Estamos prestes, se tudo caminhar como está seguindo, para batermos de frente com uma “guerra fria 2.0”, decorrente da crise vivenciada pela relação entre Estados Unidos e Rússia, em virtude da questão da Ucrânia e sua entrada como membro da OTAN.
Agora nos perguntamos até que ponto essa disputa pode impactar o comércio exterior brasileiro e se de fato culminará em uma guerra disputada em campo de batalha e não apenas retórica.
Em nosso texto intitulado por “Economia do Afeganistão e o Impacto Global pelo Talibã, xpoents.com.br” feito no ano passado durante a retirada fracassada de tropas dos EUA do Afeganistão, nós discutimos os possíveis impactos que a crise vivenciada pelo Afeganistão poderia causar no mundo.
Agora, podemos dizer que o “buraco é mais embaixo”, pois neste momento estamos vendo trocas de acusações e movimentações bélicas por parte de alguns dos maiores países do mundo, EUA e Rússia, e nenhum deles parece ter intenções de recuar, até mesmo por motivações político-partidárias, conforme veremos a seguir.
Além disso, analistas afirmam que a China poderia aproveitar o momento de desestabilização da Europa para promover um avanço militar em Taiwan e assim dominar o mercado produtor de chips eletrônicos.
Essas e muitas outras questões podem sim impactar o comércio internacional, conforme veremos no decorrer deste texto.
Mas primeiramente vamos relembrar o que foi a guerra fria e como resultou na questão da Ucrânia.
Em sequência vamos analisar o que de fato está acontecendo nas relações entre EUA e Rússia.
Por fim, devemos verificar os possíveis impactos dessa crise para o comércio internacional.
Guerra fria 1.0 e a questão da Ucrânia
Bom, sabemos que a guerra fria foi uma disputa entre as duas superpotências da época: EUA, Estados Unidos, e URSS, União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.
Foi um período de intensos conflitos que se iniciou em 1947 e findou em 1989, sem ocorrer um conflito armado direto entre URSS e EUA.
Devemos saber que tanto os EUA quanto a URSS saíram da segunda guerra mundial vitoriosos, visto que lutaram lado a lado, no grupo dos “Aliados”.
No entanto, após a derrota de seus inimigos comuns, fascistas e nazistas, os dois países iniciaram a travar um batalha por poder, pois infelizmente em um contexto bélico, a guerra continua e somente deve haver um vitorioso detentor de todo o poder.
Assim, EUA e URSS inciaram uma batalha por influência mundial e o mundo se tornou bipolar, de um lado estavam os socialistas, URSS, e do outro estavam os capitalistas, EUA.
Assim, ambos buscavam aumentar sua área de influência, tanto por meios materiais, através da economia e do poder bélico, quanto por suas distintas ideologias.
Procurando se afirmar como maior potência global, ambos iniciaram uma corrida armamentista: eles tentavam sempre superar o poder bélico de seu oponente e avançar em criações tecnológicas voltadas à guerra.
Outro meio em que a disputa ocorreu de modo muito claro foi no espaço: a conhecida corrida espacial.
O Muro de Berlim e a URSS
Para entender o atual conflito, precisamos entender o mapa da Europa durante a guerra fria.
A URSS era formada por Rússia, Letônia, Lituânia, Estônia, Geórgia, Armênia, Azerbaijão, Bielorrússia, Cazaquistão, Moldávia, Quirguistão, Tadjiquistão, Turcomenistão, Ucrânia e Usbequistão.
Além disso, sua influência na Europa se estendia pela Polônia, Romênia, Bulgária, Hungria, Tchecoslováquia e parte da atual Alemanha, dominando Berlim.
Esses países formavam a chamada “Cortina de Ferro”. Termo citado pela primeira vez por Winston Churchill e que diz respeito à divisão da Europa entre territórios capitalista e socialista, após o fim da segunda guerra mundial.
Assim disse Churchill:
De Estetino, no [mar] Báltico, até Trieste, no [mar] Adriático, uma cortina de ferro desceu sobre o continente. Atrás dessa linha estão todas as capitais dos antigos Estados da Europa Central e e Oriental. Varsóvia, Berlim, Praga, Viena, Budapeste, Belgrado, Bucareste e Sófia; todas essas cidades famosas e as populações em torno delas estão no que devo chamar de esfera soviética, e todas estão sujeitas, de uma forma ou de outra, não somente à influência soviética, mas também a fortes, e em certos casos crescentes, medidas de controle emitidas de Moscou.
Na época, como a segunda guerra mundial (1939-1945) havia acabado recentemente, existia uma tensão crescente entre os governos da União Soviética e as potências aliadas, capitalistas.
Ao expulsar as tropas nazistas na Batalha de Stalingrado (1942-1943) e libertar países do leste europeu do domínio de Hitler, o exército soviético conseguiu aumentar o seu poder de influência sob outros territórios. Como consequência, essa região passou a ser comandada por diversos governos satélites da URSS.
Até então, “cortina de ferro” estava relacionada apenas a uma fronteira ideológica. Porém, pouco tempo depois ela se tornou física, com a construção de uma barreira na Hungria, em 1949. Em seguida, outros países comunistas também decidiram adotar a mesma ideia.
E assim surgiu o famoso, infelizmente, Muro de Berlim. A construção tinha aproximadamente 155 km de extensão, com mais de 300 torres de observação, patrulhadas por soldados armados o dia inteiro.
Aqui devemos dizer que a Cortina de Ferro funciona para a URSS como uma barreira contra os avanços ocidentais em seus domínios. Assim, os Estados Satélites funcionavam como um muro que protegia o centro do poder Soviético.
O Muro de Berlim foi derrubado em 1989, com a crise que resultou no fim do bloco socialista no leste europeu. Isso permitiu a unificação dos territórios da Alemanha oriental e ocidental.
OTAN e a questão da Ucrânia com o fim da guerra fria
A OTAN, Organização do Tratado do Atlântico Norte, chamada de Aliança Atlântica, é uma aliança militar intergovernamental baseada no Tratado do Atlântico Norte, assinado em 4/4/49.
Assim, a organização forma um sistema de defesa coletiva através do qual os membros concordam com a defesa mútua em resposta a um ataque por qualquer entidade externa à organização.
A OTAN é formada por 30 países membros, situados na América do Norte e na Europa. Conta ainda com um adicional de 31 países que participam da parceria para a paz da OTAN e outros 15 países envolvidos em programas de diálogo institucionalizado.
A guerra fria levou a uma rivalidade com os países do Pacto de Varsóvia, que foi formado em 1955. As dúvidas sobre a força da relação entre os países europeus e os EUA eram constantes, junto com questionamentos sobre a credibilidade das defesas da OTAN contra uma potencial invasão da URSS, o que levou ao desenvolvimento da dissuasão nuclear francesa independente e a retirada da França da estrutura militar da organização em 1966 por 30 anos.
Após a queda do Muro de Berlim, em 1989, a organização foi levada a intervir na dissolução da Iugoslávia e conduziu suas primeiras intervenções militares na Bósnia em 1992-1995 e, posteriormente, na Iugoslávia em 1999. Politicamente, a organização procurou melhorar as relações com países do antigo Pacto de Varsóvia, muitos dos quais acabaram por se juntar à aliança em 1999 e 2004.
Agora a Ucrânia quer se filiar à OTAN e tem feito movimentações para que esse processo se conclua com êxito.
No entanto, hoje a Rússia não aceita que essa adesão ocorra, pois com o fim da guerra fria em 1989 e com a queda da URSS, os então presidentes dos EUA e da Rússia promoveram um acordo verbal que afirmava que a Ucrânia e os países que compunham a antiga URSS jamais poderiam fazer parte da OTAN.
Segundo a Rússia, o avanço da OTAN para mais próximo dos países que faziam parte da URSS é uma afronta à sua soberania e põe em risco sua segurança nacional e se vê ameaçada pelo avanço ocidental.
Guerra fria 2.0: O que está acontecendo?
O termo “Guerra Fria 2.0” é utilizado para descrever o conflito geopolítico-ideológico entre Estados e China nessas duas últimas décadas, mas agora utilizamos para tratar sobre EUA e Rússia.
Desde novembro de 2021 a Rússia tem enviado para a sua fronteira com a Ucrânia milhares de soldados. Hoje afirma-se que haja mais de 127 mil soldados na fronteira aguardando comandos para a invasão, que tem aumentado semanalmente.
Talvez os interesses de Vladimir Putin, líder russo, não seja de fato de invadir seu país vizinho, mas a ameaça é real.
Sendo assim, Putin utiliza esse fator e está exigindo a retirada das tropas da OTAN da Romênia e da Bulgária, ex-repúblicas socialistas soviéticas.
Trata-se da retirada de forças estrangeiras, de material e de armamento, assim como outras medidas, para voltar à situação de 1997 nos países que não eram então membros da Otan. É o caso da Romênia e da Bulgária, afirmou a chancelaria russa.
Por outro lado, aliados da OTAN têm aumentado o envio de navios, aviões e armamento.
Desde dezembro de 2021 a gestão Biden, dos EUA, está enviando secretamente materiais para fortalecer o governo ucraniano atual. Mas com a escalada do conflito, essas ações deixaram os bastidores e estão vindo cada vez mais à tona.
Na semana passada, terceira semana de janeiro de 2022, os EUA autorizaram a exportação de seus armamentos que estavam em alguns países para que fossem transferidos para a Ucrânia.
E já na segunda-feira, 24/1/22, Joe Biden demonstrou que cogitava o envio de 5.000 membros de suas forças para defender a Ucrânia. Dinamarca, Holanda e Itália também afirmam ter disponibilidade para envio de tropas.
No final da noite de segunda-feira, 24/1/22, esse efetivo norte-americado que recebeu alerta de possível deslocamento para a Ucrânia subiu para 8.500, estimando-se que haja mais de 40.000 soldados que podem ser deslocados pela OTAN.
França, Alemanha e Reino Unido também estão envolvidos enviando suporte para a Ucrânia.
E EUA e Reino Unido já determinaram que os familiares de seus funcionários devem abandonar o território Ucraniano “enquanto houver aviões” e recomendaram que seus cidadãos não viajem para a Ucrânia e para a Rússia.
Em 23/1/22, o governo ucraniano declarou que pretende desmantelar qualquer grupo pró-Rússia que tente interferir na administração do país. Uma resposta à declaração da ministra das relações exteriores britânica, Liz Truss, que afirmou ter provas de que Moscou pretende interferir politicamente e ocupar o território da Ucrânia.
Isso é resultado de uma revelação por parte do governo do Reino Unido de que a Rússia estaria tramando uma forma de apoiar líderes pró-Rússia que possam assumir o poder do país.
Alemanha e sua dependência do gás russo
Literalmente no meio dessa disputa, entre a Rússia e o restante da Europa, está a Alemanha, dependente do gás russo e agora sob nova administração, do primeiro-ministro Olaf Sholtz que substituiu Angela Merkel.
Olaf afirma que “As fronteiras não podem ser mudadas pela força, (...) ficar em silêncio não é uma opção sensata”. No entanto, Putin está pagando para ver quem enfrenta o seu desafio. Tem bons motivos para achar que a alemanha vai tremer e admitir concessões mascaradas como acordos diplomáticos.
Os bons motivos têm um nome: nord Stream 2. É o gasoduto que, vindo pelo mar Báltico, despejará diretamente na Alemanha o gás natural que o país precisa para continuar, literalmente, aceso e aquecido.
A Alemanha já depende do gás russo para pelo menos 35% de seu abastecimento, os números são deliberadamente opacos. Com o Nord Stream 2, a dependência vai aumentar.
O gasoduto que abastece a Alemanha e o que ainda irá aumentar este fornecimento são instrumentos usados por Putin para plantar a hesitação no coração da aliança entre EUA e europeus.
Sendo assim, essa é uma estratégia utilizada por Putin para pressionar os países europeus para atingir seus objetivos de restaurar os domínios russos.
China: O desejo por Taiwan é crescente
Quem vive em Taiwan vivencia diariamente o temor de que a poderosa China promova uma invasão sobre seus domínios. Esse pequeno país inclusive possui um “domo” que o protege de possíveis ataques aéreos que podem partir da China.
Analistas de relações internacionais repetem em tom quase que uníssono que caso a Rússia promova a invasão da Ucrânia e isso se torne um conflito crescente bem no coração da Europa, a China poderia invadir Taiwan.
Devemos lembrar que hoje Taiwan é um dos principais produtos de chips eletrônicos, que estão escassos no mundo. De certa forma, toda tecnologia mundial depende dos chips de Taiwan.
Daí decorre o interesse da China de dominar esse país e possuir o controle desse mercado.
O resultado em Kiev, Ucrânia, mostrará o quanto as potências ocidentais estão dispostas a se arriscar para defender aliados como Taiwan, que se separou da China em 1959 e depende em grande parte da ajuda da Otan.
Possível impacto para o mercado
Como falamos acima, os chips eletrônicos já estão escassos, o que tem elevado seus preços em todo o globo e diversas linhas de montagem chegaram a paralisar suas operações pela falta do produto.
Uma invasão chinesa sobre Taiwan poderia parar completamente a produção e o transporte desses produtos, o que geraria ainda mais escassez e aumento dos preços, o que poderia perdurar por muito tempo até restabelecer seus níveis normais.
Essa questão parece óbvia. Mas quais seriam os efeitos de uma possível invasão russa na Ucrânia?
Ucrânia: nosso 63º parceiro comercial nas importações
Antes de respondermos à pergunta, vale fazer uma análise da relação comercial entre o Brasil e Ucrânia para verificarmos possíveis efeitos imediatos dessa invasão.
O volume de exportações brasileiras para a Ucrânia representou o montante de 226,9 milhões de dólares em 2021, o que representou um aumento de 65,4% em relação a 2020.
Assim, sua participação foi de apenas 0,08% nas exportações brasileiras, ficando em 75º no ranking de exportações.
As importações aumentaram mais em 2021, 195,7% foi o aumento, alcançando a marca de 211,4 milhões de dólares.
Assim, sua participação foi de apenas 0,1% nas importações brasileiras, ficando em 63º no ranking de importações.
Desse modo, vemos que nossa relação comercial com a Ucrânia é pouco expressiva.
Exportamos os seguintes itens para eles: Amendoins (13%), açúcares e melaços (11%), máquinas não elétricas, ferramentas e aparelhos mecânicos (11%), minério de alumínio e seus concentrados (11%), café torrado, extratos, essências e concentrados de café (9,7%), tabaco (8,7%), soja (8,7%), matérias brutas de animais (6,1%), café não torrado (4,3%), demais produtos - indústria de transformação (3,6%) etc.
E importamos os seguintes produtos: produtos semi-acabados, lingotes e outras formas primárias de ferro ou aço (22%), polímeros de cloreto de vinila ou de outras olefinas halogenadas, em formas primárias (20%), produtos laminados planos de ferro ou aço não ligado, não folheado ou chapeados, ou revestidos (13%), ferro-gusa, spiegel, ferro-esponja, grânulos e pó de ferro ou aço e ferro-ligas (9,4%), barras de ferro e aço, barras, cantoneiras e perfis (9,0%), Outros medicamentos, incluindo veterinários (7,0%), equipamentos elétricos e não elétricos de uso doméstico (4,9%), demais produtos - indústria de transformação (4,6%), fios especiais, tecidos especiais e produtos relacionados (3,4%), tubos e perfis ocos, e acessórios para tubos, de ferro ou aço (3,3%), equipamentos de telecomunicações, incluindo peças e acessórios (2,3%), tubos, canos e mangueiras, e seus acessórios, de matérias plásticas (1,2%) e pneus de borracha, bandas de rodagem, intercambiáveis, flaps e câmaras de ar para rodas (0,90%).
Então, quais seriam os reais efeitos para o Brasil?
De acordo com a Money Times, uma das reações mais imediatas caso ocorra um conflito seria a disparada do custo de energia, conforme disse Leornardo Trevisan, internacionalista e economista, para a revista.
Isso como uma decorrência da procura da Europa por alternativas ao gás russo.
Dessa forma, um dos produtos que poderia sofrer alta seria o petróleo, que já está em alta.
À CNN Brasil - Business, analistas afirmam que “Se a Rússia invadir a Ucrânia, os americanos cansados ??da inflação provavelmente pagarão o preço na bomba.”
Os preços do petróleo já atingiram máximas de sete anos nos últimos dias. Um conflito entre a Rússia e a Ucrânia, que a casa branca alertou que poderia ser iminente, teria o potencial de levá-los muito mais longe.
Isso porque a Rússia é o segundo produtor de petróleo do planeta, atrás apenas dos EUA. E a Ucrânia é um importante centro de trânsito de energia, por onde flui uma grande quantidade de exportações russas de gás natural para a Europa.
Uma invasão da Ucrânia provocaria temores imediatos de sanções de Washington aos vastos recursos energéticos da Rússia, danos à infraestrutura energética da região e aumentaria o espectro de Vladimir Putin armando exportações de gás natural e petróleo bruto.
Bom, tais análises foram feitas para a população norte-americana, mas os brasileiros não ficariam de fora desses efeitos. Isso pois o preço dos combustíveis é pautado pelo preço do barril de petróleo.
Caso o petróleo aumente, assim como o aumento do dólar, invariavelmente o preço dos combustíveis também aumentariam aqui no país.
Tal aumento pode agravar ainda mais a crise que vivenciamos com frete, tanto terrestre quanto marítimo.
Por consequência, os alimentos e praticamente todos os produtos, industrializados ou não, serão afetados pela guerra.
O economista-chefe da Infinity Asset, Jason Viera, explica, à revista Money Times, que o conflito gera impactos globais e o Brasil não ficará de fora. A principal reação dos mercados num primeiro momento é a valorização do dólar.
Contudo, ainda não é possível dimensionar o que pode acontecer, na avaliação de Vieira.
É preciso observar qual será a extensão dos conflitos e como os países devem reagir à invasão da Rússia na Ucrânia.
Por exemplo, caso de fato essa guerra cresça em níveis exorbitantes e ultrapassem as barreiras regionais então as importações seriam extremamente impactadas tendo em vista que os esforços se voltariam para a guerra.
Devemos lembrar que no ano de 2021 a participação russa nas importações saltou 107,5%, sendo o maior aumento verificado no ranking.
Os mercados locais de títulos, moedas e ações em Moscou e Kiev já foram atingidos, mas uma escalada nas tensões pode agravar as baixas, mundo afora.
Com sinceridade, ainda não podemos precisar exatamente o que pode acontecer, mas uma coisa é certa: devemos estar atentos, pois de fato se trata de uma disputa com grandes chances de escalar e causar danos globais.
Continuamos atentos sobre esse fato.