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A imunidade tributária referente ao IPTU para locação dos templos e a ausência de previsão para as OSCs

A EC 116/22, garantiu que os imóveis locados pelos templos de qualquer culto também sejam considerados dentro da imunidade tributária do Imposto Predial Territorial Urbano – IPTU. A medida não foi estendida, contudo, para as Organizações da Sociedade Civil.

22/4/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

A EC 116, de 17 de fevereiro de 2022, trouxe uma inovação legislativa no que diz respeito às imunidades tributárias. A alteração trouxe a inserção dos imóveis locados pelos templos de qualquer culto como parte de sua imunidade tributária, referente ao Imposto Predial Territorial Urbano (“IPTU”).

A alteração se deu com o acréscimo ao § 1º-a, no artigo 156 da Constituição Federal, que passou a prever no texto constitucional:

§ 1º-a O imposto previsto no inciso I do caput deste artigo não incide sobre templos de qualquer culto, ainda que as entidades abrangidas pela imunidade de que trata a alínea "b" do inciso VI do caput do art. 150 desta Constituição sejam apenas locatárias do bem imóvel.

Por estar prevista na Constituição Federal a proibição ao poder de tributar do Estado, não se trata de uma regra de não incidência e sim de imunidade. Não é correto falar em isenção neste caso, já que a isenção é um benefício fiscal concedido pela Lei emanada do Ente federado, que exerce a sua competência para excluir a cobrança do tributo para determinadas hipóteses. Este não é o caso da EC 116/2022, que proibiu a incidência do IPTU para imóveis locados por templos de qualquer culto.

Como se sabe, o artigo 150, inciso VI, alínea “b”, da Constituição Federal, traz a hipótese de imunidade aos templos de qualquer culto para o recolhimento de impostos, proibindo os Entes Federados de instituírem qualquer cobrança de impostos sobre renda, serviços e patrimônio dos templos. É o que se observa da seguinte redação:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

VI - instituir impostos sobre:

b) templos de qualquer culto;

§ 4º - As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.

Ou seja, o artigo protege a atividade religiosa, impedindo a cobrança de impostos sobre o patrimônio, renda e serviços, relacionados com as atividades essenciais, dos templos de qualquer culto. Evidente, portanto, que os templos já eram imunes ao recolhimento do IPTU de imóveis de sua propriedade.

Sobre o termo “culto”, o professor Eduardo Sabbag1 define-o como “a manifestação religiosa cuja liturgia adstringe-se a valores consonantes com o arcabouço valorativo que se estipula, programática e teleologicamente, no texto constitucional”.

Para Roque Antônio Carrazza2, “culto”, nos termos da alínea “b”, do inciso VI, do art. 150, da referida Carta, se confunde com “confissão religiosa”, que “nada mais é do que uma entidade dotada de estrutura orgânica hierarquizada, instituída com o objetivo fundamental de agrupar, de modo permanente, pessoas que partilham das mesmas crenças transcendentais, vale dizer, que nutrem a mesma fé numa dada divindade”.

O professor Luís Eduardo Schoueri3 conceitua a imunidade dos templos de qualquer culto como uma imunidade mista, ou seja, assegura-se a imunidade ao templo (local da celebração), mas não só, também abrange o culto em si, incluindo as atividades religiosas como imunes. Nessa linha, tem-se o entendimento pacífico do STF quando do julgamento do RE 325.822/SP:

Recurso extraordinário. 2. Imunidade tributária de templos de qualquer culto. Vedação de instituição de impostos sobre o patrimônio, renda e serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades. Artigo 150, VI, "b" e § 4º, da Constituição. 3. Instituição religiosa. IPTU sobre imóveis de sua propriedade que se encontram alugados. 4. A imunidade prevista no art. 150, VI, "b", CF, deve abranger não somente os prédios destinados ao culto, mas, também, o patrimônio, a renda e os serviços "relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas". 5. O § 4º do dispositivo constitucional serve de vetor interpretativo das alíneas "b" e "c" do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal. Equiparação entre as hipóteses das alíneas referidas. 6. Recurso extraordinário provido.

(STF - RE: 325822 SP, Relator: ILMAR GALVÃO, Data de Julgamento: 18/12/2004, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-14)

A discussão envolvendo a abrangência sobre o conceito de “templo” já levou o STF a se manifestar sobre a extensão dessa imunidade tributária. O STF já entendeu, por exemplo, que os cemitérios que consubstanciam extensões de entidades de cunho religioso estariam abrangidos pela imunidade, conforme se observa no julgamento do RE 578.562/BA. É o que se observa do seguinte julgamento:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. IPTU. ARTIGO 150, VI, B, CB/88. CEMITÉRIO. EXTENSÃO DE ENTIDADE DE CUNHO RELIGIOSO. 1. Os cemitérios que consubstanciam extensões de entidades de cunho religioso estão abrangidos pela garantia contemplada no artigo 150 da Constituição do Brasil. Impossibilidade da incidência de IPTU em relação a eles. 2. A imunidade aos tributos de que gozam os templos de qualquer culto é projetada a partir da interpretação da totalidade que o texto da Constituição é, sobretudo do disposto nos artigos 5º, VI, 19, I e 150, VI, b. 3. As áreas da incidência e da imunidade tributária são antípodas. Recurso extraordinário provido.

(STF - RE: 578562 BA, Relator: EROS GRAU, Data de Julgamento: 21/05/2008, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-172 DIVULG 11-09-2008 PUBLIC 12-09-2008 EMENT VOL-02332-05 PP-01070)

Por outro lado, o Supremo já entendeu que a expressão “templo de qualquer culto” não abrange as lojas maçônicas, por exemplo. É o que se observa do julgamento do RE 562.351:

I – O reconhecimento da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, c, da Constituição Federal exige o cumprimento dos requisitos estabelecidos em lei. II – Assim, para se chegar-se à conclusão se o recorrente atende aos requisitos da Lei para fazer jus à imunidade prevista neste dispositivo, necessário seria o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos. Incide, na espécie, o teor da Súmula 279 do STF. Precedentes. III – A imunidade tributária conferida pelo art. 150, VI, b, é restrita aos templos de qualquer culto religioso, não se aplicando à maçonaria, em cujas lojas não se professa qualquer religião. IV - Recurso extraordinário parcialmente conhecido, e desprovido na parte conhecida.

Outro entendimento consolidado pelo STF é de abrangência da imunidade tributária mencionada para hipóteses em que o templo é proprietário do imóvel, mas o loca para terceiros, sem exercer o culto no local. Neste caso, para que haja imunidade, os valores recebidos de aluguel devem ser revertidos para as finalidades do templo.

Destaca-se a Súmula 724 do STF neste sentido, que dispõe: “Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, c, da Constituição, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades essenciais de tais entidades”.

A EC 116/2022 amplia a imunidade ao IPTU para imóveis de propriedade de terceiros, mas que são locados por templos para além da jurisprudência consolidada. Ou seja, diferente da hipótese acima mencionada, em que o templo era proprietário e o terceiro era o locatário, a EC 116/2022 ampliou as hipóteses de imunidade também para o caso de o templo ser o locatário e o terceiro ser o proprietário/locador.

Assim, os Municípios não podem mais cobrar o IPTU dos templos de qualquer culto de imóveis de propriedade do templo, desde que utilizado pelo templo para o culto; de imóveis de propriedade do templo, locados para terceiros, mas que a verba de locação seja aplicada nas atividades do templo; e agora também não é possível a cobrança para imóveis locados pelos templos, que não são de sua propriedade.

A inovação foi proposta pela PEC 133/2015, sob a justificativa de garantir a liberdade de crença e de prática religiosa, de modo que a não incidência de impostos deveria observar o exercício da atividade religiosa, e não apenas o contribuinte formal do IPTU. Como os contratos de locação costumam prever a transferência de responsabilidade de pagamento do imposto do locador para locatário, a ampliação das hipóteses de imunidade para o caso em análise seria necessária.

A imunidade tributária conferida aos templos de qualquer culto é um direito fundamental previsto pela Constituição Federal. Qualquer desvio na finalidade da norma que não seja a proteção ao exercício religioso será ilícito, em especial se utilizada a norma com o viés de favorecer particulares. Chama a atenção que da mesma forma é direito fundamental a imunidade tributária das organizações da sociedade civil não incluídas nesta nova previsão constitucional.

Ora, o artigo 150, inciso VI, da Constituição Federal, traz a previsão de imunidade ao recolhimento de impostos tanto para os templos de qualquer culto quanto para as entidades de assistência social e educação, sem fins lucrativos, que cumpram com os requisitos da Lei. Educação e assistência social estão entre as funções essenciais do Estado, que para exercê-las contam com o apoio das OSC’s.

Assim, não fica claro o porquê de as entidades de assistência social e educação não terem sido abrangidas pela nova norma, já que a justificativa seria a mesma, considerando o usual repasse do IPTU para o locatário, encarecendo os custos de atividade das organizações.

Dentro da mesma racionalidade jurídica, faria sentido essa ampliação também para as entidades sem fins lucrativos de assistência social e educação, que têm reconhecida a mesma imunidade aos impostos que os templos de qualquer culto, e ainda são imunes às contribuições previdenciárias quando cumprirem com os requisitos da lei complementar 187/2021. Então por que não houve essa ampliação?

A resposta pode estar relacionada com o tratamento que as OSC’s vêm recebendo, com limitações de seus direitos, endurecimento de normas para dificultar a concessão de certificações e uma perseguição ao exercício de suas atividades, correspondendo a uma verdadeira criminalização burocrática.

O pleito justo do campo da sociedade civil organizada que busca por uma ambiência regulatória favorável à sua existência é não apenas de aperfeiçoar os limites de sua imunidade tributária, como também expandir para outras áreas de atuação, contemplando organizações de proteção ao meio ambiente, proteção animal, promoção e defesa dos direitos humanos, cultura e esporte, que também são consideradas de direitos fundamentais e que não estão abrangidas pela imunidade aos impostos atualmente.

A EC 116/22 trouxe uma solução no ordenamento jurídico para a hipótese de imunidade aos templos de qualquer culto, considerando a situação fática no momento da locação e preservando o direito fundamental à liberdade religiosa. A edição da norma, contudo, pecou ao ignorar o direito fundamental à liberdade de associação e a necessidade do Estado de promovê-lo. Teria sido importante que as Organizações da Sociedade Civil, em especial aquelas previstas como imunes pelo artigo 150, inciso VI, alínea “c”, da Constituição Federal, também tivessem sido contempladas na emenda constitucional nova. É preciso que os parlamentares promovam maior harmonia no sistema tributário para as organizações da sociedade civil no país, reconhecendo o trabalho tão relevante que prestam no território nacional.  

___________

1 SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 366.

2 CARRAZZA, Roque Antonio. Imunidades tributárias dos templos e instituições religiosas. São Paulo: Noezes, 2015, p. 66.

3 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: 2016, p. 426/427.

Laís de Figueirêdo Lopes
Advogada, Doutoranda em Direito Público pela Universidade de Coimbra, Mestre em Direitos Humanos pela PUC/SP e Sócia de Szazi, Bechara, Storto, Reicher e Figueirêdo Lopes Advogados. Integra o Conselho Consultivo da Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública do Estado de São Paulo e a Coordenação da Frente Jurídica da Coalizão Brasileira pela Educação Inclusiva. Foi Conselheira do Conade - Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência representando o Conselho Federal da OAB, de 2006 a 2011, e Ex-Assessora Especial do Ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, de 2011 a 2016. Participou do comitê ad hoc de elaboração da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU de 2005 a 2006, e do processo de ratificação no Brasil de 2007 a 2009.

Eduardo Szazi
Doutor em Direito Internacional, Vice-Presidente da Comissão de Direito Internacional da OAB/PR e sócio de Szazi, Bechara, Storto, Reicher e Figueirêdo Lopes Advogados.

Fernando Arruda de Moraes
Advogado do escritório Szazi, Bechara, Storto, Reicher e Figueirêdo Lopes Advogados. Pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário.

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