Migalhas de Peso

Conflito de competência entre tribunais arbitrais - Uma realidade desvirtuada

Afinal de contas, quantas serão as situações desses alegados conflitos de competência, que mereçam uma tamanha reformulação?

8/4/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

No CC 185.702/DF, publicada no dia 17/3/22, o STJ reconheceu a existência de conflito de competência entre dois tribunais arbitrais em curso junto a uma mesma câmara de arbitragem. Remetendo o leitor para o texto dessa longa decisão, vamos nos ater aos pontos que julgamos essenciais para a discussão que ora se estabelece.

  1. Resumo dos fatos

Sem nos preocuparmos com o mérito dos processos arbitrais em causa, nem com as suas particularidades processuais, verificamos que o STJ entendeu existente conflito de competência entre dois tribunais arbitrais que foram constituídos no âmbito da Câmara de Arbitragem do Mercado (CAM) para julgamento de questões relacionadas à JBS S/A, para o fim da busca da responsabilização civil dos controladores dessa companhia, processos esses, com autores diversos, que teriam apresentado o mesmo objeto, causa de pedir e pedidos. Observe-se ter sido afirmado que as sentenças arbitrais proferidas seriam inconciliáveis entre si.

Tendo recorrido ao Judiciário e defendendo o seu ponto de vista em favor da validade de um dos processos arbitrais, a JBS mostrou entendimento no sentido de que a decisão deveria vincular indistintamente todos os acionistas daquela companhia, independentemente de nele não serem partes.

Conforme se lê na decisão em apreço, o Regulamento da CAM, segundo a apreciação do STJ, seria absolutamente omisso em disciplinar a solução do impasse criado entre os tribunais arbitrais envolvidos na causa, aplicável na situação, portanto, o art. 105, I, (d) da CF, no sentido da competência do STJ para processar e julgar originariamente os conflitos de competência entre quaisquer tribunais, ressalvado o disposto no art. 102, I, “o”), bem como entre tribunal e juízes a ele vinculados a tribunais diversos. O fundamento estaria na premissa de que a atividade desenvolvida no âmbito da arbitragem possuiria natureza jurisdicional.

Preliminarmente observe-se que não compete às câmaras de arbitragem resolverem questões dessa natureza, lhes cabendo tão somente administrar os processos arbitrais que foram instituídos sob os seus cuidados pela vontade comum das partes. É notório que as câmaras de arbitragem não são parte nos processos que correm junto a elas. Estariam presentes, em regra, dois impedimentos.

O primeiro diz respeito ao fato de que a presidência das câmaras arbitrais não tem conhecimento dos aspectos internos dos processos que nelas correm quando se trata daqueles casos em que as partes optaram pelo sigilo. Não é possível, nesse sentido, conhecer-se o teor das peças produzidas pelas partes desde a petição inicial até os memoriais e, muito menos, das decisões tomadas pelos tribunais arbitrais instituídos para o julgamento dos casos, seja nas manifestações incidentais (como ordens processuais, por exemplo), seja quanto à sentença final. Ora, dessa forma, como poderia a presidência das câmaras saber se existe algum conflito de interesses com relação ao mesmo objeto, causa de pedir e pedidos? Essa possibilidade em geral não existe.

Mas no caso sob análise, trata-se de arbitragens que têm como uma das partes uma companhia aberta, em relação à qual o sigilo, pelo regulamento da CAM e da natureza daquelas é relativizado ou não existe. Mas uma coisa é ter conhecimento de processos na situação acima, outra bem diferente é ter competência para resolver eventual conflito. Primeiro porque não existe um órgão interno na CAM com tal competência. Segundo porque, mesmo que existisse, a possibilidade de intervir em conflito dessa natureza dependeria de comum acordo estrito e expresso entre as partes para tal finalidade, considerada a natureza contratual da arbitragem, regulando-se os efeitos do reconhecimento da questão como, por exemplo, à unificação dos processos e à formação de novo tribunal arbitral.

Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa
Professor sênior de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP. Sócio do escritório Duclerc Verçosa Advogados Associados. Coordenador Geral do GIDE - Grupo Interdisciplinar de Direito Empresarial.

Rachel Sztajn
Advogada em São Paulo. Professora sênior de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP.

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