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O Data Act (1ª. parte): a nova etapa regulatória da estratégia europeia para a economia dos dados

O Data Act é mais uma iniciativa legislativa com a finalidade de libertar o potencial econômico e social dos dados e das tecnologias baseadas em dados. A proposta de regulamento ainda necessita de aprovação parlamentar.

30/3/2022

(Imagem: Arte Migalhas)

Na quarta-feira dia 23/2, a Comissão Europeia1 apresentou sua proposta para regulamentação do acesso e uso de dados não pessoais2. O Data Act, como se convencionou chamar a proposta de regulamento3, pretende garantir equidade e estimular competitividade no florescente “mercado de dados”, criando oportunidades para desenvolvimento de tecnologias baseadas em dados (data-driven technologies). A iniciativa normativa faz parte da “Estratégia Europeia para Dados” (European data estrategy), política para abertura e transformação digital da economia, calcada na criação de um mercado único de dados e desenvolvimento das tecnologias digitais4.

A Europa quer ser líder na “economia de dados” (data economy). Ao longo dos últimos anos, as tecnologias digitais transformaram a economia, afetando todos os setores, atividades e a vida cotidiana das pessoas. Tecnologias baseadas em dados têm tido um efeito transformador em todos os aspectos da sociedade. A proliferação de equipamentos conectados à “Internet das Coisas” (Internet of Things) tem aumentado exponencialmente o volume e valor dos dados.

A imensa quantidade de dados produzida por corporações privadas e empresas públicas cresce em escala exponencial. O volume crescente de dados industriais (não pessoais) e de dados públicos, combinado com ferramentas tecnológicas para armazená-los e tratá-los, constitui potencial fonte de crescimento e inovação que não pode deixar de ser explorada. Essa onda de “dados industriais” transformará de maneira profunda o modo como serão produzidos e consumidos produtos e serviços. Os dados estão redefinindo nossa forma de produzir, consumir e viver. Dados não pessoais propiciam a tomada de melhores decisões por parte de governos e empresas privadas, bem como o desenvolvimento de tecnologias baseadas em dados (data-driven technologies), a exemplo de carros autônomos, medicina personalizada, cidades inteligentes e aplicações baseadas em inteligência artificial.    

Os benefícios serão sentidos em todos os aspectos da vida, mas para que se estendam a todos os extratos da sociedade, de forma indiscriminada, os dados devem estar disponíveis para todos os intervenientes – públicos ou privados, grandes ou pequenos -, de forma a garantir que todos recebam os dividendos da transformação digital e da economia de dados. Para isso é necessário regulamentação que viabilize o aproveitamento de todo esse potencial, respeitando os valores democráticos e os direitos fundamentais das pessoas. A normatização favorece a competição no mercado de dados,  propiciando a produção de novos serviços e produtos digitais. Calcula-se que 80% dos “dados industriais” nunca são utilizados, daí que uma regulamentação prevendo as condições para acesso, reutilização e compartilhamento desses dados conduz a maior produtividade e mercados mais competitivos.

O Data Act constitui a segunda etapa regulatória para implementação da “Estratégia Europeia para Dados” (European Estrategy for Data). Em novembro de 2021, a Comissão Europeia já havia apresentado sua proposta de regulamento sobre “governança de dados”, que recebeu o nome de Data Governance Act5. Esse primeiro regulamento objetivou a criação do mercado europeu de dados, dividido em grandes espaços de dados (European data spaces), que reunirão informações de pessoas jurídicas e cidadãos europeus em diferentes setores (como saúde, indústria, energia, agricultura, meio ambiente, mobilidade, finanças, administração pública etc.). Esses “espaços de dados europeus” permitirão troca de dados entre organismos governamentais e entre eles e empresas do setor privado, facilitando o desenvolvimento de novos produtos e serviços baseados em novas tecnologias6.

__________

1 A Comissão Europeia é o braço executivo da União Europeia,

2 Ver comunicado à imprensa divulgado no site da União Europeia, em 23.02.22, acessível em: https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/ip_22_1113

3 O nome completo (em inglês) da proposta de regulamento é: Proposal for a REGULATION OF THE EUROPEAN PARLIAMENT AND OF THE COUNCIL on harmonised rules on fair access to and use of data. O texto pode ser acessado em: https://digital-strategy.ec.europa.eu/en/library/data-act-proposal-regulation-harmonised-rules-fair-access-and-use-data

4 A European Estrategy for Data foi lançada em fevereiro de 2020. Para saber mais sobre suas linhas principais, acesse o site oficial da União Europeia, na seguinte página: https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/ip_20_273.

5 Para maiores informações sobre o regulamento em questão, sugerimos a leitura do nosso artigo “O GOVERNANCE DATA ACT - A estratégia europeia para manter a soberania sobre os dados e conter o domínio dos mercados digitais pelas big techs”, publicado na Revista Jus Navigandi, disponível em: https://jus.com.br/artigos/87649

6 Os “data spaces” representam um modelo alternativo de gerenciamento de dados ao que é hoje praticado pelas grandes plataformas.   As grandes empresas de tecnologia, com suas “plataformas” que controlam os diversos nichos dos mercados digitais, levam extrema vantagem no acesso e acumulação dos dados gerados pelos usuários, o que facilita o domínio dos mercados digitais e propicia comportamento anticompetitivo. O monopólio de dados gera uma vantagem competitiva extraordinária. As grandes empresas de tecnologia adquirem um grande poder de mercado, cada uma dentro de determinado nicho, em razão de seus modelos de negócios, que lhes permitem controle sobre imensas quantidades de dados. A criação dos “data spaces” tem a finalidade de quebrar   o monopólio de dados pelas grandes plataformas e empresas de tecnologia, retirando-lhes a exclusividade no gerencimento dos dados que coletam e armazenam. Os data spaces terão um papel importantíssimo na economia de dados (data economy), na medida em que vão permitir e fomentar o compartilhamento dos dados.

Demócrito Reinaldo Filho
Desembargador do TJ/PE.

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