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Mobilidade sustentável e a arbitragem no setor sucroenergético: onde se encontram?

A redução da emissão de gases de efeito estufa está no centro da governança climática dos países signatários dos acordos internacionais relacionados às mudanças climáticas.

4/4/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

O sucesso brasileiro na implementação do etanol foi apresentado na COP-26 em Glasgow, Escócia, em novembro de 2021. Naquela oportunidade, ficou demonstrado que 48% da gasolina foi substituída por etanol no ano de 2020.

A descarbonização da economia foi a principal tônica das discussões na COP-26, com a meta e preocupação de não elevarmos a temperatura do planeta em mais que 2º celsius que a média da era pré-industrial até 2100. É evidente que isto exige redução drástica no uso de combustíveis fósseis, como o petróleo, matéria prima para gasolina e óleo diesel.

A redução da emissão de gases de efeito estufa está no centro da governança climática dos países signatários dos acordos internacionais relacionados às mudanças climáticas , como o acordo de Paris e sua regulamentação. O Brasil assumiu tais compromissos 1.

Diariamente acompanhamos nas mídias informações sobre a potência ambiental que é o Brasil: biodiversidade, florestas, legislação avançada. Também no que se refere à produção de energia renovável somos uma potência. Na década de 80, com o incentivo do Proálcool, a produção de cana-de-açúcar cresceu mais de 200%. Na década de 90, com a desregulamentação, mais de 40%. E, na primeira década dos anos 2000, com a implementação da tecnologia flex nos veículos, mais de 100%.2

É certo que a tendência mundial tem sido pensar a redução de emissão de gases de efeito estufa pela frota automobilística por meio da adoção de veículos elétricos. Entretanto, analisadas as diversas metodologias para mediação do resultado das pegadas de carbono, a resposta não é tão óbvia e os automóveis movidos a etanol , inclusive a grande frota flex brasileira, pode se apresentar como o melhor caminho para as economias de países que tenham condições de terra e clima para suficiente produção de cana-de-açúcar, sem falar em nosso potencial produtivo para etanol de milho, já acontecendo no Mato Grosso e em Goiás, inclusive porque a produção de cana pode ser feita de forma sustentável, com baixo impacto ambiental.

Mas vamos além. Eficiência do setor energético passa pela gestão de conflitos e, portanto, pela escolha dos mecanismos mais adequados para prevenção e solução de disputas. Neste sentido, a arbitragem apresenta-se como um método bastante apropriado para trazer para o setor sucroenergético essa eficiência.

As apregoadas vantagens da via arbitral, inclusive em sua comparação com a via judicial, enquadram-se perfeitamente às necessidades do setor quando se trata de solução de disputas. Neste ponto, destaco a especialidade do árbitro e a escolha da lei aplicável.

Da singela exposição até aqui feita neste artigo, já se pode perceber o nível de especialização e especificidades características do setor, a exigir um julgador que o conheça bem. Na arbitragem as partes podem escolher este julgador, um ou mais árbitras ou árbitros. Como exemplo de temas especializados estão as diversas metodologias e métricas possíveis para o cálculo de emissão de gases de efeito estufa de veículos movido a etanol e movidos a bateria elétrica3, tema que bem poderia aparecer em uma concorrência entre atores da indústria automobilística por determinado mercado e políticas públicas de um país.

Outra espécie de relação jurídica, não diretamente ligada à questão ambiental, mas também muito específica é a relação entre a agroindústria e o produtor rural no mercado de cana-de-açúcar. Os contratos envolvidos podem ter naturezas diversas a depender da estratégia de determinada usina de açúcar e/ou álcool, podendo variar de um contrato com o produtor para o fornecimento de cana para a usina à decisão de a própria usina arrendar, ou mesmo adquirir, áreas de plantio.

Tratando a possibilidade de escolha da lei aplicável, art. 2º, §§1º e 2º, as partes podem eleger regras do setor, moldadas por seus diversos atores e utilizadas como uma espécie de autorregulação, uma lex mercatoria, o que permite decisões mais acertadas, visto que se trata de regras pensadas coletivamente pelos envolvidos na produção e testadas pelo respectivo mercado. No setor sucroalcooleiro, existem as regras dos conselhos dos produtores de Cana-de-Açúcar, Açúcar e Etanol de alguns Estados. Regras importantes sobre precificação dos produtos e subprodutos são neles previstas, aplicando-se a medida de ATR – açúcar total recuperável.

As mudanças climáticas a cada dia revelam-se como tema transversal e dialogam com a arbitragem, tanto influenciando a adoção do deste método como se tornando matéria a ser tratada nos procedimentos arbitrais.

Não se pode negar um cenário de curto prazo, influenciado pelo conflito Rússia-Ucrânia, fortemente abalado com a queda do fornecimento de petróleo e gás pela Rússia para países da União Europeia, o que tem levantado em alguns países discussão sobre retomada de uso de energia não renovável. Entretanto, a meta de descarbonização da economia global permanece e, mais do que um acordo internacional, é uma estratégia de sobrevivência para a humanidade. Assim, temas que superficialmente parecem distantes alinham-se e a arbitragem pode ser mais uma aliada neste projeto internacional, na medida em que contribui para decisões mais acertadas nos conflitos envolvendo energia limpa, com maior segurança jurídica, tão almejada pelas relações comerciais internas e internacionais.

______________
 
1D9073 (planalto.gov.br)

2IBGE (2018)

3Tanque à roda: emissões de escapamento do veículo; Campo à roda: geração da energia até uso final; Berço ao túmulo: emissões totais, incluindo construção e descarte dos veículos e dos sistemas de geração da energia. Fonte: Agronalysis, FGV, vol 41, n. 12, dezembro 2021.

Letícia Baddauy
Sócia fundadora do L. Baddauy Advocacia. Professora na Universidade Estadual de Londrina (UEL). Árbitra. Fellow CIArb. Diretora de Arbitragem na CAMAGRO.

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