quando necessário, em desfavor do Estado, dentro de uma atividade com coerência e de apego à legalidade.

O destaque ao tema é atual em face da continuidade dessa prática em vários juízos de execução, na maioria das vezes ex officio, isto é, sem a provocação da Fazenda Pública, como se fosse, sem ser, um “bloqueio cautelar”, que exigiria um rito próprio e uma comprovação de eventual risco de práticas desleais do “devedor”.

Fazer o bloqueio sem antes dar a oportunidade de citar a parte é uma ofensa à legalidade e ao devido processo legal, na medida em que viola frontalmente a possibilidade do contraditório e da ampla defesa. Muitos desses bloqueios de ativos financeiros acabam gerando impactos em atividades empresariais já fortemente afetadas pela crise oriunda da Pandemia e sua repercussão em defaults de contratos e de encargos como folhas de salários e insumos.

O ambiente de cobrança fiscal tem que se adequar à realidade social. É importante sempre ter em mente que não há tributo sem mercado e o ambiente institucional deve ser respeitado. Isso é muito bem explicado pela Teoria dos Jogos e pela Análise Econômica do Direito. O sistema não deve criar desestímulos à atividade econômica produtiva e nem criar excessos que são falhas maiores do que os problemas que pretende corrigir. Deve, pois, haver respeito ao método do sistema.3

O pior é que os tribunais vêm, há anos, defendendo a posição de que esses excessos não se justificam. O STJ4 define que apenas em casos de comprovada tentativa de fraude, pode o juiz deferir um bloqueio antecipado, e isso mesmo mediante certos pressupostos e excepcionalmente. Não é a regra geral.

O TRF da 5ª região é também um exemplo que merece registro, pois não admite essa inversão retórica em prol do fisco de modo desproporcional e ilegal. Em reiterados acórdãos da Corte, registra-se que “[...] não restou configurada a situação autorizadora do bloqueio cautelar dos ativos financeiros do devedor. Não há evidência de risco de prejuízo à execução no caso de citação do devedor. O bloqueio não se justifica, pois não há qualquer evidência de que a agravante esteja se desfazendo de seu patrimônio para deixar de arcar com a eventual responsabilidade tributária. [...]” (TRF5. AG 144.265. Relator: Desembargador Federal CARLOS RABÊLO JÚNIOR. Terceira Turma. Votação unânime. DJe 19/07/2016).

O então desembargador Federal e atual ministro do STJ, Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, ainda quando atuava no TRF da 5ª região5, consignou muito adequadamente que: “[...] A penhora on line, antes da citação, só poderá ser admitida em situações excepcionais, que demonstrem a existência de uma situação de tamanha gravidade capaz de ensejar a utilização da medida assecuratória [...]” (TRF5 - PROCESSO: 00096864920144050000, AG140810/PE, RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO NAVARRO, Terceira Turma, JULGAMENTO: 05/03/2015, PUBLICAÇÃO: DJE 06/03/2015 - Página 138).

Ademais, não caberia sequer se argumentar que o STJ admite bloqueios judiciais antecedentes à própria citação em todos os casos. Em verdade, a Corte Superior, ao julgar o REsp 1.184.765/PA apenas se absteve de analisar contexto fático-probatório por expressa vedação de sua súmula 07, e, além disso, não exime o credor de demonstrar as circunstâncias especiais que autorizariam a medida liminar no caso concreto e nem o magistrado de ponderar o pedido à luz do caso concreto.

Desse modo, tem-se o evidente equívoco metodológico de se determinar bloqueios em execuções fiscais antes da citação, salvo nos casos de justificada exceção, que envolva provas de práticas desleais do “devedor”. Nas hipóteses gerais, a regra é o procedimento normal e sem excessos, até porque o “devedor” pode comprovar eventuais falhas do lançamento tributário, o que somente será examinado no rito próprio e sem atropelos. Razão assiste, infelizmente, a Klaus Tipke6, com referência a Klaus Vogel, ao criticar o direito tributário, pois este se converteu em um ramo jurídico difícil de abarcar, porquanto são sistemáticas as manifestações de juízes superiores, advogados e cientistas, que descrevem o vigente direito tributário como “caos”, “selva” ou até mesmo “perversão”. Fica a reflexão para que o sistema corrija essas reiteradas e desnecessárias falhas.

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1Heinz Robert Heller. O Sistema EconômicoUma Introdução à Teoria Econômica. Tradução: Terezinha Santoro. Revisão: José Paschoal Rossetti. São Paulo: Atlas, 1977, p. 17.

2 Cf. Tércio Sampaio Ferraz Jr. A ciência do direito. São Paulo: Atlas, 1995, p. 10.

3 Cf. Cristiano Carvalho. Teoria do Sistema Jurídico – direito, economia e tributação. São Paulo: Quartier Latiin, 2005, p. 38.

4 “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. BLOQUEIO DE ATIVOS FINANCEIROS, MEDIANTE ARRESTO EXECUTIVO, VIA SISTEMA BACENJUD, ANTES DA PRÁTICA DE ATOS JUDICIAIS TENDENTES A LOCALIZAR O DEVEDOR PARA A CITAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM A ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL FIRMADA PELO STJ. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83/STJ. AGRAVO REGIMENTAL  IMPROVIDO. I. Agravo Regimental interposto em 28/10/2015, contra decisão publicada em 16/10/2015. II. Na forma da jurisprudência firmada pelo STJ, admite-se o arresto de dinheiro, via Sistema Bacenjud, nos próprios autos da execução, se preenchidos os requisitos legais previstos no art. 653 (existência de bens e não localização do devedor) ou no art. 813 (demonstração de perigo de lesão grave ou de difícil reparação), ambos do CPC/73. Em relação ao arresto executivo, também designado arresto prévio ou pré-penhora, de que trata o art. 653 do CPC/73, tal medida visa assegurar a efetivação de futura penhora na execução por título extrajudicial, na hipótese de o executado não ser encontrado para citação. Assim, desde que frustrada a tentativa de localização do executado, é admissível o arresto executivo de seus bens. Precedentes do STJ (REsp 1.044.823/PR, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, DJe de 15/09/2008; REsp 1.240.270/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 15/04/2011; REsp 1.407.723/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe de 29/11/2013; REsp 1.370.687/MG, Rel. Ministro ANTÔNIO CARLOS FERREIRA, DJe de 15/08/2013; REsp 1.338.032/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, DJe de 29/11/2013). III. Na hipótese dos autos, considerando que é incontroversa a falta de demonstração, na petição inicial da Execução Fiscal, dos requisitos autorizadores da medida cautelar de arresto, prevista nos arts. 813 e seguintes do CPC/73, e levando-se em consideração, outrossim, que o arresto executivo dos valores pertencentes ao executado ocorreu anteriormente a qualquer tentativa de citação deste, impõe-se a conclusão de que o acórdão recorrido está em harmonia com a orientação firmada pelo STJ. Por conseguinte, deve ser mantida a inadmissão do Recurso Especial, com base na Súmula 83/STJ. IV. Agravo Regimental improvido”. (STJ. AGAREsp 555.536. Relatora: Ministra ASSUSETE MAGALHÃES. Segunda Turma. Votação unânime. DJe 02/06/2016); “TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. BACENJUD. CITAÇÃO.  NECESSIDADE. DEVIDO PROCESSO LEGAL. OBSERVÂNCIA. 1. A jurisprudência desta Corte Superior firmou entendimento no sentido de que, apenas quando o executado for validamente citado, e não pagar nem nomear bens à penhora, é que poderá ter seus ativos financeiros bloqueados por meio do sistema BACENJUD, sob pena de violação ao princípio do devido processo legal. Precedentes: AgRg no AREsp 512.767/RS, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 26/5/2015, DJe 3/6/2015; EDcl no AgRg no AREsp 195.246/BA, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 17/12/2013, DJe 4/2/2014; AgRg no AREsp 507.114/PE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 5/8/2014, DJe 18/8/2014; AgRg no AREsp 554.742/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 7/10/2014, DJe 15/10/2014. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ. AGARESP 668.309. Relator: Ministro SÉRGO KUKINA. Primeira Turma. Votação unânime. DJe 28/03/2016); “PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO DEMONSTRADA. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA. BACENJUD. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 53 DA LEI 8.212/1991. 1. Hipótese em que o Tribunal local consignou que "lançar mão da indisponibilidade dos bens da parte executada, antes da sua regular citação (prerrogativa processual igualmente prevista no art. 8º da Lei nº 6.830/80), não encontra abrigo na legislação de regência acima destacada". 2. O Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia, tal como lhe foi apresentada. Não é o órgão julgador obrigado a rebater, um a um, todos os argumentos trazidos pelas partes em defesa da tese que apresentaram. Deve apenas enfrentar a demanda, observando as questões relevantes e imprescindíveis à sua resolução. 3. Esta Corte Superior consolidou o entendimento de que, nos termos do art. 53 da Lei 8.212/1991, a penhora deve ser realizada concomitantemente à citação, e não antes desse ato processual. Portanto, ao contrário do que alega a parte recorrente, a norma não autoriza a efetivação da penhora antes da citação. Precedente. 4. Agravo Regimental não provido.” (STJ. AGARESP 507.114. Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN. Segunda Turma. Votação unânime. DJe 18/08/2014).

5 Mais recentemente, o TRF da 5ª. Região vem mantendo o posicionamento de modo coeso. Nesse sentido: A jurisprudência mais recente desse E. Tribunal é toda no mesmo sentido: “PROCESSO Nº: 0810974-52.2021.4.05.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO AGRAVANTE: MARCOS TEOFILO DA SILVA ADVOGADO: Ewerton Mendonça Figuerêdo AGRAVADO: CONSELHO REGIONAL DOS REPRESENTANTES COMERCIAIS DE PE ADVOGADO: Laércio De Souza Ribeiro Neto RELATOR(A): Desembargador(a) Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima - 2ª Turma EMENTA PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA "ON LINE". SISBAJUD ANTES DA CITAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. AFRONTA AO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. 1. Trata-se de agravo de instrumento de MARCOS TEOFILO DA SILVA, em contrariedade à decisão proferida em sede de execução fiscal, que determinou a citação da parte e a penhora prévia, com base no art. 854 do CPC, via sistema SISBAJUD. 2. Assiste razão ao agravante. 3. É que penhora de bens no processo de execução (seja por meio eletrônico, seja por meio convencional) pressupõe a citação do devedor. É isso o que estabelece o devido processo legal estabelecido na Lei de Execuções Fiscais. 4. A parte demandada na execução é citada para pagar ou nomear bens à penhora.  E, somente então, a lei prevê a prática de atos constritivos e expropriatórios. 5. Antes da citação, somente seria possível a prática de atos de natureza cautelar. Porém, não é este o caso, vez que nenhuma justificativa cautelar foi apresentada para o deferimento da medida. 6. Agravo de instrumento provido, para tornar sem efeito a decisão que determinou a penhora anterior à citação.” PROCESSO: 08109745220214050000, AGRAVO DE INSTRUMENTO, DESEMBARGADOR FEDERAL  PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA, 2ª TURMA, JULGAMENTO: 12/04/2022); “EMENTA TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. BLOQUEIO DE ATIVOS FINANCEIROS. PENHORA ELETRÔNICA ANTES DA CITAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PROVIMENTO. 1. Agravo de instrumento interposto por pessoa jurídica contra decisão que, em sede de Execução Fiscal, indeferiu pleito formulado pela recorrente com vistas a assegurar o desbloqueio dos valores constritos em suas contas bancárias no importe de R$ 373.756,63. 2. Pretensão recursal consubstanciada no reconhecimento da ilegalidade da mencionada restrição, determinando-se a liberação dos valores indevidamente constritos na conta da recorrente. 3. Antes da citação do responsável pela dívida não há que se falar na efetiva existência de um processo propriamente dito, de forma que não haveria como o suposto devedor ter sua esfera patrimonial atingida por atos de constrição adotados previamente à angularização da relação processual. Essa oportunidade se dá com os embargos, e estes pressupõem a penhora; a citação da execução se verifica para que ocorra o pagamento. 4. A mera alegação de que a citação da parte executada ensejaria o "esvaziamento" das suas contas bancárias e/ou aplicações financeiras - sem elementos fáticos que indiquem tal risco -, não tem o condão de justificar a penhora eletrônica antes da citação, sob pena de afronta aos princípios do contraditório e da ampla defesa. A má-fé não se presume, devendo, ao contrário, ser provada de maneira clara e inequívoca. 5. Descabimento da adoção da providência combatida sob o fundamento de que se cuida de um arresto cautelar. Isso porque, por força do que preceitua o art. 301 do NCPC, apenas é possível a realização do arresto cautelar initio litis, portanto sem que ainda tenha havido a citação da parte adversa, quando, relevantes os argumentos que a ensejem, esteja o julgador diante de uma situação de tamanha gravidade capaz de justificar a utilização imediata dessa medida assecuratória, o que não se tem caracterizado in casu. Não incidência também à hipótese das disposições do art. 854, do NCPC, visto que têm incidência no curso do processo, quando já tiver havido oportunidade para o devedor pagar ou nomear bens à penhora, ou seja, quando já tiver ocorrido a citação. 6. Inaplicabilidade à espécie do paradigma firmado no RESP 1.184.765/PA, pois este versa sobre o arresto prévio com base no poder geral de cautela. Na aludida decisão, o STJ apenas firmou o entendimento no sentido de que "o bloqueio eletrônico dos depósitos e aplicações financeiras dos executados, após a vigência da Lei 11.382/2008, não se condicionava à demonstração da realização de todas as diligências possíveis para encontrar bens do devedor", mas que a análise da possibilidade de se autorizar o bloqueio on line, via BacenJud, "esbarra na existência ou não dos requisitos autorizadores da medida provisória (em tese, apta a evitar lesão grave e de difícil reparação, ex vi do disposto nos artigos 798 e 799, do CPC), cuja análise impõe o reexame do contexto fático-probatório valorado pelo Juízo Singular". 7. Agravo de instrumento provido.” PROCESSO: 08118389020214050000, AGRAVO DE INSTRUMENTO, DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS DE MENDONÇA CANUTO NETO, 4ª TURMA, JULGAMENTO: 29/03/2022; “AGRAVO DE INSTRUMENTO EMENTA PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. UTILIZAÇÃO CAUTELAR DO SISBAJUD ANTES DA CITAÇÃO. DESCABIMENTO, NO CASO. 1. Agravo de instrumento interposto em face de decisão que, proferida em sede de execução fiscal, "a fim de assegurar a efetividade da execução fiscal", determinou o arresto prévio dos bens de propriedade da executada, ora agravante, por meio da utilização do Sistema de Busca de Ativos - SISBAJUD. 2. Sustenta a agravante, em síntese, que: a) a penhora de numerário nas suas contas bancárias ocorreu antes da sua citação ou de qualquer tentativa neste sentido (a rigor, a penhora ocorreu antes mesmo da decisão judicial que a autorizou, pois a ordem de bloqueio foi protocolada no SISBAJUD em 02/09/2021, e o despacho que a ordenou está datado de 22/11/2021); b) no caso concreto, não houve tentativa frustrada de localização do devedor nem existe qualquer indício de desvio patrimonial (a agravante está no mesmo endereço, facilmente localizável, há quarenta anos, e possui regularidade fiscal); c) não consta nos autos requerimento de arresto prévio formulado pelo agravado/exequente e, nos termos do artigo 492 do CPC/2015, é vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida (já o art. 854 do mesmo códex, por sua vez, dispõe que a penhora de dinheiro em depósito ou em aplicação financeira deve ser precedida de requerimento do exequente). Pontua que a ausência de pagamento ou de garantia da execução são requisitos indispensáveis para a realização da penhora, porém, à agravante, sequer foram dadas tais oportunidades antes do bloqueio. Defende que o bloqueio de numerário em contas bancárias, antes da citação do 'devedor', violou o princípio do devido processo legal. 3. Restou considerado na decisão ora agravada que: "Convém ressaltar, de início, que a experiência nesta 16ª Vara Federal/SJCE demonstra que nos feitos executivos fiscais é comum o executado se desfazer dos seus bens após a citação, resultando, dessa forma, em baixa efetividade na recuperação do crédito fiscal. A propósito, os relatórios estatísticos "Justiça em Números", realizados continuamente pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) desde 2005, demonstram que a baixa efetividade dos executivos fiscais é uma realidade em todo Judiciário brasileiro. 4. Ocorre que a Segunda Turma deste Regional adota o entendimento de que a decisão que determina a constrição judicial dos bens exige a demonstração de que a medida é necessária à satisfação do crédito. 5. In casu, observa-se que não restou demonstrada a imprescindibilidade da medida. 6. "Em relação à questão da legitimidade da utilização do BACENJUD, antes da citação, pensa-se que, em tese, não há empecilho à sua utilização cautelarmente, determinando-se o bloqueio dos ativos financeiros até mesmo antes da citação do devedor. Tal medida seria decorrente do poder geral de cautela. No entanto, esse uso prévio e cautelar do sistema não prescinde da demonstração pelo credor de que existe o risco de inutilidade do bloqueio se somente efetivado após a citação. Do contrário, estar-se-ia legitimando a inversão do sistema processual que, como regra, oferece ao devedor a oportunidade de pagar antes da utilização de medidas de constrição patrimonial pelo Judiciário". (TRF5, 2ª T., PJE 0812251-45.2017.4.05.0000, rel. Des. Federal Leonardo Carvalho, julg. em 08/04/2019). 7. No caso, não há evidências de risco de prejuízo à execução se a determinação de medidas constritivas ocorrer após a citação. Observa-se que não houve a comprovação, por parte da exequente, de que a agravante estaria atuando de maneira fraudulenta, com clara pretensão de frustrar a execução, de maneira que se aplica o mesmo entendimento com relação ao SISBAJUD - Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário. Nesse sentido: TRF5, 3ª T., PJE 0800771-31.2021.4.05.0000, Rel. Des. Federal Convocada Germana de Oliveira Moraes, Data da assinatura: 04/06/2021; TRF5, 2ª T., PJE 0809257-05.2021.4.05.0000, Rel. Des. Federal Paulo Cordeiro, Data da assinatura: 23/09/2021. 8. "Ressalte-se que, em relação à orientação consolidada no julgamento do REsp 1.184.765/PA, no rito de recurso repetitivo, ela se limitou a fixar que, após a vigência da Lei 11.382/2006, o bloqueio de dinheiro por meio do sistema BacenJud não mais exige a prévia comprovação do esgotamento das diligências, e que, consoante a teoria do Diálogo das Fontes, essa norma pode ser utilizada nas execuções regidas pela Lei 6.830/1980. Não se extrai daí, contudo, a conclusão de que o bloqueio cautelar de dinheiro possa ser feito a partir do simples ajuizamento da Execução Fiscal - ou seja, antes da citação da parte devedora -, independentemente da demonstração da imprescindibilidade dessa medida." (TRF5, 2ª T., PJE 0800666-54.2021.4.05.0000, Rel. Des. Federal Leonardo Henrique de Cavalcante Carvalho, Data da assinatura: 31/05/2021) 9. Agravo de instrumento provido, para determinar a retirada do bloqueio de valores, via SISBAJUD, nas contas da agravante.” PROCESSO: 08140871420214050000, AGRAVO DE INSTRUMENTO, DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO MACHADO CORDEIRO, 2ª TURMA, JULGAMENTO: 22/03/2022.

6 Klaus Tipke. Moral Tributa'ria do Estado e dos Contribuintes.  Traduc¸a~o: Luiz Do'ria Furquim. Porto Alegre: Sergio Anto^nio Fabris Editor, 2012, p. 74.

André de Souza Dantas Elali
Professor Associado do Departamento de Direito Público da UFRN, Mestre e Doutor em Direito e Visiting Scholar da Queen Mary University of London.

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