Não é recente a interação entre contabilidade e tributação, embora seja – relativamente – recente a profusão de artigos científicos ou não que abordem ambos os assuntos concomitantemente. Dessa interação, pode-se chamar a atenção para a rastreabilidade.
Isso porque, inicialmente vinculada à seara contábil, a rastreabilidade permite àquele que se utilizar d’as informações contábeis ter o conhecimento da origem e do destino de qualquer lançamento contábil, seja (principalmente) em razão da sistemática de partidas dobradas – para cada lançamento a crédito, há um a débito –, seja em razão do modo pelo qual as demonstrações contábeis (ao longo dos anos) foram sistematizadas – a fim de facilitar sua leitura e interpretação, pois, afinal, de nada valem informações ininteligíveis.
Já na seara tributária, a ideia de rastreabilidade ganhou destaque com a introdução da obrigatoriedade do controle das avaliações a valor justo por meio de subcontas. É dizer, para que o valor justo de um ativo não fosse considerado realizado e, portanto, passível de tributação, tornou-se obrigatório o controle do valor justo por meio de contas específicas abertas nas demonstrações contábeis em decorrência de uma imposição da legislação fiscal.
A inobservância a essa obrigação já foi enfrentada pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, por exemplo, nos Acórdãos nos 1402-003.589 e 1301-004.091. Enquanto no primeiro se decidiu pela não tributação do valor justo em razão da simples inobservância de um controle (uma espécie obrigação acessória), julgou-se no segundo pela exigência dos tributos em razão dessa inobservância.
Agora, editada a Portaria RFB 165, de 2022, foi instituído o Programa Brasileiro de Rastreabilidade Fiscal – Rota Brasil, cujo intuito é possibilitar, “[…] por meio de sistemas integrados, a identificação da origem de produtos e o seu acompanhamento na cadeia produtiva, além da repressão da importação e produção ilegais e da comercialização de contrafações.”1, e cuja observância será obrigatória para alguns produtos.
Ocorre que sua integração com o Sistema Público de Escrituração Digital – SPED faz que a adoção pelas empresas cujos produtos estão desobrigados à adesão possa servir de “moeda de troca” para a simplificação das obrigações acessórias, uma vez que, para as optantes, “[…] poderão ser estabelecidos mecanismos de simplificação para o cumprimento de obrigações acessórias e de facilitação de sua adesão aos programas de conformidade cooperativa fiscal desenvolvidos no âmbito da RFB.”2.
Em outras palavras, a rastreabilidade, nos últimos anos, passou (i) de atributo contábil (especialmente, das demonstrações contábeis) a (ii) fator determinante para a ocorrência ou não do fato gerador do tributo, na medida em que a inobservância a uma obrigação acessória tem o condão de promover o “nascimento” do tributo, e (iii) moeda de troca para a simplificação do sistema tributário, especificamente no que tange às – sempre elas – obrigações acessórias.
Dada a mutação constante por que passa esse atributo contábil-fiscal, vale indagar: qual deverá ser a próxima face desse “prisma”?
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1 Parágrafo único, do artigo 1º, dessa portaria.
2 Artigo 5º, dessa portaria.