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Ausência de responsabilidade da instituição financeira na ocorrência do pagamento pelo consumidor de boleto fraudado

Inaplicabilidade da súmula 479 do STJ: Banco não pode ser responsabilizado por ato de terceiro ocorrido sem a sua ingerência e fora da plataforma bancária, por configurado episódio de fortuito externo, assim entendeu o TJ/PR.

12/4/2022

(Imagem: Artes Migalhas)

Partindo de uma premissa introdutória, com o surgimento dos boletos bancários por força de uma instrução normativa do Banco Central regulamentada no remoto ano de 1993, se iniciou uma alargada comodidade para os clientes se usufruírem desta modalidade de pagamento.

Nos dias de hoje, o pagamento de boleto bancário – que apenas podiam ser pagos em agências bancárias, propagou-se através da modalidade digital e tornou-se uma prática corriqueira, muito em razão da praticidade atrelada ao mundo tecnológico.

Por causa dessa expansão que, dentre as outras opções, permitiu o pagamento de boleto bancário por meio do internet banking, os riscos de ocorrência de fraude se tornaram mais comum no Brasil. De acordo com dados da FEBRABAN1 - Federação Brasileira de Bancos, os golpes digitais aumentaram de forma significativa desde o início do cenário pandêmico vivenciado em decorrência corona vírus.

Em suma, a prática envolve a falsificação de boletos de cobrança com o fito de que o pagamento seja computado na conta bancária do fraudador. O risco coloca o consumidor em estado de alerta para não se tornar vítima do golpe do boleto fraudado, situação que pode acarretar prejuízo financeiro irreversível.

Isto porque, em que pese as controvérsias, decisões judiciais têm reconhecido a ausência de responsabilidade da instituição financeira pelo pagamento feito na modalidade on-line em golpes aplicados em boletos eletrônicos.

Para ilustrar, imperioso trazer à baila recente decisão oriunda da 5ª turma recursal do TJ/PR, nos autos tombado sob o nº. 0000760-04.2021.8.16.0159, que afastou uma condenação exarada numa sentença que entendeu pela responsabilidade do Banco CSF S/A na ocorrência do pagamento pelo consumidor de boleto fraudado.

Em síntese, o autor da ação, na condição de cliente do banco, alegou inscrição indevida nos órgãos de proteção ao crédito por débito de cartão de crédito já pago.

Em sede recursal, a defesa se pautou na ausência de responsabilidade da respectiva instituição financeira por fato externo ocorrido sem a sua ingerência, tendo em vista que o boleto pago foi fulminado pela fraude, situação em que configura a culpa exclusiva de terceiro e, por conseguinte, excluso o dever de reparar – hipótese essa que elimina o nexo de causalidade entre o dano resultante e a conduta do fornecedor.

O Tribunal entendeu que não há que se falar em irregularidade na manutenção da inscrição nos órgãos de proteção ao crédito, eis que o débito não foi regularmente quitado. O pagamento não foi processado por causa da adulteração do boleto, com numeração divergente do código de barras e beneficiário distinto.

Por essa razão, deu provimento recursal com paradigma na recente decisão proferida pelo STJ, atrelando a situação discutida nos autos pela prática conhecida como “phishing”.

Os ataques de phishing configura fortuito externo já reconhecido pelo STJ2: “Trata o caso dos autos de típico fortuito externo, advindo de golpe virtual reconhecido como phishing, no qual fraudadores utilizam-se de sites falsos, e-mails, ligações e outros meios, se passando por colaboradores de diversas instituições, solicitando informações e dados pessoais aos clientes para a realização de transações bancárias”.

Configurado o fortuito externo em decorrência de fato de terceiro, do qual, a instituição financeira não teve nenhuma ingerência, além do afastamento da súmula 4793 do STJ, resta configurada a hipótese prevista no art. 14, §3º, II do CDC4, pelo que impõe o afastamento do nexo causal entre a conduta do banco e os danos sofridos pela vítima do golpe na condição de consumidor, considerando que o boleto emitido mediante fraude não vincula o verdadeiro fornecedor de produtos e serviços, por ausência de relação de causalidade.

Em atenção a decisão acima colacionada, não se pode olvidar o necessário dever de cautela do consumidor no momento de realizar o pagamento de boleto através do meio virtual, devendo se certificar de todos os dados constantes no boleto antes de efetuar a operação, tendo em vista que na hipótese de ocorrência de pagamento de boleto eivado de fraude, o prejuízo financeiro poderá não ser ressarcido.

Nestas hipóteses, além de incidir na culpa exclusiva de terceiros, poderá ser configurado a culpa exclusiva do próprio consumidor que age com negligência ao não identificar a fraude evidente por não conferir os dados do título antes da confirmação do pagamento.

_____________

1 https://febraban.org.br/

2 AREsp 1895562, Ministro HUMBERTO MARTINS, 09/08/2021.

3 As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.

4 Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 3º O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Tamires Gama
Advogada Associada no núcleo do contencioso cível - bancário, no escritório Urbano Vitalino Advogados. Pós-graduada em Direito Processual Civil.

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