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Crimes econômicos - uma abordagem geral

Devemos ter em mente que as condutas criminais econômicas pressupõem uma nova forma de atuação do Direito Penal e dos próprios profissionais do direito, exigindo mudança de paradigmas sob todos os aspectos.

25/4/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

Com a evolução da sociedade e o advento dos inúmeros e mais variados interesses jurídicos, houve, por via de consequência, uma mudança na prática de crimes. Não há dúvidas de que os crimes chamados “clássicos”, tais como os crimes patrimoniais, crimes contra a vida etc., continuaram a ser cometidos. Mas houve uma “sofisticação” na prática de determinadas condutas delituosas, fazendo surgir os chamados “crimes econômicos”.

Com essa mudança da sociedade houve também o surgimento do denominado Direito Penal Econômico, que visa à proteção da atividade econômica presente e desenvolvida na economia de livre mercado. Vê-se, portanto, que na criminalidade econômica os interesses coletivizados merecem uma especial atenção.

A sociedade de risco e a socialização dos riscos também evidenciaram a necessidade de uma tutela diferenciada por parte do Estado. A violência, as organizações criminosas, os delitos de natureza econômica e os crimes eletrônicos praticados via internet compõem o quadro da sociedade pós-industrial em que vivemos. E todos esses aspectos envolvem matéria que tudo tem a ver com o direito. As responsabilidades não são apenas individuais, há também responsabilidade de pessoas jurídicas, de entes coletivos etc.

Nos chamados “crimes econômicos” o caráter supraindividual e o conteúdo econômico-empresarial dos bens jurídicos protegidos são evidentes. Em certos casos, porém, aparecem fortes componentes de índole individual, ainda que em estreita relação com os interesses econômicos, genericamente considerados. Mas a supraindividualidade é o traço marcante dos delitos de índole econômica.

Podem ser vistos como crimes econômicos aqueles delitos contra a ordem econômica (leis 8.137/90 e 8.176/91); os delitos contra as relações de consumo (leis 8.078/90 e 8.137/90); os crimes contra o sistema financeiro nacional, sigilo das operações de instituições financeiras e contra as finanças públicas (descritos na lei 7.492/86, lei complementar 105/2001 e Código Penal); infrações penais contra a ordem tributária (lei 8.137/90 e Código Penal).

Portanto, são crimes econômicos os delitos que lesionam ou colocam em risco a ordem econômica. É uma forma sancionatória que o Estado encontrou para tutelar e resguardar a atividade econômico-financeira.

Não há dúvidas de que muitas questões ilícitas econômicas podem e devem ser resolvidas através de sanções administrativas, pois o Direito Penal é sempre a ultima ratio, mas o que se percebe na prática é que o direito administrativo sancionador não é visto, em muitos casos, como eficaz para a repressão de certas condutas, o que gera a atração das normas penais com a intenção de combater os delitos econômicos.

Daí a criminalização de inúmeras condutas de forma a evidenciar que o Direito Penal é a solução para todos os males do mundo. A sociedade atual padece de um exagerado contágio punitivista, de modo a pretender que todo agente seja preso e punido criminalmente.

A par disso, muitas vezes a sanção administrativa (que dói no bolso do agente) pode ser uma solução muito mais viável para os crimes econômicos.

Atualmente, com o advento do acordo de não persecução penal, se pode tentar solucionar questões ligadas aos delitos econômicos sem que ocorra um processo criminal com todas as suas fases percorridas. Salienta-se que no ANPP um dos vieses previstos no art. 28-A do CPP é justamente a reparação dos prejuízos, o que calha bem com a punição de certas condutas econômicas.

Deixemos a punição das condutas econômicas sob o aspecto penal para as situações mais graves.

Desse modo, o chamado direito penal negocial, como uma realidade inarredável, talvez seja uma solução para os ilícitos penais de cunho econômico.

A justiça negocial penal é uma tendência não só no direito brasileiro, a partir das reformas da legislação penal e de processo penal e do próprio sistema de justiça criminal, mas é operada em vários países da América Latina. No direito americano, guardadas as devidas proporções em relação ao nosso sistema, também se usa com frequência a negociação para a solução de questões criminais. No âmbito econômico talvez essa seja uma solução bastante viável, para se evitar persecuções e penalizações desarrazoadas.

Inobstante a isso, tanto a acusação quanto a defesa necessitam ser mais “maleáveis” em sua postura para que seja possível a boa prática da negociação penal.

A defesa do acusado, no Direito Penal clássico geralmente era marcada pela combatividade. Atualmente, em relação à postura da defesa nos delitos econômicos se busca uma atitude muito mais colaborativa e menos combativa.

Assim, a proatividade e a ausência de fricção do advogado é fundamental para um bom acordo, pois depender o agente do judiciário para uma convocação de audiência e deixar para o ambiente forense a lavratura do acordo, pode limitar as possibilidades ou até mesmo inviabilizar a negociação.

Uma outra abordagem que merece atenção em relação aos crimes econômicos é o criminal compliance. Ele objetiva prevenir riscos por meio das boas práticas corporativas, bem como pela aderência à ética como elemento de atuação da empresa, visando, ainda, identificar possíveis crimes e criminosos na esfera de atuação da pessoa jurídica.

Na seara dos delitos econômicos essa prática de conformidade possui considerável relevância, haja vista o fato de zelar o agente pela vigilância e cumprimento das normas e prevenção de riscos nas instituições, tendo em vista o fato de que muitos delitos econômicos são praticados no âmbito empresarial.

Em um contexto de modernidade, é improvável a escolha de respostas clássicas para um eficaz controle social, apresentando-se a necessidade de outras soluções jurídicas para certas demandas sociais/jurídicas (como no caso dos delitos econômicos).

Frente a isso, devemos ter em mente que as condutas criminais econômicas pressupõem uma nova forma de atuação do Direito Penal e dos próprios profissionais do direito, exigindo mudança de paradigmas sob todos os aspectos.

Alneir Fernando S. Maia
Advogado Mestre em direito pela UFMG Professor da UNIVERSIDADE FUMEC Professor de Direito Penal da Escola Superior de Advocacia da OAB/MG Membro da Comissão de Direito Penal Econômico da OAB/MG

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