Migalhas de Peso

Insumos decorrentes de imposição legal e convenção coletiva geram créditos de PIS/Cofins

Não obstante o atual sistema de precedentes previsto nos artigos 926 e 927, III do Código de Processo Civil imponha o dever de observância ao que restou decidido pelas Cortes Superiores, a jurisprudência dos tribunais, infelizmente, após mais de três anos do entendimento pacificado pelo STJ, ainda permanecem apequenando o seu alcance porque deixam de reconhecer os insumos decorrentes de imposição legal.

31/3/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

O regime de incidência não-cumulativa do PIS e da COFINS está previsto no art. 195, §12 da Constituição Federal1 e, respectivamente, no art. 3º, inciso II, das leis 10.637/02 e 10.833/032, que não definiram expressamente o conceito de insumo para fins de permissão de desconto dos créditos.

Em razão disso, a Receita Federal do Brasil limitou o conceito de insumo por meio das Instruções Normativas SRF 247/2002 e SRF 404/2004, gerando, por muitos anos, discussões no Judiciário, até que finalmente, em 17/12/18, o Superior Tribunal de Justiça julgou o Recurso Especial 1.221.170/PR, em sede de Recurso Repetitivo, reconhecendo que o conceito de insumo para fins de tomada de crédito de PIS e COFINS previsto naqueles atos comprometia a eficácia do princípio da não-cumulatividade e decidindo que a sua definição deve ser aferida à luz dos critérios da essencialidade e relevância. 

Após o mencionado julgamento, a Receita Federal do Brasil emitiu o Parecer Normativo COSIT/RFB 5/18, com o objetivo de estabelecer critérios para a definição do conceito de insumos para fins de créditos de PIS e COFINS Todavia, impôs, mais uma vez, uma interpretação restritiva no que se refere aos dispêndios obrigatórios, tais como alimentação, vestimenta, transporte, educação, saúde, seguro de vida etc.3

Da mesma forma, a Coordenação-Geral de Tributação da Receita Federal proferiu a Solução de Consulta COSIT 183/19, reiterando os termos do referido Parecer Normativo e reafirmando que os equipamentos de proteção individual (EPI) podem ser considerados insumos. Todavia, os dispêndios com alimentação, transporte, educação, saúde, seguro de vida, etc. NÃO podem ser considerados insumos para fins de creditamento do PIS/COFINS recolhidos sob a sistemática da não-cumulatividade, excetuando empresas que explorem as atividades de prestação de serviços de limpeza, conservação e manutenção, em manifesta violação à garantia da igualdade prevista no art. 150,II da Constituição Federal. 

Tal entendimento da Receita Federal do Brasil contraria e restringe o quanto restou pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça porque os dispêndios expressamente previstos em lei e Convenções Coletivas celebradas com força normativa têm que ser descontados como insumos para fins de PIS e COFINS por todos os contribuintes que com eles arcam, sob pena de ferir o princípio da não-cumulatividade. 

Isso porque, de acordo com o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, além dos critérios de essencialidade e relevância que estão ligados à imprescindibilidade ou importância de determinado bem ou serviço para o desenvolvimento da atividade econômica final do contribuinte, há também que ser considerado como insumos os dispêndios decorrentes de imposição legal, ou seja, obrigatórios para a consecução da sua atividade social, conforme trecho transcrito a seguir: 

“Demarcadas tais premissas, tem-se que o critério da essencialidade diz com o item do qual dependa, intrínseca e fundamentalmente, o produto ou o serviço, constituindo elemento estrutural e inseparável do processo produtivo ou da execução do serviço, ou, quando menos, a sua falta lhes prive de qualidade, quantidade e/ou suficiência. Por sua vez, a relevância, considerada como critério definidor de insumo, é identificável no item cuja finalidade, embora não indispensável à elaboração do próprio produto ou à prestação do serviço, integre o processo de produção, seja pelas singularidades de cada cadeia produtiva (v.g., o papel da água na fabricação de fogos de artifício difere daquele desempenhado na agroindústria), SEJA POR IMPOSIÇÃO LEGAL (v.g., equipamento de proteção individual - EPI), distanciando-se, nessa medida, da acepção de pertinência, caracterizada, nos termos propostos, pelo emprego da aquisição na produção ou na execução do serviço. Desse modo, sob essa perspectiva, o critério da relevância revela-se mais abrangente do que o da pertinência.”(Recurso Especial nº 1.221.170/PR, destacamos).

 A propósito, vale destacar o seguinte trecho do aditamento do voto do Ministro Mauro Campbell: 

“Contudo, após ouvir atentamente ao voto da Min. Regina Helena, sensibilizei-me com a tese de que a essencialidade e a pertinência ao processo produtivo não abarcariam as situações em que há IMPOSIÇÃO LEGAL para a aquisição de insumos (v.g., aquisição de equipamentos de proteção individual – EPI). NESSE SENTIDO, CONSIDERO QUE DEVE AQUI SER ADICIONADO O CRITÉRIO DA RELEVÂNCIA PARA ABARCAR TAIS   SITUAÇÕES, ISTO PORQUE SE A EMPRESA NÃO ADQUIRIR DETERMINADOS INSUMOS, INCIDIRÁ INFRAÇÃO À LEI.(Negritamos). 

O termo “imposição legal” abrange o conjunto de normas de conduta, de organização, de competência, de direitos subjetivos e deveres, como as Convenções Coletivas que, segundo Amaury Mascaro Nascimento citado por Octavio Bueno e Ronaldo Lima dos Santos4, “(...) deve ser entendida como norma jurídica de natureza econômico-profissional”, tratando-se, portanto, de ato jurídico com força normativa. 

A Constituição Federal, em seu art. 7º, inciso XXVI, estabeleceu como direito do trabalhador o reconhecimento das Convenções Coletivas e Acordos Coletivos de Trabalho.5

O artigo 611 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, por sua vez, define a convenção coletiva como um “acordo de caráter normativo”.6

Como se não bastasse o caráter normativo atribuído à Convenção Coletiva com o advento da CLT em 1967, com a Reforma Trabalhista (Lei nº   13.467/2017) os acordos e convenções negociados por sindicatos ou qualquer outro órgão de fiscalização das relações de trabalho, passaram, inclusive, a prevalecer sobre a legislação, nos termos do art. 611-A da CLT, que estabeleceu a supremacia do negociado sobre o legislado. 

O efeito normativo atribuído às convenções e acordos coletivos implica em imposição legal que deve ser cumprida pela empresa em relação a todos os empregados, indistintamente, sob pena de arcar com multas pelo descumprimento do que foi pactuado, conforme expressamente previsto no art. 622 da CLT.7

Logo, os dispêndios obrigatórios assumidos pelas empresas nas Convenções Coletivas se caracterizam como insumos compulsórios,  porque  decorrem de imposição legal, conforme conclusão do Superior Tribunal de Justiça – STJ definida no RESP 1.221.170/PR, em Recurso Repetitivo, razão pela qual créditos de auxílio refeição/alimentação, seguro de vida, plano de saúde, dentre outros arcados pelos contribuintes devem ser considerados insumos para fins de creditamento do PIS/COFINS.

Da mesma forma, o pagamento de vale-transporte pelos contribuintes para garantir a mobilidade de seus colaboradores é obrigatório por força do artigo 1º da lei 7418/858 e, portanto, por decorrer de imposição legal deve ser considerado insumo para fins de tomada de crédito de PIS e COFINS. 

Mais recentemente, a própria Receita Federal do Brasil,  publicou no Diário Oficial da União, em 18 de janeiro de 2021, a Solução de Consulta DISIT/SRRF-07 7.081 de 28 de dezembro de 20209, autorizando o direito ao creditamento dos valores gastos em vale-transporte, inclusive para indústrias e demais prestadoras de serviços para fins de dedução do PIS/COFINS. 

Ainda neste sentido, a Receita Federal do Brasil publicou as Soluções de Consulta DISIT/SRRF06 6.02610 e 6.02711, nas quais consideraram o vale-transporte como insumo para fins de tomada de crédito de PIS e COFINS para os consulentes que as solicitaram.

Em que pese a Receita Federal do Brasil tenha reconhecido a tomada de crédito de PIS e COFINS relativo ao vale-transporte, tais Soluções de Consultas DISIT (proferidas pelas Divisões de Tributação das Superintendências Regionais da Receita Federal do Brasil) não possuem efeito vinculante nos termos da IN RFB 1396/2013 previsto apenas para as Soluções de Consulta COSIT (Coordenação Geral de Tributação), razão pela qual os contribuintes não conseguem tomar tais créditos de vale-transporte, sem que obtenham, para tanto, resposta à consulta administrativa permitindo ou tutela jurisdicional. 

Não obstante o atual sistema de precedentes previsto nos artigos 926 e 927, III do Código de Processo Civil imponha o dever de observância ao que restou decidido pelas Cortes Superiores, a jurisprudência dos tribunais, infelizmente, após mais de três anos do entendimento pacificado pelo STJ, ainda permanecem apequenando o seu alcance porque deixam de reconhecer os insumos decorrentes de imposição legal.  

________________

1 Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

(...)

§ 12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do capu t, serão não-cumulativas.  

2 “Art. 3º Do valor apurado na forma do art. 2º a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a:

II - bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes, exceto em relação ao pagamento de que trata o art. 2º da Lei no 10.485, de 3 de julho de 2002, devido pelo fabricante ou importador, ao concessionário, pela intermediação ou entrega dos veículos classificados nas posições 87.03 e 87.04 da TIPI;”

“132. Além disso, insta salientar que a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do AgRg no REsp 1281990/SC, em 05/08/2014, sob relatoria do Ministro   Benedito Gonçalves, mesmo afirmando que “insumo para fins de creditamento de PIS e de Cofins diz respeito àqueles elementos essenciais à realização da atividade fim da empresa”, concluiu que não se enquadravam no conceito “as despesas relativas a vale-transporte, a vale-alimentação e a uniforme custeadas por empresa que explore prestação de serviços de limpeza, conservação e manutenção”.

133. Diante disso, resta evidente que não podem ser considerados insumos para fins de apuração de créditos da não cumulatividade da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins os dispêndios da pessoa jurídica com itens destinados a viabilizar a atividade da mão de obra empregada em seu processo de produção de bens ou de prestação de serviços, tais como alimentação, vestimenta, transporte, educação, saúde, seguro de vida, etc. (sem prejuízo da modalidade específica de creditamento instituída no inciso X do art. 3º da Lei nº 10.637, de 2002, e da Lei nº 10.833, de 2003).”Negritamos.

Megano, Octavio Bueno, Convenção Coletiva de Trabalho, p 59, citado por Ronaldo Lima dos Santos, Teoria das Normas Coletivas, 2. Ed., São Paulo: LTr, 2009, p. 169.

5 “Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho.”

6 “Art. 611 - Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho.

7 “Art. 622. Os empregados e as empresas que celebrarem contratos individuais de trabalho, estabelecendo condições contrárias ao que tiver sido ajustado em Convenção ou Acordo que lhes for aplicável, serão passíveis da multa neles fixada.”

8 “Art. 1º Fica instituído o vale-transporte, que o empregador, pessoa física ou jurídica, antecipará ao empregado para utilização efetiva em despesas de deslocamento residência-trabalho e vice-versa, através do sistema de transporte coletivo público, urbano ou intermunicipal e/ou interestadual com características semelhantes aos urbanos, geridos diretamente ou mediante concessão ou permissão de linhas regulares e com tarifas fixadas pela autoridade competente, excluídos os serviços seletivos e os especiais.(Redação dada pela Lei nº 7.619, de 30.9.1987)”

9 “Para fins de apuração de crédito da Cofins, o gasto com vales-transporte fornecidos pela pessoa jurídica a seus funcionários que trabalham diretamente na produção de bens ou na prestação de serviços pode ser considerado insumo, por ser despesa decorrente de imposição legal

(…)

Para fins de apuração de crédito da Contribuição para o PIS/Pasep, o gasto com vales-transporte fornecidos pela pessoa jurídica a seus funcionários que trabalham diretamente na produção de bens ou na prestação de serviços pode ser considerado insumo, por ser despesa decorrente de imposição legal.”

10 Assunto: Contribuição para o PIS/Pasep (…)

Para fins de apuração dos créditos da não cumulatividade da Contribuição para o PIS/Pasep, na modalidade aquisição de insumos, conforme previsto no art. 3º, II, da Lei nº 10.637, de 2002: (…)

b) desde que atendidos os requisitos da legislação de regência, é permitida a apropriação dos dispêndios da pessoa jurídica com vales-transporte fornecidos a seus funcionários que trabalham no processo de produção de bens, por serem despesas decorrentes de imposição legal; (…)

Assunto: Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins (…)

Para fins de apuração dos créditos da não cumulatividade da Cofins, na modalidade aquisição de insumos, conforme previsto no art. 3º, II, da Lei nº 10.833, de 2003: (…)

b) desde que atendidos os requisitos da legislação de regência, é permitida a apropriação dos dispêndios da pessoa jurídica com vales-transporte fornecidos a seus funcionários que trabalham no processo de produção de bens, por serem despesas decorrentes de imposição legal; SOLUÇÃO DE CONSULTA DISIT/SRRF06 Nº 6026, DE 12 DE AGOSTO DE 2021, publicada em 03/09/2021

11 Assunto: Contribuição para o PIS/Pasep (…)

Desde que atendidos os requisitos da legislação de regência, é permitida a apropriação dos créditos da não cumulatividade da Contribuição para o PIS/Pasep, na modalidade aquisição de insumos, vinculados a dispêndios da pessoa jurídica referentes (i) à aquisição de vales-transporte fornecidos a seus funcionários que trabalham em seu processo de produção de bens, e (ii) à contratação de pessoa jurídica para transporte dos referidos funcionários no trajeto de ida e volta ao local de trabalho.(…)

Assunto: Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins (…)

Desde que atendidos os requisitos da legislação de regência, é permitida a apropriação dos créditos da não cumulatividade da Cofins, na modalidade aquisição de insumos, vinculados a dispêndios da pessoa jurídica referentes (i) à aquisição de vales-transporte fornecidos a seus funcionários que trabalham em seu processo de produção de bens, e (ii) à contratação de pessoa jurídica para transporte dos referidos funcionários no trajeto de ida e volta ao local de trabalho.”SOLUÇÃO DE CONSULTA DISIT/SRRF06 Nº 6027, DE 12 DE AGOSTO DE 2021, publicada em 03/10/2021

Luciana Nini Manente
Mestre e doutora em Direito pela PUC/SP, advogada e sócia do Eduardo Jardim Advogados Associados.

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