O novo incentivo fiscal ao esporte
José Maurício Fittipaldi *
Gustavo Vieira de Oliveira **
Já há algum tempo a comunidade esportiva brasileira aguardava por algum mecanismo fiscal de fomento ao esporte. A pouca atenção dos agentes políticos, a conseqüente insuficiente dotação orçamentária destinada às pastas de esporte nos três níveis de governo e os discutíveis resultados das políticas públicas por estes implementadas (muitas vezes na contramão da consciência social que entende o esporte como ferramenta de desenvolvimento, bem-estar e inclusão social), constituíram, durante muito tempo, fatores de estagnação do esporte brasileiro, sobretudo em relação às modalidades de menor exposição na mídia, mais ainda na seara do esporte amador ou voltado à educação e inclusão social.
Esse movimento ganhou musculatura e intensidade no início da década passada quando o setor da cultura e artes foi contemplado com suas leis de incentivo fiscal, especialmente as nomeadas de “Rouanet” e “do Audiovisual”. Esporte e Cultura, tradicionais aliados na luta por recursos necessários, e ao mesmo tempo ocupando posições antagônicas pela fatia de um mesmo “bolo”, que é pequeno e insuficiente para responder aos anseios de ambos os setores.
O “apagar das luzes” do ano de 2006 foi decisivo. A proximidade dos Jogos Pan-Americanos de 2007 e a possibilidade de sediar a Copa do Mundo de 2014, além da maior e melhor mobilização da comunidade esportiva, criaram o ambiente favorável para a aprovação da Lei 11.438 (clique aqui) , em 29 de dezembro, que instituiu mecanismo de renúncia fiscal do governo federal em favor do Esporte.
A proximidade da aprovação da Lei reacendeu o embate Cultura-Esporte tendo em vista que o Projeto de Lei previa que ambos disputariam o mesmo limite (4% do imposto devido pelas pessoas jurídicas), até então exclusivo do setor cultural.
A solução encontrada foi a manutenção do limite de renúncia fiscal exclusivo da Cultura (4%), e a criação de um novo limite (1% do Imposto de Renda devido pelas pessoas jurídicas), a ser destinado exclusivamente ao Esporte. Ânimos amainados pela Medida Provisória 342, editada na mesma data da promulgação da Lei, a qual estabeleceu os limites acima expostos, bem como incluiu o para desporto como objeto de projetos incentivados, corrigindo falha da Lei.
A partir do presente ano de 2007, portanto, o segmento esportivo passa a contar com importante ferramenta de financiamento, cuja utilização abrirá um horizonte de possibilidades nos anos vindouros. Neste particular, a Lei é clara ao definir prazo de validade para o inventivo fiscal: do ano de <_st13a_metricconverter w:st="on" productid="2007 a">2007 a 2015. O mérito dessa medida está em sinalizar que o incentivo não é um fim em si mesmo, mas um facilitador temporário de investimentos no esporte os quais, posteriormente, deverão se sustentar sem a benevolência do recurso público.
O funcionamento do mecanismo de incentivo ao esporte é semelhante ao das leis de incentivo à cultura, em especial ao da Lei Rouanet. Também na Lei do Esporte, a utilização dos incentivos fiscais assenta-se em tripé composto por proponentes (responsáveis pela execução dos projetos), doadores/patrocinadores (responsáveis pela transferência de recursos aos projetos) e Estado (que estabelece a renúncia fiscal e autoriza a dedução, do Imposto de Renda, dos valores transferidos a projetos).
O processo de utilização dos incentivos se inicia com a submissão de projeto ao Ministério do Esporte, onde será avaliado por comissão técnica da qual participarão representantes governamentais e representantes do setor esportivo indicados pelo Conselho Nacional de Esporte (CNE). O ato oficial de aprovação do projeto capacita legalmente o proponente a captar e receber recursos devidos a título de Imposto de Renda diretamente das pessoas doadoras e/ou patrocinadoras. Desenvolvidas as iniciativas previstas pelo projeto, a prestação de contas é obrigatória.
Merece destaque, aqui, a definição de proponente, tal como estampada na Lei nº 11.438/06, segundo a qual poderão submeter projetos à aprovação do Ministério do Esporte apenas as pessoas jurídicas de direito público, ou de direito privado com fins não econômicos, de natureza esportiva (art. 3º, V).
A informação é de extrema relevância, pois impede que as pessoas jurídicas de finalidades lucrativas façam uso dos incentivos fiscais, ao contrário do que ocorre no campo da cultura; com relação à natureza esportiva exigida, apenas o Decreto de regulamentação poderá aclarar o conceito, sendo certo que, no campo da cultura, a expressão vem sendo entendida como a previsão, nos atos constitutivos da entidade proponente, da atuação na área esportiva.
Voltando-nos ao outro elo da cadeia do incentivo fiscal, a Lei do Esporte diferencia patrocinador de doador, grosso modo, pela existência ou não de “finalidade promocional e institucional de publicidade” na contribuição ao projeto aprovado. A diferenciação não é meramente formal, pois há expectativa de que o decreto regulamentador da Lei defina as diferenças práticas de uma e outra forma de contribuição.
Nas modalidades patrocínio ou doação, indistintamente, é obrigatório que o contribuinte seja tributado pelo lucro real, se pessoa jurídica, ou declare pelo formulário completo do Imposto de Renda, se pessoa física – exigências costumeiras nos mecanismos de incentivo fiscal. Além desse requisito, há de se observar os limites de 1% e 6% do imposto devido, respectivamente, para pessoas jurídica e física.
A Lei veda expressamente o patrocínio ou doação em favor de projetos que beneficiem, direta ou indiretamente, pessoas físicas ou jurídicas vinculadas ao doador ou patrocinador. Entende a lei como vinculados ao patrocinador ou doador, na dicção de seu art. 1º, §5º, a pessoa jurídica da qual o patrocinador ou o doador seja titular, administrador, gerente, acionista ou sócio, na data da operação ou nos doze meses anteriores. Além do cônjuge, os parentes até terceiro grau, inclusive os afins, e os dependentes do patrocinador, do doador ou dos titulares, administradores, acionistas ou sócios de pessoa jurídica vinculada ao patrocinador. E a pessoa jurídica coligada, controladora ou controlada, ou que tenha como titulares, administradores acionistas ou sócios algumas das pessoas a que se refere o inciso II deste parágrafo.
Esta vedação impede o que na Cultura se mostrou freqüente: a criação pelo doador ou patrocinador de instituições ligadas a eles para o desenvolvimento das atividades propostas. Um dos possíveis objetivos para esta proibição, especulamos, é a valorizações das instituições que desenvolvem o esporte ao longo dos anos, como os clubes esportivos e sociais, beneficiários naturais de recursos incentivados.
A Lei traz outra restrição importante ao proibir que os recursos incentivados sejam destinados ao pagamento de remuneração de atletas profissionais, em qualquer modalidade.
Este dispositivo rompe com uma doutrina antiga: ao contemplar a expressão “em qualquer modalidade” a lei excluiria o entendimento já ultrapassado (porém ainda por vezes considerado) segundo o qual o futebol seria a única modalidade profissional e as todas as demais, por conseguinte, amadoras, inclusive as mais desenvolvidas como basquete e vôlei. Para solucionar e não dar margem às más interpretações, é de bom alvitre e clamor da segurança jurídica que o Regulamento da Lei traga de forma objetiva a definição de atletas profissionais para efeitos desta lei.
Por fim, nos termos do art. 2º da Lei do Esporte, os projetos que pretendam utilizar os recursos oriundos da renúncia fiscal deverão contemplar ao menos um dos seguintes objetivos: desporto educacional; desporto de participação; desporto de rendimento; e projetos destinados à promoção da inclusão social por meio do esporte.
Caberá ao Regulamento, contudo, a definição dos termos, limites e condições para a destinação dos recursos às manifestações desportivas educacional, de participação e de rendimento. Esta definição se mostra extremamente importante, pois evidenciará qual forma de manifestação será mais atendida pelos recursos incentivados de acordo com a conveniência política.
A Lei por si só é uma grande conquista de comunidade esportiva. Entretanto será o Regulamento da Lei o documento hábil a dar alma e sentido ao incentivo fiscal do esporte. Espera-se, pois, com ansiedade este documento normativo o qual, quando publicado, dará plena vida à Lei e tornará possíveis seus objetivos.
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*Advogado do escritório Cesnik, Quintino e Salinas Advogados
**Advogado especializado em direito desportivo, membro do Conselho Deliberativo do IBDD - Instituto Brasileiro de Direito Desportivo
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