Migalhas de Peso

O direito à liberdade de pensamento ante o controle social; uma interseção a Immanuel Kant

Reflexões atuais sobre “o esclarecimento” kantiano.

12/4/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

A obra “Resposta à pergunta: o que é o esclarecimento?” (aufklärung), do filósofo moderno Immanuel Kant (1724 - 1804), promove intrigantes e atualíssimas abordagens acerca da baixa, ou nula, capacidade de pensar de um povo.

No texto de mais de 200 anos, o autor assevera que o termo esclarecimento é “a saída do homem de sua menoridade”; autoimposta! Com isso, tal submissão intelectual ocasionaria uma espécie de ciclo vicioso difícil de ser rompido e, com isso, e por isso, tudo se repetiria: um povo que, sob o pensamento Kantiano, não raciocina, mas obedece! Fato que, para o autor, afeta o homem nos campos político e social, abrindo espaço para chefes de Estado se tornarem uma espécie de “mártires supremos inquestionáveis”.

“Mas somente aquele que, além disso, ele mesmo esclarecido, não teme as trevas, mas ao mesmo tempo tendo sob o comando um exército numeroso e bem disciplinado, garantia da tranqüilidade pública, pode dizer o que um Estado livre não ousa dizer: raciocinai o quanto quiserdes, e sobre o que desejardes, mas obedecei! Revela-se assim uma marcha estranha, inesperada das coisas humanas;” (pg. 8, Kant)

“Muito falta ainda para que os homens, no estado atual das coisas, tomados conjuntamente, estejam já num ponto em que possam estar em condições de se servir, em matéria de religião, com segurança e êxito, de seu próprio entendimento sem a tutela de outrem.” (pg. 7, Kant)

Nesta senda, infere-se que o conhecimento é o maior ativo do ser humano, pois dele deriva o direito, Constitucional e humano, à liberdade de pensamento; e dele acabam desencadeando outras liberdades e ações que culminam em independência. Aqui, o texto de Kant traz uma reflexiva abordagem:

“Quando se pergunta, portanto: vivemos atualmente numa época esclarecida? A resposta é: não, mas numa época de esclarecimento.” (pg. 7, Kant)

No ponto, é possível aduzir que o povo busca passivamente por respostas, o chamado “esclarecimento”, e não o protagonismo de contextualizar temas, refletir acerca de situações políticas e sociais ou, ainda, assumir o papel de fazer as perguntas, ou seja, ser “esclarecido”.

E é justamente ao encontro desse pensamento Kantiano que a obra em análise inicia, pois já em seu primeiro parágrafo tem-se que:

“Esclarecimento significa a saída do homem de sua minoridade, pela qual ele próprio é responsável. A minoridade é a incapacidade de se servir de seu próprio entendimento sem a tutela de um outro. É a si próprio que se deve atribuir essa minoridade, uma vez que ela não resulta da falta de entendimento, mas da falta de resolução e de coragem necessárias para utilizar seu entendimento sem a tutela de outro.”  

Desta feita, sob os olhos de Kant, vislumbra-se o suposto interesse do Estado e da religião, leia-se seus chefes, governantes e líderes religiosos, em confinar seu povo à mediocridade intelectual de modo a coagir a reflexão, repelir o debate e necrosar o pensamento crítico sob o mesmo afã: desencorajar o povo a pensar condenando-o à chamada “minoridade Kantiana”.

Assim, traçando um paralelo entre o texto de 1783 e a “contemporaneidade dos dias atuais”, cuja redundância foi ironicamente propositada para instigar o pensar, resta perceptível a verossimilhança na realidade política e social de um país. Afinal, quando um caricato chefe de Estado usa a religião como chancela de idoneidade política e atestado de competência, percebe-se claramente o mote trazido por Immanuel Kant.

 “Uma revolução poderá talvez causar a queda do despotismo pessoal ou de uma opressão cúpida e ambiciosa, mas não estará jamais na origem de uma verdadeira reforma da maneira de pensar; novos preconceitos servirão, assim como os antigos, de rédeas ao maior número, incapaz de refletir.”  (pg. 3, Kant)

Não obstante, no deslinde de uma realidade constitucional que beira a tragicomédia, quem se “insurge” a “ousar” contrapor ou criticar tal cenário, é tido como “corrupto”, “ladrão” “comunista” ou que, simplesmente, “deseja o mal do país”. Simplismo esse, ao ponto das cores da bandeira nacional serem avocadas como sinônimo de demonstração de simpatia a figuras, no mínimo, mambembes.

“É, portanto, difícil para todo homem tomado individualmente livrar-se dessa minoridade que se tornou uma espécie de segunda natureza. Ele se apegou a ela, e é então realmente incapaz de se servir de seu entendimento, pois não deixam que ele o experimente jamais.” (pg 2, Kant)

São tempos sombrios impostos à realidade brasileira, pois apensado a essa “subserviência político partidária”, vem o proceder de se portar “junto à massa” sem o exercício de qualquer pensamento crítico, e consequentemente escolhas, que conduzam à própria decisão sobre em quem votar. Outrossim, o problema dessa falta de liberdade e de conhecimento reflete da vida para o direito público e o ciclo vicioso se renova, novamente provoca-se com a ironia da propositada redundância.

Logo, ao encontro das ideias de Kant, os esclarecidos, detentores do conhecimento e protagonistas das perguntas, dominam quem busca, apenas, por esclarecimentos, direcionamento através de respostas, num verdadeiro emaranhar do clichê “a vida imita a arte”.

Por fim, no caminhar da instável, insana e incrédula realidade brasileira, seria oportuno citar neste desfecho, uma espécie de “paralelismo político sintático” com “As aventuras de Alice no país das maravilhas”:

Alice: “Você pode me ajudar?”

Gato: Sim, pois não.”

Alice: “Para onde vai essa estrada?”

Gato: “Para onde você quer ir?”

Alice: “Eu não sei, estou perdida.”

Gato: “Para quem não sabe para onde vai, qualquer caminho serve.”

Thiago de Miranda Coutinho
Jornalista - Especialista em Inteligência Criminal. Atualmente, é Agente de Polícia Civil em SC, graduando em Direito (Univali) e Coautor de 3 Livros. Instagram: @miranda.coutinho_

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