A prisão preventiva, de toda excepcional, é um instrumento para garantir a utilidade e eficácia do processo-crime. Entretanto, pode-se dizer com Badaró1 que, embora a prisão preventiva não seja uma pena antecipada, o mal real causado pela prisão cautelar deve ser parecido aos da pena.
Nesse sentido, a prisão preventiva deve ser decretada quando, primeiro, presente o fumus commissi delict (prova da existência do crime e indício suficiente de autoria), comungando paralelamente com o art. 282 do CPP (necessidade, adequação e proporcionalidade). Assim, realiza-se um juízo hipotético de que o acusado seja o autor de um crime. Segundo, a partir desse exame, deve o juiz analisar o periculum libertatis do alvo, bem como aos seus predicativos pessoais, sobretudo a folha de antecedentes. Com isso, em conjectura, deve-se ponderar, a partir da indicação de eventual crime cometido, a probabilidade de que “seja imposta uma pena privativa de liberdade a ser executada em regime prisional”.2
Se o crime imputado repercutir, dessa forma, em uma pena restritiva de direito, ou uma pena privativa de liberdade a ser cumprida no regime aberto, ou até mesmo no regime semiaberto,3 será desproporcional a manutenção do acusado em regime de prisão processual.
Isso porque não é razoável que alguém fique em medida provisória em um regime mais gravoso quando da eventual medida definitiva. Em sendo assim, estaria afastado o periculum libertatis do acusado.
Daí emerge a princípio da homogeneidade ou proporcionalidade em sentido estrito.
Para Alberto de Silva Franco, “o princípio da proporcionalidade exige que se faça um juízo de ponderação sobre a relação existente entre o bem que é lesionado ou posto em perigo (gravidade do fato) e o bem de que pode alguém ser privado (gravidade da pena)”.4
A partir dessas primícias e analisando alguns precedentes dos Tribunais Superiores (STF e STJ) e do TJ/GO, verifica-se que o tema não é pacífico e há, em verdade, especialmente do Tribunal goiano, resistência à aplicação do princípio da homogeneidade.
A problemática que se percebe se desenvolve em torno da possibilidade de o julgador aplicar o princípio em sede de habeas corpus – ou seu recurso, tendo em vista a via estreita da ação constitucional, que, via de regra, segundo entendimento dos Tribunais, não comporta dilação de provas quanto ao futuro julgamento, à eventual imposição de pena e à determinação do regime prisional, que serão analisadas apenas na ocasião da sentença.
A começar pelo Supremo, nota-se que a questão não é pacífica. No RHC 182.517/PE, aplicou-se o princípio para revogar a prisão preventiva, pois “a partir de um dado objetivo extremo (pena máxima), é possível aferir certa desproporcionalidade na manutenção da prisão preventiva, na medida em que o princípio da homogeneidade impede que as prisões cautelares imponham ônus mais grave do que o cabível em caso de eventual condenação”. De igual forma, o RHC 121.529/AM.
Já no HC 163.577/SP, ao contrário, o min. Gilmar Mendes, ao denegar a ordem, consignou a inviabilidade de aplicação do mencionado princípio, pois “na presente fase processual da ação penal, não seria possível a realização de um prognóstico objetivo em relação ao futuro regime aplicado ao paciente no caso de eventual condenação”.
No STJ, por sua vez, há precedentes que admitem aplicação do princípio, tendo em vista que “a manutenção do paciente no cárcere para assegurar a aplicação da Lei penal carece de legitimidade, já que há grande probabilidade de a sanção criminal não resultar, num juízo ex ante, aprisionamento no regime fechado” (HC 64.379/SP). A adotar a mesma linha (HC 182.750/SP e HC 123.422/SP).
Por sua vez, em outros acórdãos, fez constar que: “a jurisprudência do STJ é firme em salientar a inviabilidade da análise da tese de ofensa ao princípio da homogeneidade na aplicação de medidas cautelares, por ocasião de sentença condenatória no âmbito do processo que a prisão objetiva acautelar, ante a impossibilidade de vislumbrar qual pena será eventualmente imposta ao réu, notadamente o regime inicial de cumprimento” (HC 507.051/PE). No mesmo sentido: AgRg no HC 696.191/BA, AgRg no HC 697.153/SP, AgRg no HC 720.221/SP e AgRg no HC 722.516/PR).
No TJ/GO, por sua vez, a questão parece pacificada, nas duas Câmaras Criminais, no sentido de inadmitir a aplicação do princípio da homogeneidade, especialmente pela via do Habeas Corpus, porque a desproporcionalidade entre a prisão preventiva e a futura pena, consoante entendimento do Tribunal, só poderá ser confirmada após a conclusão do julgamento da ação penal. Nesse sentido, são os seguintes precedentes:
Não nos parece a melhor solução, porém, pois a pena abstrata é um dado objetivo, que, deveras, não demanda dilação probatória, bastando o julgador observar, em conjunto, os predicativos pessoais para se chegar à conclusão sobre eventual regime prisional que será imposto. Ex. caso de réu primário que é acusado de cometer crime de tráfico de drogas, confesso e sem integrar associação criminosa. Nesse caso, é forte a possibilidade de ele, em eventual condenação, não ser aprisionado no regime fechado. Estando em prisão preventiva, portanto, estar-se-ia em medida provisória em um regime mais gravoso quando da eventual medida definitiva.
Por isso, é ilegal a manutenção da prisão provisória, atingindo o critério da proporcionalidade, quando seja plausível antever que o início do cumprimento da reprimenda se dará em regime diverso do fechado.
1 Processo Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 1.020.
2 Processo Penal, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 1.021.
3 HC n. 141.292, Relator o Ministro Dias Toffoli, Segunda Turma, DJe 23.5.2017; HC n. 126.704, Relator o Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 18.5.2016; HC n. 130.773, Relatora a Ministra Rosa Weber, Primeira Turma, DJe 23.11.2015. HC n. 213.750, Relator o Ministro Edson Fachin, DJe 05.04.2022.
4 Código Penal e sua interpretação jurisprudencial, São Paulo, RT, 2001, vol. 1, p. 14.