Nesse mês de abril, que se completa um ano da lei 14.133/21, nova Lei de Licitações, falar de compliance público, uma das inovações no diploma legal dessa nova lei, é um assunto bastante caro. A expressão compliance vem do inglês, to comply, que significa exatamente cumprir ou estar de acordo com. Logo, especificamente o compliance diz respeito à atuação em conformidade com as regras internas e externas que abrange leis, regulações e políticas corporativas. Essas regras podem estar presentes na seara da anticorrupção, nas diversas atividades estatais, tais como a tributária, trabalhista, concorrencial, regulatórias, ambientais e proteção de dados.
O compliance é consolidado por décadas no cenário internacional. Destaca-se a edição do 1 Foreign Corrupt Practices Act, no ano de 1977, lei, da qual fora criada no pós-contexto do escândalo Waltergate, responsável por punir práticas de corrupção dentro dos EUA, como também, agentes públicos no exterior. Além disso, a UK Bribery Act surgiu em 2010, para tratar da corrupção no âmbito mundial. Em seu escopo há a criminalização das pessoas jurídicas e o surgimento da corrupção privada.
Enquanto que, no universo jurídico brasileiro, o compliance passou a ser positivado com o advento da Lei de Corrupção 12.846/13, com o decreto 8420/2015, lei 13.303/16, e, principalmente, pós-lavajtismo. Nessa perspectiva, tal prática de controle foi adotada por instituições públicas, sociedade de economia mistas e em empresas privadas. Essas políticas têm, com efeito, instituir a governança com diretrizes de integridade e conformidade de acordo com as boas práticas jurídicas.
Seu objetivo é mitigar os efeitos nefasto oriundos de práticas desonestas, pessoais, incorretas e desleais, e garantir a segurança jurídica na relação entre entes públicos com particulares, essas regras de conformidades ganharam grande relevo no mundo corporativo e, sobretudo, na administração pública.
Com o advento da nova Lei de Licitações 14.133/21 2, lei na qual fora responsável por reformar o novo ordenamento jurídico no que tange licitações e contratações públicas. O tema compliance ganhou, mais uma vez, um grande relevo, visto que no art. 25 § 4º contém a seguinte redação:
“Artigo 25. O Edital deverá conter o objeto da licitação e as regras relativas à convocação, ao julgamento, à habilitação, aos recursos e às penalidades da licitação, à fiscalização e à gestão do contrato, à entrega do objeto e às condições do pagamento:
[....]
§ 4º Nas contratações de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto, o edital deverá prever a obrigatoriedade de implantação de programa de integridade pelo licitante vencedor, no prazo de 6 (seis) meses, contado da celebração do contrato, conforme regulamento que disporá sobre as medidas a serem adotadas, a forma de comprovação e as penalidades pelo seu descumprimento. (grifo nosso)”
Nessa perspectiva, observa-se que, dentro da lei que regulamenta o processo licitatório, há uma previsão que o licitante vencedor necessita adotar práticas de integridade, em caso de serviço de grande vulto. Esse fato, cristaliza uma grande inovação no direito licitatório brasileiro: o estimulo à implementação do programa de integridade.
Há, ainda, outras inovações na Lei de Licitações, que se encontram presente nos arts. 60, 156 e 163 desse diploma. O primeiro assegura a adoção do programa de integridade como critério de desempate, como se encontra expresso abaixo:
“Art. 60. Em caso de empate entre duas ou mais propostas, serão utilizados os seguintes critérios de desempate, nesta ordem:
(...)
IV - desenvolvimento pelo licitante de programa de integridade, conforme orientações dos órgãos de controle. (grifo nosso)”
Além disso, há a possibilidade de atenuante de penalidade administrativa em caso de implementação do programa de integridade, conforme expresso no artigo 156 da nova Lei de Licitações.
“Art. 156. Serão aplicadas ao responsável pelas infrações administrativas previstas nesta Lei as seguintes sanções:
(...)
§ 1º Na aplicação das sanções serão considerados:
(...)
V - a implantação ou o aperfeiçoamento de programa de integridade, conforme normas e orientações dos órgãos de controle. (grifo nosso)”
Por fim, uma grande novidade é a implementação do programa de compliance para a reabilitação do licitante.
“Art. 163. É admitida a reabilitação do licitante ou contratado perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, exigidos, cumulativamente:
(...)
Parágrafo único: A sanção pelas infrações previstas os incisos VIII e XII do caput do art. 155 desta Lei exigirá, como condição de reabilitação do licitante ou contratado, a implantação ou aperfeiçoamento de programa de integridade pelo responsável. (grifo nosso)”
Constata-se que há um incentivo ao compliance, tanto por obrigatoriedade, exigindo esses programas em contratos mais vultuosos, como também nas ações punitivas, valendo-se dos programas como atenuantes das penalidades ou como restaurativos da capacidade das empresas em transacionar com a administração. Além disso, observa-se esse incentivo por ações positivas, ao se privilegiar os particulares que possuem programas de integridade.
Tais fatos, demonstram que há um estímulo, ainda que incipiente em estabelecer regras de conformidade nos contratos administrativos, o que demonstra um efeito bastante positivo. Contudo, diante dessas inovações citadas anteriormente, faz-se necessário, tecer comentários acerca dos horizontes que esse tema pode e deve alcançar.
É importante ressaltar que, no ano de 2021, observou-se o aumento do número de penalidades. A esse respeito, de acordo com o Portal da Transparência, foram aplicadas 3.823 penalidades, em comparação com 2020. O aumento foi superior a 20%.
Tal dado, demonstra que esse crescimento de penalizações poderia ser mitigado caso tais contratações estivesse em seu bojo políticas de integridade e conformidade, uma vez que, a introdução mecanismo e uma cultura de controles, planejamento e conformidades com boas práticas, não se observaria esse aumento no número de penalidades.
Contudo, há contratos na administração pública que, embora não sejam enquadrados como vultosos, adotam mecanismos que possibilitam o compliance. Há cláusulas que tem no seu bojo as normas de integridade. Nesse contexto, cita-se os bons exemplos dos contratos do Ministério do Direito Humanos e das Mulheres, da Eletrobrás e, por fim, alguns presentes na Polícia Federal, instituição com notório papel no combate a corrupção. Abaixo, pode-se ilustrar com a transcrição de uma cláusula típica:
"Cláusula terceira - Politica de anticorrupção
As Partes declaram que conhecem e cumprem fielmente as normas aplicáveis ao combate à corrupção, em especial a Lei nº. 12.846/2013. Declaram, ainda, que não praticarão qualquer ato que infrinja as normas de combate à corrupção em suas atividades, em particular na manutenção do imóvel ou de sua regularidade quanto a inscrições, licenças, registros e alvarás, bem como nos atendimentos a fiscalizações e vistorias ou outros contatos com o poder público. As Partes não darão, oferecerão ou prometerão qualquer coisa de valor ou vantagem a agente público, ou a outros que lhes façam às vezes, com o objetivo de obter vantagem indevida, influenciar ato ou decisão ou direcionar negócios ilicitamente.”
Desse modo, conforme o exposto, apesar dessa positivação ser ainda incipiente e, na lei, esteja somente casos específicos de adoção do programa de compliance, os exemplos já adotados demonstram que é possível adotar essa cultura de controle e integridade a boas práticas sem restrições. Com isso, a transformação cultural de empresas privadas e do poder público, será o desejável catalisador para expandir a prática de conformidade no universo jurídico administrativo pátrio.
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1 Foreign Corrupt Practices Act, em inglês: https://global.wustl.edu/wp-content/uploads/2016/05/Foreign-Corrucpt-Practices-Act-policy-2-18-164.pdf
2 Lei de Licitações: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14133.htm
3 Portal da Transparência: https://www.portaltransparencia.gov.br/sancoes