Como se não bastasse uma recessão econômica, que desde 2014 assombra a nossa população, a superveniência da pandemia do novo coronavírus, declarada pela OMS no início de 2020, levou a um número de iniciativas parlamentares, e, também, a várias decisões judiciais na área da educação sem levar em consideração circunstâncias específicas e a realidade que os fatos impuseram às instituições de ensino em geral.
Muitas decisões como a redução de mensalidades colocam em risco a segurança jurídica. Os contratos são uma garantia de que as regras serão cumpridas e somente uma circunstância desproporcional e imprevista, que atinja uma das partes, poderia ensejar a aplicação da chamada teoria da imprevisão permitindo, excepcionalmente, a resolução ou revisão contratual.
Ora, a pandemia gerou efeitos mundiais devastadores, atingindo indistintamente todo planeta e não somente os estudantes. Prestadores de serviços, indústria, comércio, ou seja, toda a cadeia produtiva e econômica global foi surpreendida pelo vírus, e isto gerou prejuízos jamais vistos ou previstos.
Não se desconhece, por óbvio, a enorme desigualdade social que a pandemia escancarou. Porém, a falta de políticas próprias por parte do Poder Público jamais supriu as reais necessidades da população carente, persistindo situações como a falta de saneamento básico que, ao contrário do que deveria acontecer, são jogadas para baixo do tapete.
Neste cenário, nos deparamos com distorções e quando falamos especificamente sobre a educação e as decisões mencionadas acima, vimos estudantes de medicina, por exemplo, inundando o judiciário com requerimentos, não só de redução dos valores das mensalidades, mas também de isenção ao pagamento de custas judiciais, declarando situação de hipossuficiência econômica em diversos casos inexistente e muitas vezes logrando êxito em seus intentos.
A isto se somou a superveniência, em alguns estados da federação, de leis de cunho meramente eleitoreiros que impunham reduções compulsórias nos preços das mensalidades às instituições, invadindo uma competência exclusiva da União, conforme consagrado pela Constituição Federal.
A repercussão midiática foi enorme e esses “legisladores” tiveram seus quinze minutos de fama, atingindo, a princípio, seus objetivos. Mas no final das contas, além das escolas, também os alunos acabaram prejudicados por uma indevida intervenção em uma relação privada.
Quando deflagrada a pandemia e o isolamento social, em caráter excepcional, o Ministério da Educação flexibilizou as regras impostas ao ensino presencial, permitindo a continuidade do ano letivo, por meio do uso de TICs - Tecnologias da Informação e Comunicação que possibilitaram, por exemplo, a transmissão de aulas remotas e síncronas. Isso ensejou uma necessidade premente para as Instituições, no sentido de se adequarem a esta realidade, dispendendo vultosos investimentos em tecnologia e capacitação de professores, de modo a dar continuidade ao ensino e minimizar os nefastos efeitos que a interrupção das aulas ensejaria.
Inúmeras entidades representativas do ensino superior ingressaram com ações diretas de inconstitucionalidade junto ao STF, buscando obter o reconhecimento do evidente conflito entre as normas estaduais e a Constituição Federal, pois a indevida interferência do ente estatal usurpou a competência privativa da União para legislar sobre Direito Civil e sobre as diretrizes e bases da educação.
O fato é que, como sabemos, a tramitação desses feitos é morosa, e quando se fala, por exemplo, do estado do Rio de Janeiro, cuja Assembleia Legislativa editou lei neste teor, somente agora, há cerca de uma semana, foi definitivamente consolidada pelo STF a declaração de inconstitucionalidade deste tipo de norma.
Ou seja, durante dois longos anos discutiu-se uma matéria que poderia de todo ter sido evitada se o parlamento estadual tivesse um pouco de noção do alcance e das consequências da sua iniciativa, que muito prejudicou as escolas (algumas delas fecharam as portas) e, como reflexo, provocou a dispensa de milhares de profissionais de seus postos de trabalhos. Agora colocam os alunos na condição de inadimplentes/devedores, pois sujeitos a cobranças retroativas imprevistas, o que pode fazer com que muitos desistam de seus estudos, aumentando um já elevado grau de evasão escolar.
Nada mais triste do que subtrair o sonho de jovens, ceifar bons propósitos e minar a perspectiva da juventude em concretizar, através da educação, meios que reduzam a desigualdade e proporcionem melhores condições de vida para as próximas gerações.
Iniciativas e leis desta espécie colocaram em campos opostos estudantes e escolas quando mais do que nunca uns precisavam dos outros. Na verdade, sempre foi assim. Alunos são o maior patrimônio das instituições de ensino e somente a educação pode se transformar no instrumento de mudanças profundas na sociedade, proporcionando uma conscientização, hoje insuficiente, sobre os rumos do nosso país.
Ao Estado cabe estimular o ensino com políticas públicas de acessibilidade para os mais desafortunados. Em 2014, a lei 13.005 instituiu o plano nacional da educação para os dez anos seguintes, o qual contabiliza 20 metas a serem cumpridas até 2024. Até o momento, somente uma dessas metas foi alcançada.
Ao revés, preocupa sobremaneira a quantidade de iniciativas parlamentares em curso que visam desqualificar as escolas e parecem querer promover o desmonte da educação. Na Assembleia Legislativa Fluminense, tramitam vários projetos de lei envolvendo o setor educacional, alguns deles impensáveis, como um que propõe a extinção da UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro tendo como justificativa se tratar de um antro de disseminação de ideias socialistas, além do que sua extinção proporcionaria grande economia para os cofres públicos.
Portanto, mais do que nunca, a sociedade civil precisa se mobilizar em defesa da educação, pois a continuar o atual estágio de coisas, veremos em pouco tempo jovens desalentados serem cooptados para práticas criminosas, o que somado à pobreza e a falta de estímulos pode gerar uma convulsão social jamais vista na nossa história.