Migalhas de Peso

Retroatividade das alterações ocorridas no âmbito da Lei de Improbidade Administrativa

A controvérsia da Repercussão Geral deve ser resolvida favoravelmente à retroatividade da aplicação da nova legislação.

28/4/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

No dia 25/02/22 o plenário do STF examinou e reconheceu a existência da Repercussão Geral da questão constitucional debatida no RE 843.989, quanto a definição da retroatividade das disposições da lei 14.230/21, em especial, em relação i) à necessidade da presença do dolo para a configuração do ato de improbidade administrativa, inclusive no artigo 10 da LIA e; ii) sobre a aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente previstos na novel legislação.

O ministro Alexandre de Moraes, em seu voto (acompanhado pela unanimidade do plenário), reconheceu que foi demonstrada a relevância da questão constitucional e, mais ainda, apresentou argumentos favoráveis e contrários à retroatividade das alterações incluídas na Lei de Improbidade Administrativa. Ao fundamentar a relevância do debate, o min. Alexandre de Moraes justificou a existência da controvérsia com o voto do min. Ricardo Lewandowski, no ARE 1019161 AgR, no qual afirma que “a retroatividade da norma mais benéfica em favor do réu é um princípio exclusivo do Direito Penal”. O argumento do ministro Lewandowski não pode ser utilizado e é este ponto que quero apresentar neste espaço.

É preciso estabelecer critérios para analisar este quadro interpretativo e, neste sentido, avaliar o instituto da retroatividade das Leis a partir do critério de igualdade entre os indivíduos, o qual está longe das questões formais do direito. Invocar o princípio da igualdade é estabelecer, abstratamente, critério de avaliação comum em situações idênticas, isto é, a retroatividade da Lei nova deve ocorrer tão somente nos casos em que a aplicação da Lei da época do fato causar injustiça de julgamento, mormente dar tratamento desigual a situações idênticas. É exatamente isto que justifica a ação retroativa de uma Lei: dar tratamento igual a situações idênticas.

O caso julgado pelo min. Ricardo Lewandowski trata-se de uma “prestação de contas de pleito eleitoral” e, neste caso concreto, a situação de igualdade é estabelecida naquele momento histórico, no qual todas as agremiações políticas estão submetidas à mesma legislação, justamente porque todos os partidos políticos devem estar submetidos às mesmas regras para evitar desigualdade durante o pleito eleitoral.

Caso, eventualmente, nova legislação sobre a prestação de contas de pleito eleitoral, mais benéfica ao réu, passe a ter vigência, ela não poderá ser aplicada retroativamente, pois na jurisdição eleitoral, no momento da eleição, há vários partidos regidos pela mesma Lei e, se for decidido pela retroatividade da Lei mais benéfica, haverá desequilíbrio entre os diversos partidos políticos que disputaram aquele pleito e, consequentemente, não haverá igualdade.

Portanto, o instituto da retroatividade da Lei mais benigna está relacionado com o equilíbrio de tratamento entre indivíduos. Na hipótese de nova Lei revogar a tipificação de determinado crime eleitoral, aplicar-se-á esta nova Lei aos casos anteriores, ainda que a sentença condenatória tenha transitado em julgado, justamente em razão da necessidade de se dar tratamento isonômico aos indivíduos, pois evitará que duas pessoas, em igualdade de situação, tenham tratamento jurídico diferente. O mesmo raciocínio deve ser dado quando determinada conduta deixa de ser considerada “ato de improbidade administrativa”, momento em que a nova Lei deverá retroagir e aplicada ao caso em eventual condenação fundamentada na Lei antiga – ainda que transitada em julgado.

Acertada a decisão do ministro Lewandowski quanto à questão da não retroatividade da Lei eleitoral, pois a norma que define as regras de prestação de contas eleitorais não pode retroagir sob pena violar o princípio republicano da isonomia e dar tratamento mais benéfico a um partido político em detrimento às demais agremiações partidárias. Entretanto, imprecisa sua decisão em relação ao argumento que a retroatividade somente se aplica nas questões de direito penal, justamente porque, se as modificações introduzidas pela lei 14.230/21 não retroagirem e não alcançarem os casos anteriores à sua vigência, haverá violação ao princípio da igualdade e permitirá dar tratamento diferente a situações idênticas.

Neste contexto, com o objetivo de apresentar elementos ao julgamento da Repercussão Geral já reconhecida, é importante perceber que a controvérsia apresentada pelo min. Alexandre de Moraes sobre a aplicação retroativa das modificações introduzidas pela lei 14.230/21 na Lei de Improbidade Administrativa, a partir do julgado do min. Levandowiski, é criar uma falsa polêmica, na medida em que o direito administrativo sancionador impõe responsabilidade ao indivíduo condenado e limita significativamente sua liberdade de participação da vida social e, portanto, a controvérsia da Repercussão Geral deve ser resolvida favoravelmente à retroatividade da aplicação da nova legislação.

Sergio Graziano
Doutor em Direito, advogado criminalista.

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