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MP 1.085/21, PL 4.188/21 e a modernização do sistema de garantias reais

É indispensável que forças políticas interessadas no desenvolvimento do país e na erradicação da pobreza se unam e trabalhem em conjunto pela aprovação desses dois textos.

19/4/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

O Brasil tem trabalhado para criar um cenário propício ao desenvolvimento da economia. Por isso, têm sido propostas melhorias para o sistema de garantias reais, estrutura fundamental para a higidez do sistema de crédito, o qual, por sua vez, é essencial para a saúde da economia, geração de empregos e distribuição de renda. Sem garantias eficientes não há segurança para concessão de empréstimos ou contratação de financiamentos habitacionais. 

O tema das garantias é multifacetário. Envolve os diversos tipos de garantias e seus elementos; a compatibilização do direito pátrio com as regras internacionais para ampliar a atratividade ao capital estrangeiro; a formalização e a forma de constituição; as execuções (meio – judicial e extrajudicial –, procedimentos, padrão, tempo e custo); além de temas mais abrangentes como eficácia, publicidade e a rastreabilidade. 

As garantias e os direitos reais vivem no radar dos titulares dos registros públicos econômicos (registros de imóveis, de títulos e documentos, civis de pessoas jurídicas), já que são os encarregados de sua constituição, proteção e, em certos casos, também de sua execução. Por isso, em fevereiro de 2019, ao apresentarem um diagnóstico do sistema ao Ministério da Economia, foram instados a apresentar propostas de reformas incrementais.  

O resultado desse trabalho foi, em sequência, discutido com juristas, representantes do mercado de crédito e da construção civil; apresentado ao Banco Central e ao Ministério da Agricultura; e submetido a rodadas de discussões em grupos de trabalho do Mercado de Capitais e junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). 

Por sua complexidade, o tema foi dividido em três frentes de trabalho no Ministério da Economia: uma resultou no Projeto de lei 4.188/21, que traz aperfeiçoamentos fundamentais à alienação fiduciária e à execução hipotecária; outra, na Medida Provisória 1.085/2021, que atualiza o sistema registral; e a terceira em uma medida legislativa, ainda no prelo, cujo texto foi elaborado por uma comissão de juristas para aprimorar as regras das garantias reais. 

A maioria das propostas feitas pelos registradores foi incorporada ao PL 4.188/21 e à MP 1.085/21. Mas nem tudo o que está nas duas medidas foi proposto por esses profissionais.   

Os dispositivos gerados pelas três frentes de trabalho referidas devem ser compreendidos como um todo coeso e intercomunicante. Eles são de fundamental importância para o país, pois são suficientes para colocar o Brasil entre as mais eficientes economias do mundo no quesito garantias, eficácia dos direitos reais (de propriedade, inclusive), com incremento de segurança jurídica, transparência e previsibilidade para credores e devedores.  

O cerne das propostas se relaciona com o emprego da tecnologia da informação, com a utilização de documentos eletrônicos com dados estruturados (DEDE) e a padronização de procedimentos. Isso dará maior celeridade e reduzirá custos ao eliminar entraves legais que geram formalidades desnecessárias e a obrigatoriedade de registros duplicados. 

Essas medidas têm o condão de estabelecer uma inovadora e desejável sinergia entre os sistemas extrajudiciais e entre estes e os sistemas de mercado (instituições financeiras, agronegócio, incorporadoras imobiliárias etc.), sem esquecer dos usuários individuais. É um mundo novo e desejado por todos. É a desmaterialização do registro em papel, da fila nos cartórios e do inaceitável dispêndio de energia, tempo e dinheiro. 

Mas nem tudo que é bom para a maioria, interessa a todos. Há uma forte resistência de setores que sobrevivem da burocracia invencível ou que acreditam, ainda, que possam sobreviver por imposição autoritária ou por faz de conta. A possibilidade de que escrituras públicas sejam lavradas a partir de vídeo conferência, lançadas em sistemas digitais e enviadas eletronicamente aos Registros Públicos, por exemplo, pode ser aterrorizante para quem vive de criar dificuldades para vender facilidades. Também não interessa a todos que produtores rurais, industriais e microempresários possam contratar empréstimos e dar bens em garantia por aplicativos, ou que possam obter informações relevantes com poucos cliques.  

Em meio a tudo isso, há o total desconhecimento de alguns tomadores de crédito, que se deixam levar por notícias falsas e não entendem os benefícios dos aperfeiçoamentos propostos. 

Ou seja, os almejados avanços de nosso sistema de garantias interessam ao país, mas encontram resistência em setores que trabalham na penumbra pela rejeição da MP 1.085. Por isso, é indispensável que forças políticas interessadas no desenvolvimento do país e na erradicação da pobreza se unam e trabalhem em conjunto pela aprovação desses dois textos. 

Contudo, nem tudo que brilha é luz. Se de um lado o PL 4.188 e a MP 1.085 estão carregados de inegáveis méritos, de outro, em dois pontos, parecem cavalos de Tróia.  

O PL 4.188 propõe a criação de uma entidade de natureza privada, exótica e incompreensível, o Instituto Gestor de Garantias (IGG). Com contraditórias posições no sistema de garantias, não observa a Lei Modelo da UNCITRAL, tampouco as regras de Basileia. Parece sósia do MERS (Mortgage Eletronic Registration System), um dos responsáveis pela crise do subprime, que assolou a economia mundial em 2008. Com o IGG, o PL 4.188 subtrai do sistema de registros públicos o controle das garantias, para mantê-las numa sombra suspeita, longe do controle de registradores, do Judiciário e do Banco Central. 

Já a meritória MP 1.085 traz uma novidade indefensável, que reduz a proteção dos consumidores em empreendimentos imobiliários ao fixar, como ato único, o registro de incorporação e o de instituição de condomínios. A incorporação imobiliária é o ato pelo qual o projeto de construção e venda de um empreendimento é inscrito no Registro de Imóveis. Ou seja, é a formalização do que o incorporador promete realizar. Já a instituição de condomínio é o meio usado pelo Registro de Imóveis para verificar se o incorporador cumpriu as promessas feitas aos consumidores no projeto depositado ou se houve modificação não autorizada no projeto – caso em que a instituição não se perfaz. Antecipar este registro, para o momento anterior à venda das unidades é suprimir um importante meio de proteção dos consumidores e de prevenção de conflitos. É empurrar os consumidores para uma discussão judicial, com todos os seus percalços.  

Estes dois temas devem ser extirpados dos excelentes textos legislativos comentados, pois ferem gravemente nosso sistema e não guardam pertinência com o conjunto de medidas apresentadas ao Legislativo.  

De resto, os dois textos carecem de poucos ajustes. Por isso, são pertinentes algumas das emendas apresentadas na tramitação de ambos. Isso é a vivência do Estado Democrático Direito. Agora, a missão do nosso Poder Legislativo é garantir os avanços que precisamos no sistema de garantias. 

José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Universidade Nove de Julho - UNINOVE e presidente da Academia Paulista de Letras - 2019 - 2020.

Patricia André de Camargo Ferraz
Registradora, mestre em Direito Constitucional e doutoranda em Direito Empresarial.

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