- Introdução
Num passado não muito distante, após maciço apoio da sociedade que tomou as ruas nos protestos de junho de 2013, o Congresso Nacional sepultou a famigerada PEC 37 (Proposta de EC 37/2011), conhecida como “PEC da Impunidade”, que visava atribuir o monopólio da investigação criminal às Polícias Civis e Federal, por expressivos 430 votos contrários contra apenas 9 favoráveis.
Embora não o dissesse expressamente, a PEC tinha como destinatário imediato o Ministério Público, cuja prerrogativa de investigar crimes vinha sendo iterativamente reconhecida pela jurisprudência1 e doutrina amplamente majoritárias2, culminando na sedimentação deste entendimento em julgamento histórico proferido pelo plenário do STF em maio de 20153.
Dentre tantos outros fundamentos, argumentou-se que a investigação constituiria mera decorrência do sistema acusatório previsto na Constituição Federal (teoria dos poderes implícitos), que confiou ao Ministério Público a titularidade da ação penal pública (CR, art. 129, I). Para bem desempenhar este mister, fazia-se indispensável dotá-lo dos meios inerentes ao seu fiel exercício, sob pena de atenuação ou quiçá inocuidade de sua atuação no processo penal.
Percebeu-se, felizmente em tempo, que o cerceamento da produção de provas na fase investigativa alcançaria, outrossim, vários órgãos públicos (Departamento de Ilícitos Cambiais e Financeiros do Banco Central, Receitas Federal e Estaduais, Unidade de Inteligência Financeira) e até particulares (inserindo-se as vítimas), que ficariam obstados de desempenhar este papel, pois as provas seriam qualificadas como ilícitas, acarretando a anulação do processo-crime originado (CR, art. 5º, LVI).
O denominado Pacote Anticrime (lei 13.964/19) reacendeu a polêmica dos poderes instrutórios, mas agora alcançando a figura do magistrado, cuja imparcialidade é característica da própria jurisdição, constituindo autêntico pressuposto processual de validade, questão de ordem pública cognoscível ex officio e infensa à preclusão.
O legislador constituinte originário deixou bem explícita a adoção do sistema acusatório em detrimento do inquisitorial, daí exsurgindo como consectários a separação das funções de acusar, defender e julgar, a preservação da imparcialidade do órgão julgador e a gestão probatória cometida às partes.
Em patente harmonia com a Carta Magna, o Pacote Anticrime introduziu ao Código de Processo Penal o artigo 3º-a, estatuindo que “o processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação”.
O preceptivo em comento por ora encontra-se com a eficácia suspensa, consoante decisão monocrática proferida pelo ministro Luiz Fux, do Pretório Excelso, em sede de medida cautelar concedida nas ADIn de 6298, 6299, 6300 e 6305, que abarcou o juiz das garantias e normas correlatas.
Nada obstante, o artigo 3º-a, do Código de Processo Penal, tão-somente esmiúça e reforça no âmbito infraconstitucional o princípio acusatório, ocupando-se de preservar-lhe os atributos essenciais, notadamente o da imparcialidade ínsita ao Poder Judiciário.
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1 STF, HC nº 94.173; HC nº 87.610; HC 89.837; STJ, súmula 234.
2 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 1684.
3 RE 593727, com repercussão geral reconhecida.