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Superação do tema 866, STJ e a responsabilidade no pagamento das cotas condominiais

Legitimidade passiva concorrente do promitente comprador e vendedor no pagamento das cotas condominiais, em razão da existência de superação do tema 866, decidido pelo Superior Tribunal de Justiça.

11/4/2022

(Imagem: Artes Migalhas)

A responsabilidade no pagamento das cotas condominiais exsurge a partir do avanço da construção de condomínio edilícios, regidos pelo Código Civil (lei Federal 10.406/02) e pela Lei de Incorporação Imobiliária (lei Federal 4.591/64).

De início, o processo de urbanização começou a partir da horizontalidade, isto é, foram construindo diversos imóveis com apenas um único andar.

Com passar do tempo, mostrou-se necessário a verticalização dos imóveis, nascendo a figura do condomínio edilício, com diversos andares, bem como passou a existir na lei as taxas/cotas condominiais de natureza de obrigação propter rem, no qual conceitua-se como imposição ao titular do direito real a uma determinada prestação, não por um vínculo de natureza obrigacional, exclusivamente, mas sim por uma ligação da prestação em função da coisa, independentemente da vontade do devedor.

Consignou-se, na lei e na jurisprudência, que o devedor da obrigação de pagar as cotas condominiais era o legítimo proprietário.

Porém, atualmente, há diversos litígios versando sobre as taxas condominiais, no que tange aos contratos de promessa de compra e venda.

Para se escusar do pagamento, o promitente comprador assevera que não tem qualquer responsabilidade sobre as cotas tendo em vista que seu nome não está na matrícula, já o promitente vendedor, aduz, comumente, que já não habita no imóvel e por isso não merece pagar as taxas condominiais.

Enfim, busca-se responder qual o entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça acerca do pagamento das cotas condominiais.

De início, registre-se que, a fim de dirimir de vez as controvérsias sobre a questão das cotas condominiais, a Corte Cidadã, no tema 866, fixado em matéria de recurso repetitivo, se manifestou no seguinte sentido:

“PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. CONDOMÍNIO. DESPESAS COMUNS. AÇÃO DE COBRANÇA. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA NÃO LEVADO A REGISTRO. LEGITIMIDADE PASSIVA. PROMITENTE VENDEDOR OU PROMISSÁRIO COMPRADOR. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. IMISSÃO NA POSSE. CIÊNCIA INEQUÍVOCA. a) O que define a responsabilidade pelo pagamento das obrigações condominiais não é o registro do compromisso de venda e compra, mas a relação jurídica material com o imóvel, representada pela imissão na posse pelo promissário comprador e pela ciência inequívoca do Condomínio acerca da transação; b) Havendo compromisso de compra e venda não levado a registro, a responsabilidade pelas despesas de condomínio pode recair tanto sobre o promitente vendedor quanto sobre o promissário comprador, dependendo das circunstâncias de cada caso concreto; c) Se restar comprovado: (i) que o promissário comprador imitira-se na posse; e (ii) o Condomínio teve ciência inequívoca da transação, afasta-se a legitimidade passiva do promitente vendedor para responder por despesas condominiais relativas a período em que a posse foi exercida pelo promissário comprador (REsp 1345331/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08/04/2015, DJe 20/04/2015)”.1

Assim, segundo aquela Corte Superior, a responsabilidade pelo pagamento das taxas condominiais pode recair tanto sobre o promitente vendedor quanto ao promitente comprador, a depender das circunstâncias do caso concreto.

Interpretando-se o tema 886, se 1) o promissário comprador imitira-se na posse; e 2) o condomínio teve ciência inequívoca da transação, afasta-se a legitimidade passiva do promitente vendedor para responder por despesas condominiais relativas a período em que a posse foi exercida pelo promissário comprado.

Ou seja, havendo a comprovação dos requisitos 1) e 2), o promitente vendedor não poderá responder pelo pagamento das cotas condominiais.

Aparentemente, a controvérsia havia terminado, contudo, da análise da jurisprudência do STJ, extrai-se a ocorrência de superação do entendimento (overruling) assentado no precedente vinculante (ratio decidendi do julgado no Tema 886), passando-se a compreender que tanto o promitente comprador quanto o promitente vendedor poderão responder pelo pagamento das cotas condominiais.

Antes de passarmos para um estudo da jurisprudência superior, vejamos do que se trata a superação de precedente por determinado tribunal.

Para tanto, acompanhemos a lição do eminente professor Fredie Didier:

“Overruling é a técnica através da qual um precedente perde a sua força vinculante e é substituído (overruled) por outro precedente. O próprio tribunal que firmou o precedente pode abandoná-lo em julgamento futuro, caracterizando o overruling. (...) A superação de um precedente ou de um entendimento jurisprudencial (overruling) pode dar-se, no Brasil, de maneira difusa ou concentrada. o overruling realizado difusamente pode ocorrer em qualquer processo que, chegando ao tribunal, permita a superação do precedente anterior. Ele é a regra entre nós, tradicional no common law, e traz a grande vantagem de permitir que qualquer pessoa possa contribuir para a revisão de um entendimento jurisprudencial” (DIDIER, 2016, p. 509-510).2

Assim, conforme a citação acima, o overruling ocorre quando tribunal supera o seu precedente, passando a entender de forma diversa do precedente anterior.

Saliente-se que a superação de entendimento se dá de forma expressa, em observância a segurança jurídica que os precedentes judiciais exercem.

No caso do tema 866, restou consignado em diversos julgados, após o julgamento do referido tema, a mudança de jurisprudência da 3ª e 4ª turma do STJ, vejamos:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. DÉBITOS CONDOMINIAIS. RESPONSABILIDADE DO VENDEDOR E DO COMPRADOR. IMPUTAÇÃO DO DÉBITO AO COMPRADOR. CARÁTER 'PROPTER REM' DA OBRIGAÇÃO. INTERPRETAÇÃO DO RESP 1.345.331/RS, JULGADO PELO ART. 543-C DO CPC. ART. 350 DO CCB.ÓBICE DA SÚMULA 282/STF.1. Controvérsia acerca da responsabilidade do promitente vendedor (proprietário) pelo pagamento de despesas condominiais geradas após a imissão do promitente comprador na posse do imóvel.2. Responsabilidade do proprietário (promitente vendedor) pelo pagamento das despesas condominiais, ainda que posteriores à imissão do promitente comprador na posse do imóvel.3. Imputação ao promitente comprador dos débitos gerados após   sua imissão na posse.4. Legitimidade passiva concorrente do promitente vendedor e do promitente comprador para a ação de cobrança de débitos condominiais posteriores à imissão na posse.5. Preservação da garantia do condomínio.6. Interpretação das teses firmadas no REsp 1.345.331/RS, julgado pelo rito do art. 543-C do CPC.7. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO." (AgRg no REsp 1.472.767/PR, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, Dj de 08/10/2015).

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. TAXAS DE CONDOMÍNIO. LEGITIMIDADE. INOVAÇÃO INCABÍVEL. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ.1. Não se admite a adição, em sede de agravo interno, de tese não exposta no recurso especial, por importar em inadmissível inovação.2. Não cabe, em recurso especial, reexaminar matéria fático-probatória (Súmula n. 7/STJ).3. A jurisprudência desta Corte evoluiu no sentido de que, uma vez demonstrado que o promissário comprador imitiu-se na posse do bem e sendo comprovado que o condomínio teve ciência inequívoca da transação, há legitimidade passiva concorrente de ambos os contratantes para responder por despesas condominiais relativas ao período em que a posse foi exercida pelo promissário comprador.4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp 1219742/PR, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 15/08/2017, DJe 22/08/2017).

Com efeito, o teor do precedente mais recente, qual seja, o AgInt no REsp nº 1378413 (data de julgamento: março de 2021), julgado pela 4ª turma, deixa claro que a jurisprudência daquela Corte Superior se superou, havendo legitimidade passiva concorrente do promitente comprador e promitente vendedor.

Nesse sentido, vejamos o voto do Ministro Raul Araújo, relator do julgado acima mencionado:

Posteriormente, essa jurisprudência (afastamento da legitimidade do promitente vendedor) evoluiu no sentido de que, demonstrado que o promissário-comprador imitiu-se na posse do bem, e sendo comprovado que o condomínio teve ciência inequívoca da transação, há legitimidade passiva concorrente de ambos os contratantes para responder por despesas condominiais relativas ao período em que a posse foi exercida pelo promissário-comprador (...)”.

Destarte, o overruling do tema 866, a qual fora acima demonstrado, conduz a noção de que há legitimidade passiva concorrente do promitente comprador e vendedor na cobrança das cotas condominiais, afastando-se a compreensão anterior de exclusiva legitimidade passiva do promitente comprador que se imitira na posse.

Assim, o condomínio, desejando obter as suas cotas condominiais, poderá propor ação de cobrança contra o promitente comprador e vendedor.

_____________

1 (REsp 1345331/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08/04/2015, DJe 20/04/2015)

2 DIDIER, Júnior Fredie. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela, p. 509-510, 11ª ed. Vol. 2, editora juspodivm, 2016, Salvador/BA.

Gabriel Dantas de Souza
Graduando em Direito, pesquisador das áreas de Direito Corporativo, Imobiliário e Cível.

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