Muito provavelmente, esta não é a primeira vez em que você ouve falar em Metaverso, assim como está longe de ser a última. O termo foi utilizado pela primeira vez em 1992, em um romance de ficção científica – um clássico do universo cyberpunk – chamado Snow Crash, de Neal Stepehnson. Na trama, o Metaverso consiste em uma realidade virtual cuja complexidade é semelhante ao mundo real, na qual cada um pode ter seu avatar e status social. Todavia, na prática, a tecnologia do Metaverso já era utilizada em parte desde as décadas de 50 e 60 como head-up displays (HUDs) em aeronaves militares.
De acordo com Cathy Hackl, a CEO e Chief Metaverse Officer of Futures Intelligence Group – ou, como também é conhecida, a madrinha do Metaverso –, a definição seria de uma maior convergência entre as nossas vidas físicas e digitais, em um cenário de um número virtualmente infinito de simulações interconectadas, com um valor econômico altíssimo. Não se trata apenas da venda de produtos digitais, mas sim, de mundos digitais inteiros. É uma via de mão dupla: a sociedade se digitaliza e o digital se socializa, formando um ambiente simbiótico integrado por completo.
Ainda estamos em uma fase romântica e de muitos encantos – e não que seja para ela ser interrompida. Mas, é necessário compreender os desafios que estão por vir, estudá-los e debatê-los – afinal, qual é a natureza jurídica dessa nova realidade virtual? Não se sabe se o Metaverso será considerado um país com soberania e Lei supranacional. Ele será signatário de tratados internacionais?
E os avatares, serão sujeitos de direito? Serão firmados contratos de licenciamento de tecnologias ou marcas? Os contratos serão considerados válidos? Como será apurado o uso não autorizado e possíveis infrações? Assim como em nossas vidas atuais, as roupas dos avatares, as tecnologias utilizadas por eles, os skins e os ambientes digitais são propriedade intelectual. A localização destes ativos e a sua respectiva codificação são suficientes para comprovar o titular de seus direitos? Um dos mecanismos que poderá garantir a autenticidade de uma celebração de contrato e, assim, a sua validade jurídica, é a assinatura digital, com o uso de certificado digital emitido pela ICP-Brasil (Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira).
Existe a previsão de que nesta nova realidade virtual as duplicações e réplicas transcenderão as noções atuais sobre o assunto. A título de exemplo, já se tem o conhecimento de um projeto de falsificações de arte, com significativa aplicação financeira. Determinado coletivo teria comprado um quadro original pelo valor de $ 20.000 e produzido 999 falsificações. Somando a obra comprada com as falsificações, o grupo teria vendido as 1.000 obras, questionando publicamente se elas seriam oficiais ou não, como forma de provocar o seu público, e ainda por cima, lucrado cerca de US $ 230.000.
Outro desafio apresentado pelo Metaverso será o combate ao uso de marcas já registradas no mundo real, em games que o simulem. Resta clara a necessidade do titular de registro de marca se preocupar em aderir ao mundo virtual, na tentativa de impor a sua marca e estabelecer a sua presença por lá.
Os titulares de patentes também terão que estar atentos, já que a utilização de um software, por exemplo, nem sempre será visível – somente com a análise do código fonte. Geralmente, esta exposição não agrada os titulares do registro de patente. Por este motivo, se especula uma possível tendência de um menor número de pedidos de registros e do aumento da proteção de segredos comerciais.
O estabelecimento e conhecimento prévio das normas que irão regir o Metaverso é fundamental, mas a falta de respostas para tantas perguntas deixa claro que estamos ainda distantes de uma regulamentação específica e adequada.
No caso do Brasil, tem-se o Marco Civil da Internet, a Lei de Propriedade Industrial (LPI), a Lei de Crimes Virtuais e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Na esfera legislativa, tramitam alguns projetos de lei, tal como o PL 21/2020, que pretende regular a inteligência artificial no país. De acordo com o Deputado proponente, Eduardo Bismarck, a Lei precisa estimular o crescimento dessas tecnologias e ao mesmo tempo proteger os cidadãos de eventuais maus usos. A Câmara dos Deputados aprovou um substitutivo do referido projeto de lei e agora o texto segue para apreciação do Senado Federal. O resultado tem sido elogiado pela Associação Brasileira de Empresas de Software, que se fez clara em carta divulgada em 2021. Contudo, o PL 21/2020 vem recebendo muitas críticas, principalmente, de advogados e profissionais da área de tecnologia. Diversos especialistas apontam que as discussões foram aceleradas – supostamente, pela pressão feita pelas big techs – e que não houve nenhuma consulta pública sobre o tema – inclusive, os principais especialistas da área no país teriam sido deixados de fora dos estudos e debates. Também falta profundidade e responsabilização, visto que a maioria dos artigos foram escritos em um tom mais abrangente.
Certamente, muitas empresas irão buscar uma consultoria jurídica tendo em vista tantas dúvidas quanto à legislação a ser aplicada e às condutas ideais para sua proteção perante o mercado. Novos fatores precisarão ser analisados, tais como white paper, auditorias feitas no código fonte, os termos de uso e demais documentos.
O judiciário também precisa estar preparado para poder analisar o assunto com propriedade e amplo conhecimento. Afinal, com base no princípio da inafastabilidade do poder jurisdicional, os problemas ocorridos no Metaverso poderão ser judicializados caso o usuário esteja logado aqui no Brasil. É de se esperar que aos poucos sejam proferidas decisões norteando a interpretação do judiciário brasileiro quanto às inúmeras concepções, entendimentos e possibilidades de analogias. Mas, até o momento, pouco se fala sobre como os magistrados têm se preparado para dirimir controvérsias quanto ao Metaverso.
A necessidade já bate em nossa porta. Não podemos esperar os problemas se tornarem realidades urgentes para buscar soluções adequadas.